Capítulo 6

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Esse capítulo sofreu algumas modificações. Para quem não está ciente, recomendo mesmo que leiam novamente. Sinto muito pelo inconveniente, mas prometo que estou tentando tornar a história melhor. Se gostarem, não esqueçam de votar e de comentar!


23 de agosto de 2020 - 03h04

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23 de agosto de 2020 - 03h04

Em um de meus sonhos mais estranhos, me lembro de estar em pé em um jardim, admirando a lua como se fosse a última vez que a veria, uma rosa vermelha na mão. Não me importo com o sereno que deixa minhas roupas úmidas e meus cabelos soltos até a cintura mais pesados. Nada se intromete entre eu e a luz da lua. Nada, apenas os passos na grama atrás de mim.

Sinto-me tranquila ao virar-me para ver quem vem, embora algo me diga que é o fim que se aproxima. Olho para o rosto do homem que para diante de mim, aos prantos, lágrimas de dor e ressentimento rolando abaixo pelo seu rosto bonito. Consigo ver a dor da rejeição que brilha em seus olhos. Nenhum sofrimento é o suficiente para fazê-lo pagar pelo que fez, mas, ao mesmo tempo, sinto-me mal, pois o amo.

Fecho os olhos e inspiro profundamente ao sentir a lâmina penetrar minha carne. Será que essa é a dor que ele sente agora? É assim que é a dor da traição? É bem parecida com a dor da decepção, do nojo e do asco que borbulha em meu âmago. Queima e não consigo evitar soltar um ganido frágil de agonia, enquanto minha camisola se encharca com meu próprio sangue. Abro os olhos para ver o rosto do homem que tanto amei se retorcer em ódio, arrependimento e horror. Sinto pena. Dele, de mim e de quem se envolveu nesta terrível história de amor.

Ergo a rosa vermelha na minha mão e tento entregá-la a ele. Tudo começou com uma flor como aquela, quando ele a ofereceu para mim na noite em que nos conhecemos. Antes havia simbolizado o mistério, a paixão, a beleza do amor. Mas agora ela simbolizava uma vida de mentiras, ciúmes e morte; a minha morte: a perda de calor de minhas mãos, a dureza de minhas pernas, a rigidez de meu pescoço, a imobilidade de meus lábios, a escuridão dos meus olhos. E, mesmo dentro do meu ataúde de fino mogno e veludo, o cheiro de rosas continuava tão doce quanto na primeira vez que o senti ao conhecer meu assassino.

Ahh, é uma pena! Que triste fim para uma moça tão bela...

O ar foge de meus pulmões e quase berro ao ouvir a voz ao pé de meu ouvido, rouca e fraca. Sento-me de supetão, apavorada e arfante, e acendo o abajur ao lado da cama. Não há ninguém no quarto, mas a sensação de um hálito frio como neve permanece em minha pele, perto de minha orelha. Minhas mãos e pés estão congelando também.

Logo percebo que a porta de meu quarto está aberta, embora eu me recorde de tê-la fechado. Como a mansão é toda antiga, fico em dúvida se deveria me preocupar ou não, pois nada mais funciona direito ali, pelo visto. Por que uma maçaneta funcionaria? Então, saio de debaixo do fino cobertor e atravesso o quarto até a porta. Fecho-a direito, com cuidado, e experimento sua eficiência, puxando-a para ver se abre sozinha, mas ela parece firme.

Balanço a cabeça para mim mesma, decepcionada. Acho que estou me deixando influenciar demais pelo meu livro. Esse tipo de crendice é coisa de minha tia Laura, irmã de minha mãe, não minha.

Esfrego minhas mãos frias, na intenção de me livrar daquele frio incômodo e retorno para a cama, pegando meu caderno de anotações. Escrevo o que me lembro do sonho que se esvai de minha memória, provavelmente modificando algumas partes aqui e ali para preencher os buracos que o esquecimento já cavou em minhas lembranças. O hábito de anotar sonhos é mais difícil de se adaptar do que eu imaginei a princípio, porque, como ao acordarmos as recordações da noite vão se desfazendo e deletando, é necessário que cada detalhe seja anotado o mais rápido possível. Ou seja, o ideal é anotar tudo enquanto a consciência ainda está parcialmente desligada, o que significa, muitas vezes, acordar durante a noite. E, embora ser acordada àquela hora não tenha sido minha escolha, minha mãe me ensinou a sempre fazer o melhor com os limões que a vida nos dá.

