Hampshire, 1861
O ventou chiou um som agudo nos ouvidos de Lauren quando o cavalo correu mais rápido. O cabelo que havia trançado tão logo se levantara da cama naquela manhã há muito estava solto. A fita que o amarrava perdida em algum lugar daquela planície.
Com um leve toque das esporas, Lauren instigou o cavalo novamente. Montada numa sela masculina, usando calças por debaixo das saias, podia cavalgar tão rápido quanto o puro sangue era capaz.
Adorava a companhia do irmão e da cunhada. Adorava mimar o pequeno James, entretanto precisava admitir para si mesma que o que a prendia na propriedade do irmão era a liberdade. Não que seus pais fossem rigorosos. Ninguém ousaria acusar o marquês e a marquesa de Bourne de impor uma educação severa às suas filhas. Ainda assim, Lauren experimentava um verdadeiro exílio em Hampshire.
Um exílio da nobreza inglesa, da sociedade.
Ela estava adorando!
Talvez pedisse ao pai para lhe dar uma propriedade em Bath ou mais ao norte de Yorkshire. Ela viveria como dona de suas próprias terras, com seus próprios arrendatários, ou poderia começar uma criação de cavalos de raça. Estava certa de que era um comércio lucrativo.
Sua avó, a marquesa de Needham e Douby, provavelmente desmaiaria se a escutasse pronunciar a palavra comércio.
Mesmo assim a ideia lhe parecia promissora.
Lauren nunca mais teria que sentar-se em uma sufocante sala de visitas para tomar chá na companhia de mães dispostas a convencê-la de que os filhos eram ótimos partidos.
Não sabia como pudera suportar a primeira temporada em Londres.
A família não fizera por mal. Seus pais e irmãos realmente acreditavam que os bailes e passeios a ajudariam a esquecer a paixonite infantil como a avó chamava. Eles não entendiam que Lauren não queria esquecer, queria apegar-se àquela tristeza e aquela melancolia para sentir que fora real. Que todos os sentimentos que nutrira por Benedict tinham sido reais.
Os dias que passou em Londres, os bailes que frequentou, foram um lembrete palpável de tudo que poderia ter sido se Benedict não a tivesse rechaçado. Realidades tão absurdamente diferentes. Lauren comparava todos os cavalheiros com seu amor perdido. As conversas fúteis, a bajulação insistente. Benedict era tão diferente deles...
Para Benedict ela fora apenas Lauren. Quando ele a convidara para passear não estava convidando a filha do marquês de Bourne, um dos donos do cassino mais famoso de Londres.
Quando Benedict olhara para ela não vira o valor do dote, nem toda a descendência nobre que acompanhava seus muitos sobrenomes.
A temporada fora excruciante!
Lauren fugiria do mercado matrimonial inglês o quanto lhe fosse possível.*
Rud instigou o cavalo num galope rápido. A princípio não reconheceu a prima. Lauren usava um vestido simples, diferente dos trajes de montar luxuosos que as damas usavam em Londres e montava em uma cela masculina. Por um instante fugaz surpreendeu-se que ela estivesse cavalgando de modo tão pouco convencional.
O que era absurdo!
Ele não deveria surpreender-se com nada que Lauren fizesse ou melhor, deveria estar sempre preparado para que ela o surpreendesse.
Guiou o animal para cavalgar mais rápido, mas não suficientemente rápido para acompanhá-la.
Apenas o bastante para olhá-la de longe.
Não seria a primeira vez...
O campo onde estavam era aberto, perfeito para quem gostava de cavalgar em velocidade. Rud gostava, mas no momento, não se sentia disposto. Estava cansado da viagem. Viera de Londres numa carruagem confortável, entretanto não havia conforto que pudesse vencer as estradas esburacadas e castigadas pela chuva inglesa.
Esperou, consciente demais de si mesmo e de onde estava.Tão concentrado que escutava o som dos pássaros ao longe, o barulho dos cascos do cavalo. Esperou, sabendo que queria algo dali. Uma certeza da qual fugira de Surrey meses antes.
Não foi preciso esperar muito. Logo Lauren cavalgou para junto dele.
