A Verdade

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Morte. A palavra flutua pela atmosfera, ela está entre nós. Ela vem de fora para dentro de nós, como o oxigênio.

Morte. Para os religiosos monoteístas, ela é apenas uma consequência. Um fato. Uma herança do pecado. “Por meio de um só homem o pecado entrou no mundo, e a morte por meio do pecado (...)”. Foi essa a explicação de Nora, quando aos três anos de idade perguntei a ela o que era a Morte.

Para o filósofo Epicuro: “A morte é uma quimera: porque enquanto eu existo, ela não existe; e quando ela existe, eu já não existo". Essa era uma forma de diminuir a morte: “Ela não é tão importante assim, fique tranquila”. Eles diziam.

A Morte. É a narradora de uma das minhas histórias favoritas de quando éramos crianças. A Menina que Roubava Livros. Eu gostava dessa definição da Morte. Um anjo da guarda. Uma amiga que visita em horas inoportunas. Ela está ali, apenas esperando. Ela é uma deusa. Um ser próprio. Amiga dos mortais. Desventurados os que são intimidados por ela. Ela não é nada, você é mais forte.  Os filósofos como Epicuro tem razão sobre isso, para aqueles que foram, ela não é nada. O vazio apenas. Quem iria querer o vazio? Alguns de nós talvez. Almas mortais.

Eu já sofri com essa palavra antes. Quatro vezes, por enquanto. A primeira: a morte do hamster Skinner. Aos três anos. Meu primeiro contato com ela, a Morte. Skinner era o hamster de Rebecca, acho que isso explica o hamster ter o nome de um dos maiores psicólogos behavioristas. A segunda: a morte de tia Berta. Nesta eu já tinha idade o suficiente para entender todo o ocorrido. Berta Caliman, a filha do meio. Tinha uma guerra com a filha mais velha, Nora, e a guerra se findou com a sua morte. Berta deixou quatro filhos muito jovens: Serena, doze anos. Isaac, nove anos. Nathaniel, cinco anos. E a pequena Marissa, com apenas três anos. Sim, Marissa Caliman Aguilera. Nossa prima, filha de tia Berta. Marissa também teve seu primeiro contato com Ela aos três anos. Mas no caso dela, foi devastador. O meu caso devastador foi apenas aos treze anos. A terceira morte: Celine Mills. Dois anos depois da morte de tia Berta. Foi aí que o nosso mundo caiu. O meu e o de Nora. Claro, os meus irmãos sofreram muito obviamente, mas se recuperaram rápido. Mas a ferida no meu peito e no peito de Nora nunca se curou. Digo, no dela se curou dez anos depois. Eu tinha vinte e três. A quarta morte: a queda de Nora Caliman. Fazem cinco anos, um pouco mais. Eu sigo firme, mas sinto sua falta. Principalmente nessas horas. Nessas horas em que se apresenta a Morte.

Esta morte em específico, não é tão significativa para mim.  Eu mal conhecia a criança, Caitlyn o nome dela. Era um nome irlandês, o significado: castidade. Prefiro uma palavra melhor, uma palavra que combine: inocência. Gostava de dar um significado para as coisas. A morte dessa criança? Crueldade humana. Isto é, um novo significado para a palavra humanidade.

Eu sempre odiei funerais, isso é um fato. Mas o funeral de Caitlyn teve sua singularidade, o seu modo de justiça. Em meio a promessa de guerra, um ato de resistência. Ela teve um funeral judeu. O mais breve possível, como manda a crença judaica. O seu pequenino caixão era de madeira simples, forrado com um tecido preto contendo um dos símbolos que levou a sua vida. A Estrela de Davi, com as iniciais da criança, CS. Observei a mãe e o pai da menina rasgarem o tecido de suas vestes, simbolizando o coração partido. Emma Swan fez o mesmo, imaginei que ela já estava acostumada com a tradição judaica, pela naturalidade de seu comportamento.

Emma estava no mesmo estado de espírito que os dias anteriores, palavras mal saíam da boca dela e quando faladas eram algo como “sim" ou “não”, raro era quando saía um “pode ser" ou “tanto faz". Em uma das vezes ouvi um “obrigada”, me senti privilegiada. Foi doloroso ver o meu alvo daquele jeito, preferia que ela continuasse sendo misteriosa para mim, que ela continuasse sendo um enigma. Assim, desolada como estava ela parecia apenas humana, apenas mortal. Eu não gostei de vê-la tão vulnerável. Ela passou vários dias assim, esses dias se tornando semanas. Nós da ARCIT não iríamos conseguir descobrir muita coisa com ela de luto, poderíamos nos aproveitar da fragilidade dela, mas eu não seria esse tipo de pessoa. Eu não queria fazer algum mal a Emma Swan, ao que tudo indicava ela ainda continuava sendo uma pessoa inocente. Um meio de descobrir os planos de Alonso Montanari. Então os detetives do caso decidiram dar um tempo, eles sabiam que Emma precisava dele para se recuperar da perda.

A Garota ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora