A espada roubada fincou no tronco da goiabeira tamanha a força do golpe. Fíbia arregalou os olhos, soltando um suspiro, e andou um passo atrás. As gotas de suor desciam pelo rosto, junto da água da leve garoa que caía na tarde. Vento gelado batia nos braços descobertos, provocando na menina arrepios. O silêncio no pequeno vilarejo era ensurdecedor.
Ela juntou os lábios, fungando, e soltou o cabo da espada, encarando-a presa na árvore — poderia ser um galho agora, liso, reto, feito de metal reluzente, embora hermeticamente posicionado no corpo da goiabeira. Fíbia balançou a cabeça, o cenho franzido. Também havia lágrimas no rosto molhado. Colocou a mão nas costas, fechando os olhos. A dor subia o tronco. A garota mordeu o lábio.
— Que que ocê tanto faz com essa árvore, hein? — Uma voz a sobressaltou.
A menina abriu os olhos e se virou para trás, vendo a ruiva de tapa-olho descendo pelo mato até a árvore pelada no quintal.
Como sempre, Somelina tinha o avental amarrado na cintura, as mangas arregaçadas, apesar do frio que tinha começado a fazer, e aqueles olhos grandes cheios de pena.
Fíbia desviou o olhar, tornando para a goiabeira e a espada enfiada no tronco. Fez um bico.
— Tô só fingindo que esse vegetal idiota é o feiticeiro Malasarte — respondeu.
Somelina se aproximou, tremendo sob as gotas de chuvisco.
— Eu acho que ocê conseguiu matar ele.
Olhou para a espada também, erguendo as sobrancelhas.
Fíbia não riu.
— Num tô vendo o sangue ainda.
A mulher soltou uma gargalhada.
— Quanta violência que tem nesse coraçãozinho. — Mordeu o lábio, encarando a garota. — Mas dá pra ver que ocê tem... como que diz... Que ocê tem o maior jeito aí com as lâmina tudo. Foi o Bogeis que ensinou, foi?
A menina agarrou a espada roubada pelo cabo e tentou puxar, descobrindo-a presa na goiabeira. Soltou um resmungo.
— Foi. Ele... ensinou tudo... que nós sabe fazer.
Somelina assentiu com a cabeça e a garota ainda tentava puxar a espada, empregando mais força, porém ainda sem sucesso.
— Eu tenho olhado ocê esses dia — confessou a mulher, fazendo um pequeno sorriso. — quando vem pra cá esporrar a velha goiabeira... Fiquei achando que ocê queria podar ela e depois que queria cortar ela ao meio, mas aí vi que não.
A menina ainda tentava arrancar a espada.
— Hum — respondeu de volta, sem dar muita atenção à ruiva.
— Achei bom. Achei que era uma coisa pr'ocê se ocupar, sabe? — Somelina pôs a mão na cintura, curvando os ombros. Suspirou. — E eu sei como é importante nós se ocupar nessas hora. Faz a cabeça ficar pensando menos nas coisa.
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O Presságio do Sineiro: Rastro de Fogo
FantasyViajando pelo perigoso reino de Tomi-Sulim, os irmãos Fíbia e Petris se deparam com um vilarejo amaldiçoado onde vivem misteriosas criaturas aladas, junto da ameaça constante da morte. Enquanto isso, uma guerra é travada entre aqueles que praticam a...