Capítulo 2

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Foi uma longa tarde de conversas, brincadeiras, gordices, jogos de tabuleiros e pura fofoca.

- Bruna você soube que sua prima passou em primeiro lugar no Enem para faculdade que está? - Fala sério!! Quem nunca teve que ouvir essa frase de alguém da família?

- A Aninha, filha da Valéria, está gravida!! E falaram que é filho de traficante - Ouço uma voz fofocar baixinho perto da cozinha.

Essas e outras milhões de fofocas seguiram pela tarde inteira. No meio da tarde não suportei e subi para meu quarto. Fechei a cortina e deixei meu quarto totalmente escuro e fui maratonar The Vampire Diares. Antes que eu pudesse perceber já tinha anoitecido e meu estômago suplicava por alimento. O que eu menos queria era descer as escadas e me deparar com um bando de parentes bêbados, mas logo que saio do quarto me surpreendo. A casa está em silêncio e todos estão dormindo em colchonetes na sala. Passo para a cozinha no maior silêncio possível e procuro algo para comer. Logo subo e caio no sono. Dessa vez assim, sem muitos pensamentos ou preocupações. Sem gritaria ou brigas. Por incrível que pareça sem lágrimas ou crises de ansiedade. Só o súbito sono. Pelo menos parecia tudo tranquilo até eu acordar de madrugada. Primeiro eu achei que estivesse em um grande pesadelo, mas logo a ficha caiu e era tudo real. Meu quarto estava escuro demais e eu não conseguia respirar. Todo o ar que estava ali fora roubado e eu necessitava dele em um desespero tão grande. Quanto mais eu tento respirar, mais sem ar vou ficando. Minhas mãos já estão suando e meu corpo se encontra todo arrepiado. O mundo ao meu redor está girando e meu estômago está embrulhado. Eu vou morrer. Eu vou morrer. EU VOU MORRER. Levanto subitamente e vou até o banheiro e tranco a porta. O ar não volta e só jogar água no rosto não funciona nem um pouco. Eu estou surtando. Por puro impulso dou um soco na parede, pelo desespero de não saber o que fazer. Logo acaba virando uma série de socos e acaba que um acerta e quebra o espelho. Instantâneamente eu pego um dos cacos do espelho e coloco sobre minha perna prestes a passar com toda força só para que aquilo pare, mas eu me assusto e caio na real e solto o caco rápido caindo junto com ele no chão. Olho para cima e passo a mão no rosto, por um momento parece que vou desmaiar, todo o teto está girando e meus olhos já não aguentam ficar abertos. De repente tudo se apaga. Então acordo puxando o ar, como se eu estivesse mergulhando bem fundo no mar sem aparelho algum. Tudo que acontecera antes parece um enorme borrão. Estou deitada sobre cacos de vidro e minha cabeça está latejando. Vou levantando devagar e reparo pela pequena janela do banheiro que já está claro. DROGA!!! Eu tenho aula agora! Dali mesmo já tomo um banho e vou correndo para o quarto me desviando de todo o espelho pelo chão. Coloco uma calça e moletom que são as primeiras coisas que acho pela frente. Dessa vez levo roupas extras na mochila. Coloco uma música bem alta no fone de ouvido só para poder fingir que não ouvi parente algum falando comigo à essa hora da manhã. Então pego o mesmo caminho entediante e gélido de sempre até à escola. Antes mesmo que a aula começasse eu já caio no sono sobre minha mochila.

- Noite difícil, Bruna? - Alguém me perguntando enquanto passa a mão sobre minhas costas e eu levanto meio perdida. Era meu professor com uma caneta na mão.

- Sim... - Respondi com a voz rouca, me segurando para não cair aos prantos lembrando de tudo que acontecera.

- Copia a matéria o mais breve – Disse enquanto dava um visto no meu caderno em branco. Eu dou um sorriso de canto de boca em agradecimento. Nem havia tanto dever já que o professor estava ciente de que toda a turma falava sobre o baile.

- Bela adormecida, quem vai ser seu príncipe no baile? - Ouço alguém perguntar das cadeiras do fundo e nem me viro para ver quem é.

- Não vou – respondo seco.

- Se quiser pode ir comigo, Bruna – o professor gatinho fala e eu dou uma risada sem graça.

- Seria uma honra, mas não. Irei viajar – respondo olhando para baixo. Eu não irei viajar, mas também não vou ao baile.

- Ela vai comigo ao baile – Diz Carlos do fundo da sala com toda grosseria do mundo. Tudo que eu faço é ignorar.

Carlos é do tipo valentão. Que provavelmente tem sérios problemas emocionais, ou traumas de infância, e acaba sendo a pior pessoa do universo só para aparecer e suprir sua carência. Passo toda a manhã ignorando-o. Meus amigos não vieram então prefiro ficar na sala à ter que esbarrar com ele no corredor do colégio. Já que passei boa parte da manhã dormindo nas aulas a hora passa voando. Logo estou no caminho de casa. Vejo de longe uma briga de bar e decido passar correndo por ali. De repente sinto algo entrar no meu pé. Um caco de vidro enorme de uma garrafa de cerveja quebrada. MAS QUE MERDA!! Todo dia algo de ruim acontecendo. Com toda a raiva do mundo vou mancando e resmungando. Até que esbarro em um menino e tudo cai no chão, e para meu azar minha mochila estava aberta.

- Presta atenção por onde anda, mas que merda!! - resmungo enquanto pego minhas coisas em segundos e levanto.

Ele ia falar algo mas saio dali rápido, preciso limpar esse sangue do meu pé. Provavelmente seria só um pedido de desculpas banal. Coloco meus fones e ando mais rápido. Então sinto alguém colocando a mão na minha boca e me empurrando para um beco. Foi tão rápido que não deu tempo de gritar. Era ele. Carlos. Logo que ele tira a mão da minha boca ele tenta me beijar e eu o empurro.

- Tá maluco, Carlos?? - grito e ele tampa minha boca novamente com mais brutalidade ainda enquanto está me prensando contra a parede. Ele passa a mão por toda minha coxa subindo pela bunda. Por impulso eu mordo a mão dele – ME SOLTA, SOCORRO – grito e ele puxa meu cabelo me jogando no chão com toda força. Meu impacto faz com que eu sinta dor em todos os ossos do meu corpo. Um grande frio na barriga se instala em mim nesse momento, e não é um frio na barriga dos bons. O desespero bate e logo estou em prantos.  

Cartas a Marte || CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora