Estrangeira

Capítulo 1

Tudo começou quando Emily completou dezesseis anos. O que ela achou que seria um dia especial, repleto de alegria, presentes, sua licença temporária para dirigir, a permissão dos pais para chegar em casa depois da meia noite, se tornou um verdadeiro pesadelo cheio de novidades e imprevistos que mudaria sua vida para sempre. O pai era um dos melhores professores do MIT, especialista em tecnologia e com diversos títulos e prêmios em sua área. Ele acabara de ser convocado por uma universidade de tecnologia na Coréia do Sul, onde lhe foi oferecido o cargo de coordenador dos cursos de tecnologia.

O salário era muito bom, bem superior ao que ele ganhava em Massachusetts, além disso, a universidade estava oferecendo lhe pagar uma moradia, lhe daria um carro e uma bolsa de estudos na universidade para a filha, quando ela completasse os estudos, além de custear os estudos da menina em uma das escolas mais bem conceituadas de Seul. A mãe de Emily tinha uma loja virtual de produtos de beleza, o que lhe permitia trabalhar de qualquer lugar do mundo, o que foi a principal motivação para que ela embarcasse com tudo na proposta de mudança.

Era uma mulher jovial e apaixonada por conhecer novos lugares, vivenciar novas culturas, tanto que quando era jovem vivia fazendo mochilões pelo mundo e só parou quando a família lhe impediu de continuar. Emily, por outro lado, era uma adolescente com uma alma extremamente idosa. Ela gostava de rotina, era organizada e sua vida estava planejada até seus trinta anos desde que ela tinha treze.

Se mudar do país nessas alturas do campeonato parecia surreal, era absurdo e revoltante, especialmente porque, cá entre nós, não se tratava de uma mudança pequena, afinal de contas, eles estavam indo para o outro lado do mundo, em meio a uma cultura totalmente estranha. E por causa disso faziam quase cinco horas que ela estava trancafiada em seu quarto, em sinal de protesto, se recusando a tirar uma meia sequer da gaveta para enfiar nas malas que a mãe deixara no quarto. Ela não iria, estava decidido.

- Emily, minha filha, por favor, não seja tão intransigente... - O pai praticamente implorava do outro lado da porta.

- Eu não vou! - Ela gritava do lado de dentro, a voz entrecortada pelo soluço do choro. - Eu vou pedir minha separação de vocês, eu posso pedir minha emancipação ou seja lá o que for preciso, mas eu não vou me mudar para o outro lado do planeta.

- Querido, me dê licença. - A mãe se aproxima da porta e afasta o pai de Emily, e é quando ela sabe que as coisas ficarão sérias de agora em diante. - Emily Carrie Tate, abra essa porta agora mesmo e pare com esse dramalhão mexicano todo! A única coisa que você vai fazer é abrir essa porta, levantar essa bunda da cama e arrumar suas malas. Não faça seu pai se sentir pior do que está se sentindo.

- Eu não vou! - Emily sabia que estava pisando em um campo minado ao enfrentar a mãe desse jeito, mas ela estava tão irada que nem pensava nas consequências. - Eu posso ficar com a Jade, ela com certeza vai me acolher.

- Você está falando que prefere ir morar numa república de faculdade cheia de maconheiros, dividindo o quarto com mais sei lá quantas pessoas, todas elas com seus próprios hábitos de higiene duvidosos ao invés de ir para uma casa limpinha e ter seu próprio quarto, tudo para você arrumar do jeito que bem entender? - Emily engole seco, a mãe sabia como bater em seu ponto fraco. - Fique à vontade então.

Emily não só era muito organizada, como tinha um probleminha com limpeza também, na verdade ela era um pouco obcecada com esse negócio de germes, tinha pavor de sujeira e, realmente, pensar em viver no meio da bagunça do dormitório da irmã Jade na faculdade de Stanford, não parecia uma ideia na convidativa. Sentindo as lágrimas de frustração encherem seus olhos, engole o nó da derrota que se formou na garganta e finalmente abre a porta para encontrar o pai assustado do outro lado do corredor e a mãe lixando as unhas, esperando o momento em que isso, evidentemente aconteceria.