Capítulo 1

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PV. Anastácia

Quando nascemos não temos o direito de escolhermos nossas famílias, não sabemos qual a religião, cidade ou país, se seremos brancos, negros ou pardos, a cor dos olhos e cabelo, é como uma caixa surpresa, você nasce e é premiado com a família que está destinada a você, um bebê algumas vezes planejado, algumas vezes no susto, mas ainda sim um bebê, que deveria ser amado.

Me pego pensando se algum dia Deus pensou que eu merecia passar por tudo que acontece em minha vida, com apenas dezessete anos estou prestes a me casar, mal posso ir à escola, era sempre a diferente das outras crianças, trabalho em grupo nunca fiz, minha mãe nunca me permitiu, segundo ela eu não poderia me misturar com essas pessoas imundas, por vezes ela quis me deixar estudando em casa, mas meu pai não permitia.

Tenho um irmão, mas a diferença entre nós dois é que ele pode fazer o que sempre quis, afinal a igreja só castiga as mulheres, será que é pecado nascer mulher? Mas se não fossemos nós mulheres onde estariam os homens? Não somos nós quem os geramos? Porque somos tão cobradas? Não deveríamos ter o mínimo de amor?

Algumas vezes que tentei questionar Dona Marta sobre todas as minhas dúvidas, tudo que consegui foi a marca dos seus dedos nos dois lados do meu rosto, para aprender a não questionar os ensinamentos divinos, mas isso não é ensinamento, não no meu ponto de vista.

— Anastácia. — Escuto minha mãe me gritar, e corro para não levar uma bronca.

— Senhora. — Chego correndo na cozinha, ela me olha de cima para baixo.

— Onde você se meteu?

— Estava terminando de ler um livro. — Mal fecho a boca e sinto meu rosto ardendo pelo tapa.

— Quantas vezes eu já falei que não quero você lendo essas porcarias de romance? Isso não existe na vida real, você deveria estar aprendendo a manter uma casa limpa, receitas para cozinhar para o seu futuro marido. — Ela passa por mim indo para o meu quarto corro atrás dela.

— Mãe, por favor, eu prometo que não leio mais. — Falo em desespero quando a vejo entrando no meu quarto e pegando o livro que estava em cima da cama.

— Eu vou colocar fogo nesta porcaria, para você não ler mais.

—Mãe o livro é da biblioteca da escola, eu juro que amanhã eu devolvo e não pego mais nenhum. — Ela tem ódio em seu olhar, sei que poderia ter mentido, mas não posso porque é errado mentir.

— Você. — Ela pega meu cabelo e puxa com muita força. — Não me desafie. — Puxa com mais força, meus olhos se enchem de lágrimas. — Se eu ver ou imaginar que você trouxe mais algum desses para casa. — Me joga no chão com muita força, já não seguro mais as lágrimas. — Você vai se ver comigo, agora volte para a cozinha e faça o jantar, seu noivo vem hoje te ver, agradeça a ele por não levar uma surra e ficar toda marcada. — Ela diz saindo do meu quarto, meu desespero aumenta sempre que penso o quão perto está o dia desse casamento.

Levanto-me do chão limpo as lágrimas que insistem em cair, vou para a cozinha preparar o tal jantar, o mais estranho é que eu tenho certeza de que ela foi se cuidar para receber a família do tal noivo que ela escolheu para mim, quando na verdade deveria ser eu quem estivesse me preparando para o tal encontro, mas como sempre resolvo não questionar.

Depois de tudo pronto, vou para o quarto tomar um banho e pedir a Deus que o tal noivo seja ao menos educado, eu nunca consegui entender essa situação, coloco um vestido comportado que vai até os meus joelhos na cor preta, é assim que me sinto estou triste meu coração está escuro e sombrio, chego à sala e encontro meu pai sentado ao lado da minha mãe e meu irmão, esse garoto a felicidade dele é ver eu me dar mal, assim como de todos dessa família, mas por hora resolvo me manter quieta, pois minha situação pode piorar e muito.

O olhar da minha mãe sobre mim é de desaprovação, mas ela não tem tempo de dizer nada já que a campainha toca, me mantenho quieta não sei o que fazer, baixo a cabeça aguardando as ordens.