Satisfeita com minhas anotações, por mais rabiscadas que estejam, fecho meu caderno e o coloco de volta sobre a mesa de cabeceira. Nathan ficará orgulhoso de ver o quão produtiva eu tenho sido, penso e apago a luz do abajur, me aconchegando na cama de molas antigas. Amanhã terei um longo dia mas, quando estou quase pegando no sono, ouço as dobradiças da porta rangerem. Meus olhos abrem de imediato e prendo minha respiração, crendo estar imaginando coisas, mas o quarto esfria mais ainda e estico a mão para acender o abajur. E lá está: a porta aberta.

— Mas como...? — sussurro, indignada. Vou até a entrada do quarto e sinto um vento gelado passar pela brecha da porta. Está um breu no corredor, portanto estico a mão para acender a luz do teto do quarto. Infelizmente nada acontece. — Porcaria de casa velha.

Como alguém pode querer transformar essa casa em hotel? Não há sinal de telefone, não há vizinhos, nem luzes no corredor. Pelo amor de Deus, nem sequer há luzes no teto do quarto! Questiono-me pela última vez o porquê de eu decidir ir contra os apelos de minha tia e seguir os rastros da lenda da Casa das Rosas até o meio do nada. É tudo culpa do Nathan, que só sabe me dar ideia ruim.

— Não há nada aqui, Beatriz — digo a mim mesma. — A busca do dia anterior te provou isso. É somente uma casa velha, muito velha, que faz barulhos excessivos e guarda uma história ruim.

Ainda sim, me faço ir até a cômoda para pegar o celular em cima dela. Mesmo que ele não tenha sinal para ligar para alguém, ele ainda está parcialmente carregado e sua lanterna funciona muito bem. Por isso, faço uso dela. Mas ao tocar a maçaneta da porta, percebo como ela está fria, quase como se houvesse sido mergulhada em água com gelo, e essa percepção faz os pelinhos da minha nuca se arrepiarem. Nunca senti nada semelhante na vida, o que acaba fazendo o pensamento de que minha tia está certa passar pela minha cabeça.

Mesmo assim, respiro fundo e não deixo essa paranoia me tomar. Como psicóloga, minha mãe criou a mim e a meu irmão com a ideia de que a mente domina o corpo. Com o tempo, eu passei a concordar com ela.

Saio para o corredor, a lanterna do celular iluminando o caminho. De fato, como pensei, não há nada nem ninguém. O corredor está vazio e, ao final dele, há uma pequena sacada, cuja porta está aberta, por onde o vento frio entra e acerta meu corpo coberto apenas por um babydoll. Há um profundo cheiro de rosas vindo com ele, que deve provir do imenso jardim que vi ao chegar de tarde na mansão. Suspiro de alívio e vou até a porta, fechando-a com firmeza.

Satisfeita comigo mesma, dou um sorriso e viro-me. Volto ao meu quarto, desligando a lanterna do meu celular no caminho, porém, por uma fração de segundos em que meus dedos se afrouxam ao redor do aparelho, ele cai sobre o tapete no chão de madeira, fazendo um barulho seco e alto. Amaldiçoo em voz baixa e me agacho para pegá-lo. Entretanto, pelo canto do olho, vejo um pequeno par de sapatos nas sombras. Meus olhos sobem e se perdem em uma pequena silhueta encolhida em um canto do corredor. Meu coração salta, quase saindo pela boca, e arfo.

— Ei, você está bem? — pergunto, supondo que talvez a criança tenha vindo com o dono da casa, Vicente de Alcântara. — O que está fazendo sozinho no corredor? É muito escuro. — Espero uma resposta, mas não há. Começo a pensar que talvez sejam só as sombras me pregando uma peça. A mente comanda o corpo, lembra, Beatriz? — Qual o seu nome? Quer que eu te ajude a voltar para o seu quarto?

E o silêncio é a única réplica. Um sentimento horrível me envolve, enviando calafrios por todo o meu corpo. Vicente disse que só há ele e seu cachorro na casa, lembrei-me. A silhueta não se move, então me levanto, aceitando que sou uma idiota completa. Entro no quarto e fecho a porta, mas a péssima sensação que fica em mim não me faz sentir segura ali. Por via das dúvidas, tranco a porta. Se ela abrir sozinha de novo, algo está errado nesta casa.

Retorno para minha cama e me deito, mas não antes de verificar se nada se esconde nas sombras do enorme e antigo quarto que Vicente, o auto-proclamado dono da casa, me designou. Fico mais tranquila quando percebo que não.

Entretanto, desta vez, não apago a luz do abajur.

A Casa das Rosas (Hiatus até janeiro)Onde histórias criam vida. Descubra agora