Finalmente, depois de um longo tempo em hiato, estou voltando oficialmente com A Casa das Rosas. E agora é pra valer! As atualizações serão todas as quartas, por volta das 22h. Como podem ver, fiz algumas modificações, adicionando capítulos novos. Nenhum foi retirado, no máximo levemente modificado e posto mais para a frente. Espero que gostem! Por favor, não esqueçam de curtir e comentar para eu saber o que acham desse novo rumo da história <3
31 de julho de 2020 - 18h46
Destranco a porta de casa após retirar minhas botas de couro marrom e minhas meias encharcadas, pisando com os pés descalços sobre a textura áspera do capacho da entrada. Não é época de chuva no Rio de Janeiro, mas o aguaceiro não deu trégua desde o início da semana e, por causa disso, me vi obrigada a ir chapinhando por todo o caminho da biblioteca até a minha casa.
A escuridão do apartamento me recepciona. Estou vivendo sozinha desde os 22; agora me encontro com 24 anos recém-completados e ainda não me sinto totalmente à vontade em chegar em casa à noite. As luzes apagadas, o silêncio mórbido, eles sempre fazem com que eu me sinta deslocada e desconfortável. Exceto pelo suave miado que escuto de Boa Madame, minha gata, que vem me recepcionar à porta, esfregando-se em zigue-zague entre minhas pernas.
Quando vim morar sozinha, percebi rapidamente que viver só comigo mesma era uma espécie de tortura, ao contrário do que eu imaginava. Decidi então adotar um animal. Embora eu não seja exatamente uma pessoa de gatos, acolher um cãozinho seria fazer com que viver sozinha fosse não só uma tortura para mim, mas para o coitado do bicho também, graças à minha inabilidade de manter sequer uma planta viva por mais de um mês. Por isso, segui os conselhos de uma colega de trabalho e adotei um gato. São independentes — desde que haja comida e água à disposição — e super quietos — talvez demais para o meu gosto.
Pego minhas botas e meias e tranco a porta do apartamento. No caminho para o banheiro, jogo o par de sapatos encharcados no chão da cozinha e minha bolsa e os presentes de aniversário que ganhei em cima do sofá cor-de-creme. Por causa do movimento, um dos pacotes — o de papel pardo — tomba para o lado, deixando escorregar um simples cartão dobrado. De acordo com mamãe, Nathan havia enviado aquele pacote há um tempo já para o meu aniversário.
Meu irmão é cinco anos mais velho que eu e, diferente do que as pessoas pensam, não sou a irmã mais nova pentelha. É justamente o contrário, e eu posso provar. Então o fato de haver um cartão dentro do "presente" me faz dar meia-volta no corredor e esquecer que eu preciso de um banho.
Recolho o cartão e o abro. É um daqueles que você compra em qualquer papelaria, sem graça, sem nada de especial e com uma mensagem bem genérica, mas, vindo de Nathan, meus dedos agem como se estivessem segurando um bilhete premiado de loteria. Há um papel ofício branco primorosamente dobrado e grampeado dentro do cartão e, nele, o garrancho do meu irmão cria não apenas uma mensagem, mas um longo texto.
"Feliz aniversário, irmãzinha.
Desculpe por não poder estar presente no único dia do ano em que não implico com você. Sabe como tenho sentido sua falta e a da mamãe, mas a reta final do meu doutorado não tem sido fácil. Entretanto, conheci um colega doutorando chamado Guilherme, com quem você com certeza gostaria de bater um papo se pudesse. Como isso não é possível no momento, resolvi tentar me redimir pela minha ausência no dia de hoje (espero que, dessa vez, mamãe tenha resistido à ansiedade de entregar o pacote antes do dia) pagando quase um salário mínimo para fazer o trabalho do tio desse cara chegar até você, porque sei que amará lê-lo como eu amei, mesmo que não seja exatamente a minha praia.
