Capítulo III - Enigmas da mente de uma bibliotecária

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Marie tinha um carro bonito para uma bibliotecária.

A profissão da mulher e o seu corte de cabelo davam a Lawrence uma ideia do mundo de Marie Barden. Em sua cabeça, o dia da mulher começava com uma xícara de café forte às sete e quinze da manhã, seguia com alguns quilômetros atrás do volante — de um carro usado — até seu trabalho. Uma vez lá, permanecia sentada durante horas e horas, inalando poeira de livros que nunca seriam escolhidos e vendo jovens passarem os olhos por linhas que fingiam ler. Depois, sairia para almoçar, voltaria ao trabalho em meia hora e ao fim da tarde dirigiria de volta para casa para assistir séries na televisão até a hora de dormir, para começar um outro dia com a mesma rotina chata.

Ver Marie com um carro daquela categoria jogava por terra essa visão de mundo.

Mas Lawrence não podia expressar sua surpresa. Afinal, era este mesmo veículo que levava os dois a trinta quilômetros por hora até a casa de Linda. Não seria de bom-tom revelar em voz alta seus preconceitos quanto ao emprego da mulher.

O carro parou em frente ao enorme portão branco.

A residência de Linda ficava em um canto mais afastado da cidade, no topo de um pequeno morro. Não chegava a poder ser considerado isolado, mas ficava longe do centro e razoavelmente distante das casas vizinhas. Era o cenário perfeito para um longa-metragem de terror.

Mas aquela não era uma história de terror. Era um suspense, um thriller detetivesco. E, por sorte — ou não —, Lawrence era o seu protagonista.

A construção em si não era tão admirável. Uma casa de um andar, pintada de verde do chão ao teto, mas branca nas bordas das janelas e no peitoril e em uma faixa que cortava a casa na metade, na horizontal. Lawrence não achava essa a melhor escolha de cores, mas ele não tinha como argumentar contra ela. A metade esquerda da casa se projetava mais à frente, deixando para a direita o espaço da garagem, espaço este ocupado por um carro de modelo um pouco menos chique que o da irmã — o que para o detetive não fazia sentido algum.

Os dois desceram e Marie abriu o portão. Linda Barden optou por não acompanhá-los. Talvez essa decisão tivesse surgido após Lawrence pedir à mulher para não acompanhá-los, mas era impossível saber. O homenzinho ruivo desejava recriar toda a cena, desde o início, quando a bibliotecária chegou à casa da irmã, até a descoberta do corpo. Linda não estava lá quando isso aconteceu, portanto seria inconveniente ela ir para lá agora. Além disso, ele não gostava dela.

Fechando o portão atrás de si após Lawrence atravessá-lo, a mulher contou:

— Eram quase oito horas quando eu cheguei. Reguei as plantas aqui e ali. — Ela apontou para as margaridas, orquídeas e outras flores que não sabia identificar. Lawrence também não sabia. — Eu pretendia varrer a casa também. Sabe, Linda tem problemas com limpeza. Seria só uma faxina superficial, pois não sou obrigada e nem empregada, apenas para tirar a poeira, mas nem pensei nisso depois do que vi.

Guiou o detetive através da enorme sala de estar — ele pôde absorver alguns detalhes, ainda que inúteis: uma lareira elétrica no canto da parede, um sofá em L que se curvava à sua volta, alguns quadros nas paredes… —, até uma porta de madeira branca, sem detalhes, à direita.

— Essa porta leva aos fundos — disse, e a abriu.

A principal surpresa do detetive foi a falta de muros na parte traseira da casa. Ele demorou para perceber que aquela área não era cercada e que não poderia ser considerada parte da própria residência, talvez como uma área externa. O piso se estendia no mesmo nível até alguns metros adiante, quando se interrompia abruptamente para dar lugar a um vasto matagal meio metro abaixo que atingia os joelhos. Após ele, várias árvores que acompanhavam a descida do morro. Lawrence caminhou até a beirada e saltou para baixo. O detetive quase tropeçou no regador azul que Marie deixara no meio do caminho e esquecera-se de recolher, mas não podia julgá-la por isso. Devia ser difícil pensar direito em seus atos ao ver o suposto corpo de sua irmã no chão na sua frente. Marie, por sua vez, continuou na parte alta.

Morreu, mas Passa Bem - Série LawOnde histórias criam vida. Descubra agora