7. Felícia do Dia

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Fíbia assistiu ao irmão colar os lábios na borda de seu segundo copo d'água

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Fíbia assistiu ao irmão colar os lábios na borda de seu segundo copo d'água. Ela desviou o olhar, repousando as costas na parede. Os braços estavam cruzados sobre o peito, sentidos de frio. A pequena cozinha, antes aconchegante, parecia estranhamente quieta e gélida, a janela aberta permitindo com que entrassem rajadas de vento do lado de fora, balançando as cortinas.

Sobre a mesa, o bolo que dona Somelina preparara ainda estava intacto, protegido das moscas por um aparato de madeira e rendas. Petris, curvado sobre uma cadeira, repousou o copo vazio na mesa e engoliu o líquido — deu para ouvi-lo descendo pela garganta. O copo que a mulher servira para Fíbia, por outro lado, ainda estava cheio.

— E-eu fiquei com medo — confessou o garoto, olhando vidrado para os próprios dedos. — Tanto, tanto medo que... que achei que num sabia mais andar com os meus próprios pés. — Se era possível, sua pele parecia ainda mais pálida do que o comum, os olhos ainda mais sem cor. — Aquela mulher na casa, ela... A-aquilo num devia 'contecer com uma pessoa. Eu só queria esquecer...

Ele colocou as mãos sobre a cabeça, curvando-se para frente. Parecia genuinamente atormentado.

Somelina, que ainda estava de avental e com um pano amarrado sobre os cabelos, puxou uma cadeira e se sentou ao lado do menino, acolhendo-o para um abraço.

— Tá tudo bem, garotinho. Vai ficar tudo bem, tá? — Sua voz era mansa, dócil, mas também era firme. Parecia saber do que estava falando ou, ao menos, o que precisava dizer. — Num era pr'ocês ter visto aquilo. Num era mesmo. — Ela suspirou. — Desculpem eu, crianças. Por favor. Eu devia ter falado a verdade quando ocês chegou aqui, mas tava tão feliz de ver outras pessoa na minha frente que num consegui nem fazer isso. A culpa é toda minha.

O corpo do menino tremia, os dedos agarrados aos fios de cabelo.

— Os olho dela tava aberto, quando nós entrou na casa. — A voz era quase um sussurro. — Ela tava de pé, limpando a estante com um espanador, como se fosse num dia normal. Só que ela num se mexia, parecia até uma estátua, parecia de pedra. E t-também... e também... — Engoliu em seco. — Num parecia que os olho dela tava vendo a gente. Num parecia que eles tava nesse mundo.

Fíbia tirou um pé do chão, encostando-o na parede também. Passava a língua sobre os dentes dentro da boca, matutando.

— Isso é maldição, num é? — indagou, estreitando os olhos para a dona da estalagem. — É o que tá 'contecendo nesse lugar.

A mulher se virou para a garota, mas o único olho à mostra não parecia chegar até ela. Estava perdido pelo cômodo.

— Sim — confirmou Somelina. — É no vilarejo todo. Faz alguns mês que tá assim, uns seis, eu acho. Já até perdi a conta.

A raiva subia pelo estômago da menina.

— E 'cês num fez nada?

Os ombros de Somelina caíram.

O Presságio do Sineiro: Rastro de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora