Capítulo 9

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O sol entrava pela janela impondo-se. Tudo no quarto parecia organizado demais aos olhos miúdos de Gabriela, que acordara com a cabeça explodindo em dor. Olhou em volta, lembrando-se do porquê todo o ambiente lhe era estranho. Depois de discutir com Low na noite anterior, chegara em casa com uma crise tão absurda de ansiedade que resolvera fazer uma faxina em seu quarto antes de apagar no chão na metade do serviço. Sua vida aparentava como aquele quarto, um misto de coisas posicionadas em seu lugar com outras tantas pela metade. Sentia-se tão vulnerável como qualquer pessoa se sente ao saber que ficou pelo caminho.

Suspirou, levantando-se. Maria Laura dormia no outro quarto, se é que ela ainda estava em casa. Arrastou-se pelos cômodos, negando-se a tomar um remédio para a forte dor que sentia. Sempre tivera essa resistência à comprimidos, ainda mais quando tratava de remédios para dores que julgava superficiais. Low estava numa cadeira nada confortável, com os pés apoiados no parapeito da varanda, com metade do corpo no assento e os braços caídos com um cigarro entre os dedos. Gabriela suspirou com a imagem, desejando ter uma câmera nas mãos naquele instante.

– Cê num tem porque tirar foto minha agora, não tem motivos pra querer lembrar de hoje. – Low comentou, de olhos fechados. Gabriela não sabia que havia sido descoberta em sua observação silenciosa, mas não estranhou pois, além de barulhenta, era muito comum que ficasse admirando a mulher.

– Impressionante como a gente parece ta ligada, ne?

Gabriela caminhou e sentou ao seu lado, mas num canto da varanda que não pegava sol. Não deu o beijo matinal que estavam habituadas e isso resultava da decisão que tomara enquanto organizava seu quarto.

– Acho que te devo uma conversa sincera. – disse, passando a olhar o horizonte. Não teria coragem de encará-la, não estando prestes a dizer o que viera relutando há um tempo. – Eu te amo muito, Maria, mas...

– Mas. – repetiu Low, num sarcasmo doído. Tragou o cigarro a contragosto, tapando o sol dos olhos e virando-se para Gabriela. – Quando vem com esse mas...

– É... Cê entende até mais do que eu gostaria. – Gabriela continuava, buscando forças para que conseguisse falar tudo sem que soasse ingrata. – Eu mudei muito lá dentro. E algumas coisas estão envolvidas nesse processo.

– Pode ser direta, Gá.

Maria Laura estava na defensiva e isso irritava Gabriela. Sabia que sua carcaça irônica era criada para protegê-la de demonstrar a dor que a dilacerava por dentro. Ao longo dos cinco anos em que estiveram juntas pode ver ela se vestindo várias vezes daquela amadura, mas nunca fora para se proteger de Gabriela. Saber que estava se distanciando da menina de seus olhos a fez vacilar.

– Não acho justo com você. Tudo isso, saca? – Gabriela gesticulava enquanto explicava. – Cê merece mais, de verdade.

– Ah, meu, sem clichêzinho de "não é você, sou eu" e bábábá. Fala o que cê tem pra falar; não vacila não.

– Mas é a verdade! Cê não fez nada de errado, eu que mudei! – soou ofendida. Maria Laura saiu da varanda, irritada. Gabriela suspirou e caminhou atrás dela, sentindo que ia explodir de dor. – Eu não sou mais a mesma, repensei muita coisa da minha vida lá dentro. E ainda to precisando me alinhar, sinto que não posso fazer isso, de me comprometer com você, sem estar certa de mim.

– Então cê prefere me deixar no passado, já que eu não faço parte dessa sua nova vida?! – Low se virou de repente, com lágrimas nos olhos. – Eu te amo, amo essa nova Gabriela que eu vi desabrochar lá dentro. Eu me apaixono por você todos os dias, nova Gabriela. – soou irônica, reparando a armadura que se rompera segundos atrás.

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