A pata do cavalo vacilou ao se enfiar no buraco da estrada. O cavalheiro segurou as rédeas, controlando o animal com destreza. A chuva da véspera castigara a terra. Rud poderia viajar na carruagem junto com Julius e Arthur O veículo era espaçoso e confortável. Entretanto, ele não queria companhia, nem mesmo a do irmão e do primo.
Estava com sede. Não sede da água que se balançava no ritmo do cavalo no pequeno tonel amarrado à sela. Tinha sede de uísque ou conhaque. Ele não bebia desde que saíra da Inglaterra. Precisava da mente limpa e do corpo disposto para resolver os problemas de Julius e Arthur. Por sorte os dois jovens não corriam risco de vida. Ambos estavam melhorando e garantiam, entre piadas despreocupadas, que já estavam prontos para a próxima aventura.
Rud os encontrara em um pequeno povoado, na casa humilde de um casal de idosos. O velho resgatara os dois rapazes que tinham sido deixados sem dinheiro e sem pertences à beira da estrada, machucados da surra dada pelos assaltantes.
O caminho de volta era mais longo. Provavelmente porque ele não desejava retornar.
Cada passo que o animal dava o deixava mais próximo de onde ele não queria ir.
Poderia ficar ali. Trazia dinheiro suficiente para passar alguns dias viajando, poderia ir para a França.
Tudo estava acertado. O irmão estava bem. Julius estava bem. Os dois podiam seguir viagem para Londres sem ele. Fazia vários anos que não ia à França. O pai enviaria dinheiro quando ele precisasse. A França era um ótimo lugar para o filho de um conde buscando distrações. Em Oxford costumavam acusá-lo de não saber aproveitar a vida. Não era tarde para aprender.
De quê servia ser o filho de um conde rico se ele não podia esbanjar a juventude com viagens, bebedeiras e belas mulheres?
Aproveitaria a vida e voltaria para a Inglaterra quando Lauren enfim se casasse.
***
Ele não foi para a França.
Rud, Julius e Arthur chegaram em Londres no início da noite de uma quarta-feira. Seguiram para a casa do marquês de Bourne. Deixariam Julius na casa dos pais e depois seguiriam para a casa do conde Harlow.
― Não sei por que não posso ficar numa das casas da cidade. ― Julius reclamou mais uma vez ― Eu estou bem.
― Não quer ver seus pais? Mostrar para eles que não precisam se preocupar?
Rud não conseguia acreditar na teimosia do primo. Julius começara a reclamar assim que avistaram Londres.
― Mamãe irá trancar as portas e janelas e nunca mais me deixará sair.
Arthur revirou os olhos.
O mordomo da Mansão do Diabo abriu a porta da casa e avisou que o marquês e a marquesa de Bourne estavam no cassino, mas que um cavalariço seria enviado imediatamente. Julius insistiu que os primos esperassem, pois segundo ele Cross e Pippa também estariam no Anjo Caído e certamente viriam com Penelope e Bourne. Acomodaram-se os três no escritório e esperaram a chegada da família.
O tempo de espera foi curto. Pippa e Penélope irromperam pela porta como duas leoas que acabaram de reencontrar os filhotes. Houve barulho e exigências de explicações, além de reclamações maternais cheias de preocupação e afeto.
Bourne e Cross entraram na sala com mais comedimento. A calmaria foi logo interrompida pelos gritos furiosos de Stephen.
― Onde ele está?
Não houve tempo de perguntarem a quem Stephen se referia, ou de Penélope pedir que o filho tivesse calma, ou de Bourne colocar-se entre o filho e o sobrinho.
― O que foi?
Rud perguntou, percebendo que o primo o encarava cheio de ódio. Stephen o respondeu com o soco certeiro no nariz. Ele lançou-se sobre Rud, derrubando-o no chão, gritando impropérios, desferindo mais socos. Os quatro homens no cômodo correram para apartá-los, não sem um grande esforço.
― Stephen! Você está louco? ― Julius acusou, ajudando Rud a ficar de pé.
O nariz de Rud sangrava assim como o lado direito da boca. Stephen não havia se machucado, já que o primo apenas se defendera dos golpes.
Stephen arfava de fúria.
― Você não sabe o que ele fez!
― Filho. Não faça isso. ― Penélope implorou, cheia de desgosto.
Stephen encarou a mãe, o pedido de Penélope pareceu acalmar o filho. Ou pelo menos impedi-lo de matar Rud na sala de visitas da Mansão do Diabo.
Rud tocou o rosto onde o sangue começava a escorrer. Encarou Stephen e teve certeza que o primo sabia sobre Lauren. Não tinha o direito de esperar nenhuma outra reação de Stephen.
― Onde ela está?
Stephen compreendeu que Rud se referia a Lauren e seu rosto tornou-se ainda mais furioso.
― Você ainda se atreve?
― Onde ela está?
Rud insistiu, ignorando o ódio do amigo.
― Onde quem está? Alguém pode dizer o que está acontecendo aqui?
― Ela está no País de Gales. ― Bourne respondeu, ignorando a pergunta de Julius.
― O quê? ― Rud perguntou sem compreender.
― Ela decidiu ter o bebê longe de Londres. ― Cross respondeu com o olhar severo sobre o filho.
Arthur falou um palavrão.
Rud tinha mais perguntas, não acreditava ter escutado bem o que o pai lhe dissera, mas foi impedido pelo soco certeiro de Julius que o derrubou no chão, deixando a sala novamente em polvorosa.
***
A madeira dos degraus da escada rangeu sob os passos apressados de Lauren. Ela parou, respirou fundo, tentando lembrar pela décima vez que não era prudente descer correndo pelas escadas daquela casa.
Aquela casa...
Quanto tempo demoraria até que não soasse tão estranho aos ouvidos?
Quanto tempo demoraria até que ela não acordasse mais assustada sem reconhecer a cama em que dormia?
Quanto tempo até que ela não se sentisse uma intrusa dentro daquelas paredes?
─ Minha senhora, tentamos não incomodá-la, o pobre Sr. Stone tentou mandar o homem embora...
Os pedidos de desculpas preocupados eram dados pela governanta. A mulher idosa apertava as mãos, aflita pelo inconveniente do qual não era culpada.
─ Não se aflija Sra. Stone, eu tratarei com o cavalheiro.
A expressão da mulher converteu-se rapidamente de aflição para incredulidade. A Sra. Stone provavelmente preferiria que Lauren retornasse ao quarto e deixasse que os homens resolvessem o que quer que fosse.
Lauren deveria tranquilizá-la, entretanto, seria difícil convencer a mulher de que não havia perigo enquanto gritos e ameaças ecoavam pelas paredes.
Gritos furiosos de uma voz que Lauren reconheceria na noite mais movimentada do Anjo Caído.
***EITA!!! EITA!!! EITA!!!
Eu to com pena do Rud, tadinho. Apanhou demais
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O coração de uma dama
Fiksi PenggemarQuantas vezes palavras escritas num papel devem ser lidas? Por quanto tempo um coração pode seguir apegado às promessas desfeitas? Lauren Bourne tem um baú cheio de cartas amassadas e um coração partido. Refugiada na casa do irmão em Hampshire, ela...