Cicatrizes

867 56 3
                                    

Graças a minha ideia de currículo improvisado, agora eu estava no museu diante de uma pintura que aparentava ter sido pincelada por uma criança de cinco anos.

Apesar de manejar a cabeça de um lado para o outro, eu ainda era incapaz de compreender o que estava diante dos meus olhos.

- A melhor arte é a incompreendida

Meus olhos são atraídos á figura ao meu lado até então despercebida. Ruggero pasquarelli quase irreconhecível sem seu habitual uniforme.

- Concordo plenamente - gracejo

- Quem é o artista ?

Em um ato desesperado meus olhos automaticamente vasculhavam qualquer sinal de quem quer que seja o autor, até se focarem em uma assinatura.

- Kandinsky 1913 - respondi de imediato - E então aonde vamos ?

- Minha casa - estende a sua mão para que eu possa segurar enquanto nos direcionamos a saída

...

Adentramos o apartamento que eu havia visitado algumas semanas atrás, e permanecia do mesmo modo

- Espero que não se importe de estarmos aqui, você não parece ter se vestido para passar a noite em casa - aponta para o meu vestido de seda preto, toda a maquiagem e os meus fios loiros armados pelo babyliss.

- Tudo bem, é mais reservado, eu prefiro assim - esboço um sorriso de conforto

Sinceramente eu preferia algo mais íntimo á ter que ir a um lugar com muitas pessoas, o que por consequência envolve barulho enfadonho e eu ter que passar a noite inteira esboçando um sorriso falso e balançando a cabeça em sinal de aprovação, mostrando que eu compreendo o assunto debatido, quando na verdade eu entendo outro idioma que o meu cérebro não traduz.

- Eu quis experimentar um pouco da culinária japonesa, espero que o seu paladar esteja pronto - diz sorrindo enquanto nos sentamos à mesa

- Você cozinha ?

- Bom, eu aprecio a arte culinária - nos serve de algo parecido com macarrão e legumes

- Bom, eu também aprecio mas não feita por minhas mãos - Digo e ele esboça um sorriso espontâneo.

- Sabe, eu sou um excelente professor.

O jantar e a conversa discorreram de forma tranquila, ele demonstrou-se uma companhia tolerável.

- Por que não seguiu carreira na arquitetura ? - pergunto ao olhar alguns quadros de moldura preta com plantas de prédios e desenhos de arranha-céus arquitetados para serem possivelmente vislumbrados á milhas de distância, dispersos pelo apartamento.

- Não era o que o meu pai queria no momento, algum dia quem sabe - responde enquanto beberica a taça de vinho quase vazia - Eu vou tirar a mesa.

- Eu te ajudo - me levanto carregando o prato e a taça.

Ele deixa os utensílios na pia e se direciona a mim fitando os meus olhos com tamanha intensidade, que pela primeira vez sinto algo fervilhar dentro de mim.

Colocando as mãos em minha nuca ele desliza para baixo dando um leve puxão em meu cabelo, fazendo com que um arrepio semelhante á uma corrente elétrica percorresse o meu corpo.

Sinto meus pés saírem do chão, quando ele me impulsiona em direção ao balcão de madeira

Com tamanha delicadeza e suavidade diferentemente da primeira vez, ele retira a alça do meu vestido e deposita seus lábios em meus ombros, em seguida o ajudo a desabotoar os botões de sua camisa com tamanha rapidez a ponto de rasgar um botão

- Está descontando o que eu fiz com o seu vestido no elevador ?

________

- Sabe o que eu nunca tinha notado ?

Ouço Ruggero perguntar enquanto apanho as minhas roupas espalhadas por cantos opostos do quarto

- Ah? O que ?

- Essa cicatriz na sua perna - ele aponta

Levanto o vestido e passo a ponta dos dedos em uma pequena mas visível cicatriz em minha perna

Eu me lembro bem de quando foi feita,
Mike estava em um acesso de fúria e ciúmes, por uma roupa que eu trajava
e não lhe agradava em nada. Ele havia delineado seu canivete em minha perna como um lembrete do limite que as minhas roupas nunca poderiam ultrapassar.

Me sentei na cama ao lado do Ruggero e analisei sua expressão curiosa

- Me acidentei quando era pequena, mas não é isso que importa - tento desviar o assunto.

- O que quer dizer ?

- Não acho a minha calcinha - esboço desespero

- Eu posso te ajudar a encontrar - gargalha

Alvo Fácil (ruggarol) Onde histórias criam vida. Descubra agora