— Fique aqui, eu e seu pai, vamos recebe-los. – Confirmo com a cabeça.

Pela porta passa um casal e um rapaz que me olha como se eu fosse um objeto exposto na vitrine de uma loja, imagino que algo agrada seus olhos, já que ele abre um largo sorriso, meu estomago revira com sua proximidade.

— Sou Alex.

— Sou Anastácia.

— Eu sei quem você é, vi fotos suas. – Olho para ele desta vez diretamente em seus olhos, o olhar dele é frio me causa arrepios, que Deus me ajude e que esse casamento não se torne ainda mais a minha destruição. – Não olhe para mim, não te dei permissão para isso. – Ele diz quase sussurrando, minha vontade é de gritar que tudo isso é uma loucura, que isso é insano demais em pleno século vinte e um as pessoas arranjando casamentos para os filhos, minha esperança de que ele fosse um bom rapaz foi por água a baixo em poucas palavras.

Sentamo-nos no sofá, nossos pais conversam animados, olho para eles tentando entender o que passa em suas mentes, será que para eles isso é normal? Será que o casamento deles também foi arranjado? Se foi, e viram o quanto é ruim porque nos fazer passar pelo mesmo? Eu não consigo entender, sou tirada dos meus pensamentos pela voz nojenta do meu noivo.

— Estou louco para esse casamento chegar. – Sinto um frio na espinha fazendo todos os pelos do meu corpo se arrepiar de medo, não digo nada, se não tenho permissão para olha-lo imagina para falar.

— Vamos jantar? Anastácia preparou toda a comida hoje, estava feliz que o noivo viria nos visitar.

— Estou louco para experimentar a comida da minha futura esposa. — Alex diz fazendo meu estômago se contorcer, dou um leve sorriso, mas me mantenho em silêncio, seguimos para a sala de jantar todos se sentam, observo mamãe servindo o prato do meu pai a minha futura sogra faz o mesmo com o marido, todos me olham como se eu fosse estranha.

— Sirva seu futuro marido Anastácia, logo após seu irmão e só então você se serve. — Minha mãe diz, olho para todos na mesa me observando, meu irmão tem um sorriso debochado no rosto, minha vontade era de enfiar o prato na boca dele, respiro fundo e sirvo os dois, coloco um pouco para mim, mas não sinto fome, meu estomago revira, mas empurro a comida para evitar ser repreendida na frente das visitas.

Depois de algumas horas para o meu total alívio eles resolvem ir embora, para completar ainda mais a minha felicidade o tal Alex não tentou me tocar, eles se despedem entram no carro estamos todos na varanda como uma família feliz, quanta mentira, eu não sou feliz a minha família não é feliz.

O carro da partida e já sinto o aperto no meu braço e meu corpo sendo puxado para dentro de casa com muita força.

— O que pensa que está fazendo?

— O que eu fiz?

— Porque não serviu logo o rapaz ao chegar na mesa, eles vão pensar que não te demos educação, não te ensinamos a ser uma boa esposa.

— Mãe a Senhora poderia me dar um manual de como agir, eu não sei mais o que fazer para te agradar, tudo que eu faço é errado.

— Marta deixe a menina em paz, eu já disse que não queria essa palhaçada de casamento arranjado. — Pela primeira vez vejo meu pai falar algo sobre esse casamento.

— Se essa menina não casar ela será a destruição da nossa família com essa coisa de livros românticos, isso não existe.

— Talvez se fosse um pouco menos amargurada na vida, veria que existe, porém você é amarga demais para perceber. — Olho para o meu irmão em choque sem conseguir entender o que está acontecendo aqui, é a primeira vez que vejo isso em toda minha vida.

— Anastácia vá arrumar a cozinha depois para o seu quarto, eu e seu pai vamos conversar, José você direto para o seu quarto. — Sigo para a cozinha prefiro não contestas.

Lavo toda a louça quando penso em começar a secar sou puxada pelos cabelos com tanta força que desequilibro e caio no chão, sinto chutes tapas e socos, e não sei o que foi que eu fiz.

— Isso é para você aprender a nunca mais me contestar na frente das pessoas.

Mal consigo abrir a boca e ela me acerta um tapa no rosto, me fazendo cair mais uma vez e bater a cabeça depois disso apago e não vejo mais nada.

SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora