Onde tudo começou

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Baby, me diga o que eu tenho que
mudar
Estou com medo de que você fuja
se eu disser o que eu quero dizer.
Talvez eu só tenha que esperar
Ou talvez isso seja um erro
E eu sou um tola

Last firs kiss
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- Pode recomeçar a sua "história" e dessa vez mais devagar - Ruggero pediu fazendo aspas ao insinuar que estou mentindo

É a terceira vez que lhe conto a mesma história, com os mesmos detalhes, enquanto seus olhos vasculham algo por trás das minhas palavras

Ele espera que eu manifeste qualquer sinal corporal que afirme que estou sendo mais uma vez uma grande contadora de histórias, ou em outras palavras, uma grande mentirosa. Mas mantenho a minha postura firme e livre de qualquer tremor ou desconforto aparente

Isto aqui se parece mais com um interrogatório, só lhe falta uma luz forte para jogar sobre o meu rosto, com o intuito de me provocar uma gagueira desenfreada e um suor iminente no rosto e na palma das mãos.

- Ei eu tenho direito a uma ligação - tripudio com o intuito de tornar o diálogo mais ameno, mas ele permanece tácito, me fitando com os olhos semi cerrados enquanto espera que eu inicie o monólogo

Okay, vamos lá

Eu nunca tive contato com as pessoas externas ao meu ciclo familiar, com isso quero dizer que, tudo que eu conhecia como família eram mamãe, papai e eu. Até que eles morreram, em um fatídico acidente de carro. E o meu sinônimo de família e lar foram modificados.

Haviam outras pessoas, tios, tias, avós, primos. Toda uma construção familiar que eu jamais tivera conhecimento. Até eu precisar recorrer para algum deles, qualquer um, para me tutelar. Os primeiros meses foram os mais difíceis para me adaptar, uma casa pequena com mais outras 8 pessoas, e nenhuma delas me queriam por perto. Depois de mais outras semanas incontáveis sendo conduzida de um lado a outro do país, alguém decidiu que não teria problema algum em me abrigar.

A princípio fiquei um pouco receosa, e até mesmo cética, eu poderia ser rejeitada outra vez.

Seu nome era Elize.

Tia Elize era senil e um tanto quanto doce, como uma típica senhora em uma casa de madeira com móveis floridos e alguns gatos aqui e ali. A qual adorava tomar chá todas as tardes, ou em qualquer oportunidade que lhe aparecesse. Eu soube imediatamente por que a minha presença parecia tão oportuna, ela estava doente e pelo que me disse tinha poucos meses de vida.

A princípio achei absurdamente egoísta da parte de tia Elize me abrigar só para que eu a acompanhasse em sua jornada final, mas entendi que ela somente não queria ficar sozinha, assim como eu estava.

Contudo em contrapartida aos poucos meses que eu esperava ter com a minha nova tutora, eu pude viver bons 5 anos ao lado de tia Elize, eu lhe ajudara no que pudera, desde lembrar-lhe do horário dos medicamentos à passear com os seus 5 gatos para que não ficassem com os nervos à flor da pele, ou no caso deles, do pelo. Aos 15 anos aprendi a dirigir, fazendo bom uso ao carro guardado na garagem há alguns anos, depois de ela não conseguir mais andar até as consultas ou sequer sair da cama por alguns dias.

Enfim

Quando ela morreu, eu não quis ter participação na briga pela divisão dos poucos bens deixados por ela, eu havia perdido outra figura materna, e nada nunca me doeu tanto. Eu estava sozinha novamente e essa constatação fez o meu peito se comprimir e eu ser jogada em uma escuridão dolorosa e solitária.

Então eu fui embora

Levei os meus poucos pertences e antes que pudessem dar falta, peguei o carro velho, que possuía as marcas das aulas de direção miseráveis oferecidas pelo Natan Grier, o garoto da mercearia da esquina, a única pessoa que eu conhecia naquela pacata e vazia cidade interiorana.

Alvo Fácil (ruggarol) Onde histórias criam vida. Descubra agora