4 Favelado na mansão

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Nick

Comi naquele almoço, mais do que minhas pregas conseguiram aguentar, ela sorria me vendo comer com vontade, consequência de ter tomado apenas um leite de manhã. Na verdade, não me lembrava da última vez em que tinha me sentado para comer de verdade, os pepinos eram tantos, que mal conseguia dez minutos para comer direito, sempre pegava um podrão, ou um espetinho no caminho de casa, e era só, tempo era mais valioso que dinheiro para mim. No entanto, ali estava eu, em um restaurante, sentado com Helena, usando todos os meus dotes de menino educado para comer devagar, usando os talheres da maneira certa. É claro que atraí olhares, estava esfarrapado de propósito para isso. E Helena estava empolgada, falando animada como se eu me importasse mesmo com o que ela estava falando.

Se não fosse pelo jogo, teria agarrado aquela coroa pelos cabelos exageradamente loiros e batido com a cara dela naquelas porcelanas chiques até seus dentes se quebrarem. Eu não tinha paciência para aquele papo, mas para ela, eu era obrigado a ter.

Ela me perguntou de minha família, e falei o básico, até onde eu podia, envolvendo o maior número de mentiras já usadas por mim em toda a minha vida. Perguntei sobre a vida dela, e ela começou a falar mais que a "nega do leite" e o "homem da cobra" juntos!  Eu teria um tijolinho a mais no céu por passar a tarde inteira ouvindo as lamúrias e tristezas de ser rica e solitária, com problemas com a filha "incontrolável" e a rotina de trabalho que não a deixava curtir a família.

Naquele momento, eu era tipo o lúcifer, com aquela cara de anjo fodão gostoso, mas a minha cara por dentro, era aquela de capeta, eu não podia ligar menos para seus problemas... Se aquele restaurante não fosse tão chique, eu arriscaria bater uma debaixo da mesa para tentar ficar acordado e aguentar aquela chatice desgraçada.

— Estou chateado você não é Nickolas? Me perdoe... — sua mão afagou seu colo, como se estivesse realmente envergonhada daquilo.

Me ajeitei na cadeira — Não... De maneira alguma Helena, é que... É triste que se sinta assim, deveria aproveitar mais a vida, deveria descansar e ficar mais com sua filha. Acho que ela gostaria disso. — sorri até com ódio de mim. Ela não merecia ouvir porra nenhuma daquilo.

Seus olhos baixaram — As vezes acho que o passado está me punindo... — soltou, mais para ela do que para mim.

Cerrei os olhos — Te punindo pelo que? — falei o mais suavemente possível, será que ela me contaria? Será que naquelas horas de conversa, já tínhamos esse tipo de intimidade?

— Eu já fiz coisas ruins no passado Nickolas, coisas das quais ainda não me perdoo.

Não, era pedir demais...

Avancei minha mão pela mesa, para segurar a dela gentilmente — Todos temos um passado... E todos cometemos erros, acho que o que conta é o que fazemos no presente, não é? A senhora parece ser uma ótima pessoa... Quer dizer, olha o que fez por mim. — sorri afagando as costas de sua mão com o polegar.

Seus olhos marejaram, pela, sei lá qual vez naquele dia, e ela  desvencilhou sua mão da minha.

— Acho que posso te ajudar ainda mais, você parece ser um bom menino, e é tão estranho, mas já confio tanto em você... Quer dizer... Quem ajudaria uma pessoa hoje em dia sem querer nada em troca?

Sorri balançando a cabeça levemente, como quem diz "não é nada demais" mas era! Era justamente isso, eu não queria algo em troca, eu queria tudo! E pelo andar da carruagem, iria conseguir.

— Você está procurando emprego em que área? — sorriu ela, me tirando de meus pensamentos.

Tomei um gole de minha água — Na verdade, em qualquer uma, não faço questão, só preciso de um salário, para alugar um cantinho para sair das ruas. Mas a senhora sabe, a primeira informação do currículo é o endereço. Aí fica difícil.

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