18. Mães e Filhas

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No pequeno quarto, havia uma penteadeira com um espelho

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No pequeno quarto, havia uma penteadeira com um espelho. O único olho à vista de Somelina perscrutava pela imagem e a mulher suspirava, inquieta. As rugas de expressão manchavam a pele, já de aparência gasta, envelhecida; de relance, podiam fazer esquecer que ela já havia sido jovem no passado. Os dedos eram cada vez mais trêmulos, os lábios cada vez mais secos, os cabelos cada vez mais opacos. E só metade do rosto ficava à mostra. Era fácil perguntar, como num rompante de esperança, o que se encontraria debaixo daquele tapa-olho se a mulher tivesse coragem de arrancá-lo...

Ela pôs a mão no peito, balançando a cabeça. Os últimos dias a vinham perturbando da cabeça, a coisa estava séria. Com a maldição planando sobre Amedoína, sua vida já tinha ganhado contornos obscuros, mas agora ela sentia como se todas as piores partes de seu ser estivessem vindo à tona. Da pele saltavam suas veias e ela imaginava minhocas percorrendo a carne, comendo sua humanidade de dentro para fora. Somelina não sabia até quando poderia se esconder de si mesma.

Someralda — murmurou, engolindo em seco. O rosto da irmã estava colado à sua retina, o rosto da filha. No espelho, por outro lado, ela via outra coisa.

Uma lágrima escorreu pela bochecha.

— Mamãe?

Bateu com o punho na penteadeira, fazendo o espelho balançar.

O medo a fazia perder o controle, sempre fora seu maior carrasco. Somelina queria poder se livrar dele, queria poder se ver livre, mas isso seria o mesmo que enfrentar aquilo que estava escondido em seu coração.

Onde você está?, a voz soou atrás dela. Língua dos Pássaros.

A mulher ergueu a cabeça, mordendo o lábio.

Não era bem uma voz, é claro, mas, a ouvidos bem treinados, era como soava. Aquele idioma mágico, dona Epinelda havia ensinado tão bem, não era como uma língua estrangeira, cujas palavras e significados você aprende e precisa traduzir. Não. Os pássaros se comunicavam de maneira diferente, e o termo "língua" era só uma simplificação que se convencionou empregar para se referir à maneira que se comunicavam. Entendê-la não era questão de aprendizado, mas de permitir que aquelas palavras chegassem a você. Uma vez que elas chegavam, era impossível impedi-las de tocar seu coração.

— 'Ocê num vai deixar eu em paz? — a mulher perguntou, irritadiça.

O sineiro se empoleirou na cabeceira da cama, encarando-a.

Eu preciso da sua ajuda, disse o animalzinho. Não era a ave falando. Era o homem.

Somelina mordeu o lábio.

— Vai buscar ajuda do tenente, então. Deixa eu em paz — respondeu, virando-se para a parede. Mesmo que estivesse conversando com uma ave, não queria ter de olhar para ela. — Ele vai ajudar ocê bem mais do que eu consigo.

Ele num vai saber entender a língua dos pássaros, argumentou Bogeis, interpelado pelos pios do sabiá. A mulher quase podia sentir a cabeça do sujeito balançando de frustração, mas não se atrevia a olhar aqueles olhos afundados em órbitas cadavéricas. 'Cê é a única que pode fazer isso.

O Presságio do Sineiro: Rastro de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora