Deixando de ser trouxa

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Oi, meu nome é Gohan. Não sei se isso acontece com vocês, mas, infinitas vezes, eu me senti como o elemento menos legal da minha família. Meu pai tem a incrível qualidade de tornar amigo qualquer um que o odeia. Acredite, isso não é nada fácil, mas, como muitas outras coisas, parece que é esse o destino dele que, é, afinal, o cara mais forte do Universo que já salvou a Terra – mesmo – sei lá quantas vezes. Mas... isso não o impede de ter medo da minha mãe – o que faz dela a mulher que meio que manda no cara mais forte do Universo, além de ser a melhor cozinheira do mundo. E meu irmão, bem, meu irmão é um moleque pentelho que todo mundo – eu inclusive – ama e para quem as coisas são extremamente fáceis. Ele faz uma graça e todo mundo ri, ele luta e parece que nasceu para isso... e ele se tornou super sayajin aos três anos de idade... e, eu nem preciso dizer, para ele foi muito mais fácil que para mim.

Sobro eu. Tímido. Socialmente inábil. Forte para caramba, mas isso, no meu caso, é mais ou menos que nem ser milionário e ser proibido de gastar um centavo, porque, desde muito pequeno, eu só consigo MESMO usar minha força plenamente quando eu estou puto. E não tem ninguém nesse mundo que demore mais para ficar puto que eu. Mesmo quando eu não estou puto, sou muito forte PORÉM fui instruído, condicionado, sempre lembrado que eu não deveria revelar a minha força para absolutamente ninguém fora do nosso círculo.

Ou seja: minha grande qualidade, aquela que me faria ter sucesso com QUALQUER garota é, basicamente, um segredo. Para completar, minha vida social e meu convívio com pessoas da minha idade começou apenas aos 17 anos. Antes minha mãe achava que eu deveria estudar e desenvolver minha inteligência com educação particular – preocupação que ela não pareceu ter com meu irmão menor, que estuda numa escola de uma vila e passa o resto do tempo brincando e treinando – coisas que ela não gostava que eu fizesse. Minha mãe quase deu um ataque quando descobriu que eu precisava fazer pelo menos os dois últimos anos do ensino médio numa escola "de verdade" se quisesse ser admitido em uma boa faculdade. E lá fui eu para uma escola que era longe demais, conhecer gente, me meter em encrencas...

É claro, existe todo tipo de encrenca que a gente pode se meter no ensino médio... mas a minha encrenca começou porque eu fiz aquilo que todos os "adultos" que eu conheci disseram para eu não fazer a minha vida inteira: eu usei minha força, meus poderes, para parar um assalto no primeiro dia de aula em Satan City. No processo eu me transformei em Super Sayajin e consegui ganhar um apelido brega: Guerreiro Dourado. Não era para eu repetir a experiência, mas como Satan City deve ter uma das piores polícias que já se viu, aquele assalto foi apenas o primeiro. Por isso precisei me disfarçar de super herói.

Talvez se meu pai não estivesse morto quando essa história começou talvez tivesse me aconselhado a não fazer certas coisas dessa vida de super herói que hoje acho meio embaraçosas ... tipo usar uma roupa estranha e fazer poses constrangedoras... mas ele estava morto e, quando vi que toda hora havia um assalto em Satan City, resolvi que era hora de agir.

Vamos resumir tudo: eu sou o Grande Sayaman e só percebi como esse nome era ainda mais brega que Guerreiro Dourado depois que saiu na imprensa. Também percebi que não tinha feito uma boa escolha de roupa e muito menos de atitude corporal, mas aí já era tarde demais. Pelo menos o meu irmão menor gostou bastante. Minha mãe não tomou conhecimento, mas acho que ela não ia reprovar... nem dizer que eu parecia um delinquente como faz toda vez que eu me transformo em super sayajin.

Mas aí que começou a verdadeira encrenca: já existia uma "defensora" da cidade e o nome dela era Videl. Eu sempre me perguntei que pai louco permite que sua filha de 16 anos lute com bandidos e que polícia é essa que não diz "ei, guria, vai pra casa estudar e mais tarde quando você for maior de idade volta"; mas, tanto a Polícia de Satan City quanto o pai da menina, que era o tal Mr. Satan, pareciam achar perfeitamente aceitável que ela lutasse com bandidos. Mesmo que às vezes ela acabasse bem machucada. Eu percebi isso. Como eu era mais forte que ela, nada mais natural que eu sempre me colocasse entre ela e qualquer perigo – ela era a garota e eu era o cara forte, certo?

