A sombra do príncipe se alongava pelos paralelepípedos. O silêncio de Amedoína era ensurdecedor. A pequena vila, um punhado de ruas desertas abrigando casas simples com teto de palha, via os raios do sol incidindo por trás de uma sucinta cortina de névoa. Os passos de Danúvio talvez fossem o único som audível, excetuando-se os grãozinhos de areia e pedacinhos de pedra se desfazendo sob sua bota. O ar entrava quente pelas narinas e tinha cheiro de mato bem seco. E do cocô dos sineiros. Danúvio olhava para as casas, procurando algum sinal de vida, o cenho franzido. Portas e janelas fechadas.
— Nada se mexe aqui — murmurou o garoto, deixando a mente vagar pelas próprias palavras. Os pássaros nos telhados não moviam uma pena, não pareciam se mover. — Como uma estátua.
Tinha a mente na conversa de mais cedo, aquela que tivera com Licarlo. Os olhos perscrutavam o arvoredo tingido de sangue. Ao mesmo tempo que ansiavam ver a verdade, sentiam o coração vacilando — medo. Aquela coisa naquele lugar era a mesma que havia tirado a vida de seu pai, pensava o jovem príncipe. O pai que, como aquele vilarejo, agora não podia mais se mexer.
Tudo era imóvel.
Estático.
— Estátua. — A voz fez o garoto pular sobre os próprios pés.
Danúvio virou-se para trás e se deparou com uma pequena criança sentada no meio da rua que começava ao lado daquela de onde ele tinha vindo. Era um garotinho. Pequeno, magricelo, de pele morena castigada, chapéu de palha velho repleto de buracos, olhos grandes e profundos, roupas empoeiradas e pés descalços. Um cavalinho de pano estava em suas mãos, uma das patas faltando.
Danúvio ajeitou a postura, franzindo o cenho.
— Ousa falar com o príncipe de Tomi-Sulim, plebeu?
O garotinho olhou inocente para o rapaz, piscando como se não o compreendesse.
— Mamãe que mandou fazer pro papai — murmurou, os dedos roçando na terra. Havia algo em sua voz, um... orgulho?
O príncipe passou o peso do pé direito para o esquerdo.
— O que está dizendo? — Um suspiro deixou seus lábios. — Olha, se quiser um conselho, garotinho, saiba que é bom não falar dessa maneira com outros nobres, ouviu? Nem todos são tão misericordiosos quanto eu.
O menininho balançou a cabeça.
— Não, a estátua! — repetiu, tornando a brincar com o cavalinho de pano. Os três cascos de mentirinha tocavam a terra sem produzir nenhum som. — Foi a minha mãe que pediu pra fazer ela. Igual a do meu pai, igual a ele.
Os ombros de Danúvio desceram.
— Igual à do seu pai... — Colocou as mãos na cintura. — É, deve ser como a do meu pai. Mas por que o pai de um plebeu teria uma es...
Os olhos do príncipe arregalaram.
O cavalinho subia e descia na mão do garotinho, trotando. Nenhum cavaleiro à vista.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Presságio do Sineiro: Rastro de Fogo
FantasyViajando pelo perigoso reino de Tomi-Sulim, os irmãos Fíbia e Petris se deparam com um vilarejo amaldiçoado onde vivem misteriosas criaturas aladas, junto da ameaça constante da morte. Enquanto isso, uma guerra é travada entre aqueles que praticam a...