Prólogo

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A água da chuva eram dentes afiados mastigando o Costão da Quimera

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A água da chuva eram dentes afiados mastigando o Costão da Quimera. O homem de capa descia os últimos degraus da escadaria quase sem enxergar à frente, munido apenas de uma pequena lamparina. A luz âmbar mal revelava o dourado no pedregulho da encosta, que se erguia das águas daquele imenso lago de águas escuras até o castelo incontáveis degraus acima. Lá, podia-se ouvir os grunhidos e as espadas tilintando, interpelados pelo ocasional rebuliço de uma explosão. O homem mordeu o lábio, cerrando os dedos em volta do anel que estava segurando com a outra mão. O tempo estava acabando.

O costão dava para uma pequena praia de areia avermelhada, abandonada àquelas horas da noite, embora acompanhada da luz tímida da lua. As botas do homem mergulharam na areia e deixaram algumas pegadas até chegarem à água. O vento estava forte, bem como a chuva, e fazia a capa do sujeito balançar.

O homem enfiou a lamparina na areia e se colocou diante da água, tentando concentrar-se no horizonte. Dali dava para ver uma longínqua silhueta de árvores de um lado e, do outro, as luzes de um vilarejo.

O sujeito segurou o anel com as duas mãos e o elevou para o lago, como que em uma cerimônia. Era uma peça simples de metal, sem grandes ornamentos ou pedrarias, riscada apenas com uma singela letra "T" na parte de dentro. Não parecia ter muito valor, bem como todo o vestuário do homem, cujo tom escuro camuflava-se no breu da madrugada.

— Eu evoco a Seiscentésima Trigésima Primeira Magia — murmurou o sujeito numa voz firme e cálida.

Uma pequena centelha partiu do anel, de onde começou a cair um pó brilhoso meio azulado, parecendo pequenas estrelas.

Então, o homem arremessou o anel em direção ao lago e viu-o mergulhar nas águas, que começaram a brilhar em tons de cerúleo.

Ele estava tão concentrado que não ouviu os passos.

— Dônico tá vindo atrás de nós. 

A voz fê-lo pular sobre os próprios pés. Ele se virou para trás e acompanhou uma mulher encapuzada aproximando-se pela praia. 

— Martim ficou pra tentar atrasar ele.

A moça estava mais atabalhoada que ele. Além da lamparina, carregava um cesto de vime com o outro braço e, nas costas, um cajado de madeira.

O homem ergueu as sobrancelhas.

— Num vai dar tempo — disse, mordendo o lábio. — Eu acabei de conjurar a magia.

A mulher chegou ao seu lado.

— Nós vai fazer dar tempo. Pode ficar tranquilo — afirmou com um sorriso, deixando a lamparina perto da do sujeito. A moça tinha um machucado na testa, de onde descia um filete de sangue.

— 'Cê tá ferida — disse o homem, segurando-a no queixo. — Que foi que eles fizeram?

Ela o afastou.

O Presságio do Sineiro: Rastro de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora