51 Normalidade

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Nick

3 semanas depois

A rotina da casa como eu conhecia, havia acabado. Mas o movimento era incrivelmente bem-vindo.

Isabella saía cedo para a escola, Helena, havia tirado suas férias do escritório, que segundo ela, não tirava há pelo menos cinco anos. As fisioterapeutas vinham três vezes na semana para cuidar da Mi e de mim. Fazíamos exercícios juntos no quarto, e uma semana depois, já estava dando passos vagarosos, mas recompensadores. Helena fazia questão de acompanhar de perto, não só eu, mas também a Mi. Tínhamos conversas longas quase todas as manhãs, ela estava levando bem a sério a ideia de me conhecer. Era, para não dizer muito, no mínimo interessante.

Me sentei ao lado dela com as pernas na água, como naquela noite em que ela havia tentado falar comigo.

Notei seu olhar demorado sobre as cicatrizes do abdômen e a da perna.

— Achei que você fosse morrer... — disse suspirando tristemente. — Ainda não consegui esquecer aquele dia, ainda tenho pesadelos.

Dei de ombros tentando tranquilizá-la — Eu quase morri muitas vezes... Dêssa já me salvou mais vezes do que consigo contar.

— Eu acredito... — ela remexeu a água com as pernas, pensando no  assunto. — Você era namorado dela?

— Não... Ela nunca foi de namorar, sempre disse que é um espírito livre. — ri com a lembrança do dia em que disse que queria namorar com ela e levei um toco histórico.

— Mas a Isa disse...

— Eu sempre fiquei com a Dêssa, e ela com todo mundo, era a condição dela.

Ela pareceu irritada, e bem no fundo me diverti — Como a conheceu?

Cerrei os olhos para ela, não esperava curiosidade sobre aquilo. — Dêssa é seis anos mais velha que eu, era a enfermeira aprendiz da escola quando eu estudava... O resto você já deve imaginar, eu arrebentado, ela cuidando de mim... Meio difícil não misturar as coisas.

Ela me olhou horrorizada — Mas você era uma criança...

Quase gargalhei — Helena... Dêssa não abusou de mim, eu sabia o que estava fazendo. E na quebrada... Não tem essas coisas, além do mais, ficávamos escondido, ninguém em sã consciência, enfrentaria aquela mulher e meu padrinho para cuidar de mim...

Seus olhos baixaram, eu me odiava quando falava mais do que devia com ela. Por mais que nossas conversas fossem frequentes, ela nunca havia vivido na quebrada, algumas coisas eram difíceis de ela entender.

  — Você não me perguntou sobre seu pai...

Quase ri — Eu deveria?

Acho que ela se espantou com meu tom de deboche, e me encarou. — Não, é que... Acho que é natural ter curiosidade...

Baixei os olhos  — Não tenho — Suspirei cansado. — Pessoalmente prefiro deixar os mortos enterrados. Ele abandonou você... E isso já diz muito.

Com os olhos cheios de lágrimas, ela sorriu para mim.

E sorri também — Mas tenho uma pergunta sobre ele. — tentei ficar sério, mas foi impossível — Ele era um anão, né? Porque não é possível esse meu tamanho, se você é alta assim. Isso é muito injusto.

Ela gargalhou, e era a primeira vez que eu ouvia aquele som. Era delicioso, era como música. Mesmo que fosse às minhas custas, era bom demais de ouvir.

— Não Nickolas, ele tinha estatura normal. O seu tamanho... — seu riso sumiu — Provavelmente é por causa da sua alimentação deficiente na infância...

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