— Quem é essa menina? — A voz dela saiu áspera pelos lábios, repleta de desconfiança.
O silêncio desconfortável da floresta penetrava os ouvidos das três crianças, ainda cativas do círculo de Rastro de Fogo na pequena clareira, o calor e a viscosidade do ar fazendo gotículas de suor brotarem de suas testas e nucas. Petris, os ombros curvados e o peito acanhado, olhou para a irmã — cujo corpo dormente lutava para se colocar de pé, ainda um pouco entorpecido após a emboscada da Floresta Carnívora — e depois para a outra garota, a recém conhecida Someralda, e aqueles olhos verdes faiscantes repletos de acidez.
Fíbia, típica orgulhosa, empurrou o irmão quando ele tentou ajudá-la a colocar-se de pé, arrumando-se nas próprias roupas e erguendo o queixo arredondado, as bochechas fartas viscosas com uma fina camada de suor. A garota buscou pela espada, olhos ávidos e velozes, e, ao encontrá-la no chão, distante de seus dedos, largada junto ao arco-e-flechas de Petris, fez uma careta em sua cara de lagarta, cerrando os punhos. Ela rapidamente puxou o irmão pela gola da camisa, posicionando-o atrás dela feito o pudesse proteger somente com a força das próprias garras e de sua própria convicção.
A garota ruiva ergueu a sobrancelha, parecendo entediada.
— Olá pr'ocê também. Meu nome é Someralda. Pelo que parece, 'ocês conhece a minha mãe.
Fíbia olhou para Petris com a testa franzida.
O menino saiu de detrás dela e ficou entre as duas garotas, coçando a nuca.
— Olha, Fi. E-essa aqui é a filha da dona Somelina, lembra? Aquela que acabou fugindo. — Um sorriso tímido se abriu em seus lábios quando ele disse: — Foi a Someralda que salvou a gente.
Fíbia colocou as mãos na cintura, ainda tensa. Uma das sobrancelhas subia alto na testa.
— Num sei, maninho. Achei que a filha da Somelina tivesse morrido.
— Quem morreu foi a irmã dela, Fi. Que... que também se chamava Someralda.
Ela revirou os olhos.
— Então tem duas Someraldas? Agora que eu fiquei ainda mais confusa. — Perscrutou a ruiva. — E por que que ela tá aqui no meio da floresta, hein?
Someralda ajeitou a trouxa sobre o ombro, o rosto sério e compenetrado.
— Eu já expliquei tudo pro seu irmãozinho, pode ficar tranquila. É melhor a gente ir andando antes que escureça, viu?
Fíbia semicerrou os olhos. Então, percebendo a distração da outra menina, que terminava de se aprontar para partir, a cara-de-lagarta mordeu o lábio e se jogou no chão, conseguindo rolar até onde estava sua espada, recuperando-a com os dedos vorazes. Colocando-se de pé num pulo, pôde empunhar a lâmina e apontou-a em direção à ruiva, um semissorriso rasgando os lábios.
— Andando pra onde, hein? Acha que nós é teu prisioneiro, princesa?
Petris balançou a cabeça.
— Não, Fi. Num é isso! E-ela tá ajudando a gente. — Ele ergueu as mãos e se colocou entre as duas mais uma vez. Com calma, segurou o braço da irmã e devagar a fez abaixar a espada novamente, os olhos escuros e sem vida tremendo sob o escrutínio dela. — Pra gente conseguir sair da floresta.
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O Presságio do Sineiro: Rastro de Fogo
FantasyViajando pelo perigoso reino de Tomi-Sulim, os irmãos Fíbia e Petris se deparam com um vilarejo amaldiçoado onde vivem misteriosas criaturas aladas, junto da ameaça constante da morte. Enquanto isso, uma guerra é travada entre aqueles que praticam a...