Mas cada vez que eu tentava evitar que ela se machucasse, ela ficava possessa, com raiva de mim. Ora, veja, uma donzela que não suporta ser salva. O mundo está mesmo mudando. E, como ela era bem inteligente, logo juntou dois mais dois e descobriu que o sujeito da roupa ridícula era eu. E a verdade, a verdade mesmo é que eu acabei me apaixonando por ela quando ela me pediu para treina-la para aprender a voar. Mas minha timidez e vocação para trouxa não me deixava, de jeito nenhum, confessar meus sentimentos por ela. Eu achava, sei lá, que ela ia gritar comigo e mandar eu me enxergar.

Daí pra frente tudo foi ficando mais complicado. Aliás complicado o suficiente para ter monstros, demônios, morte e, no fim, a Terra sendo destruída e todo mundo morrendo. Nessa hora, ainda bem, meu pai voltou do outro mundo (lembrem-se que ele é o cara mais forte do Universo) e, junto com o cara que é meio que o melhor ex-inimigo dele, conseguiu finalmente um plano eficiente que acabou salvando a Terra e trazendo todo mundo que morreu (no caso 100% da população do planeta inclusive eu) de volta a vida. O bônus foi que ele também voltou à vida.

Teve um momento, no meio disso tudo, que meu pai chegou a achar que era eu quem devia salvar a Terra, e eu trabalhei duro tentando corresponder as expectativas dele, mas, em meio a todo aquele caos e destruição, eu acabei compreendendo que essa era a jornada do meu pai e que a minha teria de ser bem mais tranquila, porque eu não sou como ele. Eu só queria estudar e ser um cara normal. Ir para a faculdade. E deve ter sido por isso que, mesmo tendo chegado a um enorme nível de poder, eu apenas fiz parte da longa fila de guerreiros derrotados pelo Majin Boo e vi o meu pai salvar a Terra com um certo alívio.

E, talvez, porque eu me encontrei no meio desse processo, de repente, eu percebi que era a hora de deixar de ser trouxa. Eu morri. Eu voltei à vida. Eu descobri o que queria ser. Porque então não poderia dizer para a menina que eu gosto o que eu sinto por ela?

O momento em que todo mundo se reencontrou me pareceu perfeito para isso: Videl estava, junto com a minha mãe e outras pessoas, na plataforma celeste e foi lá que eu, meu pai e todos os envolvidos acabamos reunidos. Eu a vi de longe e chamei seu nome. Perfeito. Ela veio correndo na minha direção... e o pai dela passou na minha frente e a abraçou gritando "Videl! Minha garotinha! Você está viva". Quase ao mesmo tempo minha mãe apareceu do nada e me agarrou gritando que o filho dela estava de volta, chorando.

Não dá pra competir com abraço de pai carente e mãe viúva. Mas aí eu lembrei que minha mãe não estava mais viúva e disse a ela:

- Mãe... o papai também voltou a vida.

Ela me olhou com os olhos arregalados e, quase ao mesmo tempo viu o meu pai. E quando ele abriu os braços para ela, saí de fininho pra não presenciar a cena constrangedora dos meus pais se beijando pela primeira vez em sete anos. Desvencilhando-me de todo mundo, me aproximei de Videl e do pai dela e para, me livrar dele, disse que tinha um repórter do outro lado da plataforma celeste pedindo uma entrevista exclusiva com o Mr. Satan.

Quando olhei pra baixo – é, ela é bem baixinha – minha coragem quase sumiu. Mas aí pensei que já tinha passado por tanta coisa que eu não tinha mais paciência para bancar o bobo.

- Videl. – eu perguntei – topa sair comigo na sexta?

Ela me olhou com cara de quem esperava bem mais que isso e uma voz lá no fundo da minha cabeça disse: "deixa de ser trouxa, Gohan". E, precisando de mais coragem que pra enfrentar qualquer ameaça a paz na Terra, eu dei um passo pra frente, puxei ela pra mim e lhe dei um beijo.

Finalmente. Son Gohan tinha deixado de ser um trouxa.

Nota: eu li muitas fanfics em inglês com o casal Gohan/Videl, mas a maioria tinha um tom muito novelesco e meio dramático. Decidi fazer uma comédia adolescente porque... ora, porque sim!

Virgem aos 19Onde histórias criam vida. Descubra agora