Você se lembra das fofocas que nossas tias-avós costumavam fazer nas reuniões em família? Sobre a tia Laura? Talvez você fosse muito pequena para se lembrar, mas tia Laura trabalhou em um lugar chamado Casa das Rosas por alguns anos e, quando voltou, você já sabe: tia Laura se tornou a nossa tia Laura.
Pelo que pesquisei na internet, no início do século XX, nos primeiros anos após a tragédia que acabou com o ramo principal da família Blackwater, aquela casa foi fechada e abandonada. Ela só reabriu várias décadas depois, quando o último Lorde Blackwater, Alphonse, já era bem velho. E adivinha qual era o trabalho de tia Laura quando esteve lá? Cuidadora de idosos.
Para ser bem breve, Bia, este diário faz parte de uma coletânea de registros realizados pela governanta que serviu na Casa das Rosas durante o período de 1905 ao ano de 1912, quando foi assassinada. Ligue os pontos, perturbe o juízo de tia Laura e escreva a melhor história que conseguir tirar desse diário velho. Sei que você será a melhor escritora do mundo. Faça valer o meu dinheiro.
Parabéns pelos seus 24 anos. Amo vocês.
Nathan"
O pacote de onde o cartão havia escorregado cai sobre o tapete da sala com um baque alto. De onde estou, percebo que o embrulho agora está ligeiramente deformado. Jogo um olhar afiado para Boa Madame. Ela está sentada no sofá do lado de onde o pacote deveria estar, angelical, lambendo sua patinha branca como se não tivesse feito nada de errado.
— Gata safada — resmungo, abaixando-me para recuperar o embrulho do chão.
Normalmente os presentes de Nathan se resumiam a coisas inúteis e estúpidas compradas de última hora em alguma papelaria fina ou loja de cosméticos. Boa parte deles eram sabonetes ou kits de hidratantes para o corpo. Quando se sentia inspirado, dava-se ao trabalho de comprar um caderno de alta qualidade para incentivar minha escrita. Então me vejo ansiosa para descobrir o que faria meu irmão se desviar do tradicional eu-não-tenho-saco-para-escolher-presentes.
Abro o pacote, as mãos se embaralhando uma na outra, e encontro uma pasta cheia de textos impressos e um livro velho. Um livro bem velho. Quase gargalho, tentando entender o que o palhaço do meu irmão estava pensando quando comprou aquela velharia. "Escreva a melhor história que conseguir tirar desse diário velho. Sei que você será a melhor escritora do mundo. Faça valer o meu dinheiro." Mas o que diabos ele quer dizer com isso? Ele sabe muito bem que eu desisti de escrever faz tempo.
Suspiro profundamente e me movo para colocar o livro de lado, nenhuma intenção de levar aquilo adiante em minha mente.
Mas algo me impede. Não sei bem o quê.
Com cuidado para não deixar as folhas antigas despencarem, abro o diário. A caligrafia parece um desenho intrincado de palavras incompreensíveis. Mesmo que eu quisesse, eu não conseguiria entender uma vírgula do que está escrito ali. Quero dizer, os números parecem bem óbvios: 1905 está estampado logo no topo da primeira página, entretanto, nada além disso faz qualquer sentido para mim.
Decido então pegar a pasta com os textos para ver se há algum tipo de instrução ou santa dica que me ajude a compreender aquela bagunça. Ao folhear as páginas, me vejo diante das respectivas "traduções" das entradas do diário, perguntando-me quanto tempo a pessoa que fez aquilo — o tio daquele tal de Guilherme que meu irmão mencionou? — levou para concluir o trabalho.
Sento-me no tapete felpudo da sala, apoiando o diário aberto no tampo de vidro da mesa de centro e pondo as páginas impressas ao lado para tentar acompanhar o texto original com as transcrições que Nathan enviou junto.
Então começo a ler.
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A Casa das Rosas (Hiatus até janeiro)
Mystery / ThrillerSuspense/Romance/Mistério Após uma terrível tragédia na casa dos Blackwater, no século XIX, a propriedade ganhou uma má fama. Obcecada com a história por trás de tal reputação após receber o diário da antiga governanta da residência, Beatriz, uma bi...