Lauren tinha o rosto ruborizado pelo exercício e a respiração acelerada. Os cabelos loiros estavam soltos numa bagunça de cachos que Rud desejou desembaraçar, ou embaraçar ainda mais.
Era essa a resposta?
Esse desejo que lhe vinha tão impulsivamente?
Desde quando aquilo estava ali e ele não percebera?
─ Rud! ─ Lauren disse ao aproximar-se ─ Acaba de chegar? Faz tanto tempo assim que saí?
Lauren sorriu com felicidade incontida. Pulou do cavalo num movimento rápido
e se jogou nos braços do primo, apertando-o num abraço.
O coração de Rud acelerou dentro do peito.
Tentou agir normalmente.
─ De acordo com a governanta cerca de uma hora. Devo ter chegado logo depois que você saiu. ─ Rud respondeu e com uma careta engraçada acrescentou ─ Nossos anfitriões estavam ocupados, então decidi dar um passeio.
Stephen e Nicole era anfitriões atenciosos, entretanto como todo jovem casal apaixonado, tendiam a "esquecer" as visitas.
Durante esses três meses que estava com eles Lauren habituara-se a uma confortável rotina, que proporcionava privacidade para o irmão e a cunhada e liberdade para si mesma.
Rud se acostumaria com os horários da casa. Ou não. Ele nunca passava mais de uma semana no mesmo lugar. Ele era como um andarilho errante.
Não, aquilo não estava certo. Chamá-lo assim seria insultá-lo com uma insinuação de irresponsabilidade que não poderia ser mais injusta. Rud sempre estava por perto quando precisavam dele. Sempre que ela precisou dele.
─ Vamos retornar. Você deve estar cansado.
Lauren montou o cavalo sem precisar da ajuda de Rud. Ela comandou o cavalo a seguir no caminho que levava de volta a casa de Stephen sem esperar pela concordância do primo. Rud observou-a se afastar perguntando-se não fora um erro ir para Hampshire.
Manteve-se distante de Lauren por quatro meses. Foi um longo tempo sem vê-la.Foi um longo tempo pensando sobre os próprios sentimentos. Nenhum de seus pensamentos chegara perto do que sentira ali, naqueles poucos minutos. Deveria ter ficado mais tempo longe. Ocupou-se o máximo que possível em Londres. Com Stephen no campo, Rud assumira a parte do trabalho do primo no cassino. Não era o bastante para distraí-lo. Quando a falta dela se tornou insuportável ele se viu dentro de uma carruagem, com a desculpa perfeita de que não conhecia o primogênito de Stephen e Nicole, o mais novo membro da família.
Rud finalmente montou o cavalo e alcançou Lauren.*
─ Por quanto tempo pretende ficar?
Os dois cavalgavam num trote lento, lado a lado.
Rud a encarou ao invés de responder imediatamente.
Lauren apertou as rédeas do cavalo, arrependida de quebrar o silêncio entre eles de modo tão brusco. Não poderia retirar as palavras e não havia como emendar o que havia dito e a impressão que a pergunta direta passava.
─ Uma semana ou duas. Tenho trabalho no Anjo Caído. ─ Ele voltou a olhar para frente, prestando atenção no caminho ─ Não irá para a temporada em Londres?
Lauren murmurou uma negativa, esperando que ele dissesse algo recriminatório.
Rud não disse nada.
Seguiram em silêncio pelo resto do caminho. De vez em quando, Lauren olhava na direção de Rud. Sempre encontrando o olhar dele sobre ela. Havia sido assim em Surrey, meses antes, quando ele fora visitar a avó deles que estava doente. Ela não sabia o que pensar do silêncio dele.
*** Pessoas lindas dessa plataforma digital, tenho um favor pra pedir pra vocês.
Por mais que eu leia e releia meus textos sempre escapa algum erro. Se vocês puderem me avisar quando encontrarem alguma palavra com a grafia errada ou problema de pontuação eu ficarei muito grata.
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O coração de uma dama
Fiksi PenggemarQuantas vezes palavras escritas num papel devem ser lidas? Por quanto tempo um coração pode seguir apegado às promessas desfeitas? Lauren Bourne tem um baú cheio de cartas amassadas e um coração partido. Refugiada na casa do irmão em Hampshire, ela...