A Garota Impossível

E não esqueça as cenouras...

Naquela manhã me levantei o mais cedo possível com a desculpa de ir até a uma cabine telefônica para mandar mais notícias a minha irmã. De certo modo, eu estava me comunicando com Laura, mas pela escuta em meu ouvido. E não era só com ela que eu me comunicava, e sim com a equipe inteira. Fiquei imaginando quando que Marco descobriria sobre os nossos planos e qual seria a reação, ele desaprovaria completamente, mas não teria porque impedir se ouvisse a voz da razão, como Laura mesmo disse.

Agora eu me encarava em um espelho a minha frente, vestida para disfarce (como minha irmã costumava chamar). A manga longa do sobretudo negro encobrindo o relógio no meu pulso e o cabelo (negro também, de fato) ocultando os pontos da escuta em meus ouvidos, com a usual ajuda de uma boina vermelha. Me encarava no espelho imaginando o que Nora Caliman diria se me visse vestida daquele jeito. “Como uma dama da noite", um comentário gentil vindo da parte da minha senhora para não me chamar explicitamente de meretriz, como ela já tinha argumentado várias vezes. Podia ouvir seus comentários “Não use um batom tão forte assim, quer se parecer com uma meretriz?”. Sorri comigo mesma e para homenagear a memória de minha querida e falecida mãe, decidi usar o batom mais vermelho que encontrei. Agora sim, um visual que a senhora Caliman reprovaria completamente.

Desci as escadas e encontrei a senhora Rosewood já de pé e a todos vapores, andava o corredor indo e voltando dando ordens aos filhos e as outras duas pessoas que se encontravam no local. Um deles era um senhor alto, forte, de pele bronzeada. Emma tinha me falado algo na noite anterior, Major Thomas Mason ou algo assim, um rapaz mais novo vinha logo atrás dele. Esse por sua vez era um garoto magro e em seus cabelos loiros, obviamente, não apresentavam nenhum traço de fios brancos. Mas fora isso parecia uma cópia mais nova do senhor mais velho. Nele havia uma certa exaltação, apesar de seus olhos demonstrarem certa tristeza. Sam, o rapaz que vai para a guerra, imaginei.
Passei por eles desejando um ótimo dia e avisando a senhora Rosewood que iria até uma cabine dar notícias a minha irmã. Ela parou de andar para me avaliar da cabeça aos pés, parando e avaliando firmemente o meu tornozelo que apesar de ainda parecer inchado, agora estava bem melhor, mas ela continuou procurando falhas. Imaginei que estava observando se eu já estava nas condições de sair para a rua. Senti um certo incômodo ao receber tanta atenção e cuidado vindos de uma senhora aparentemente hostil que eu ainda não conhecia, mas mesmo assim relevei. Ela não fez nenhuma objeção e até se aproveitou da minha saída e boa vontade, perguntando se não seria muito abuso me pedir para trazer suas preciosas cenouras. Imaginei que o menino, Finn, seria mais útil para ela dentro da pensão do que fora. E decidi fazer também um favor ao menino, que não parecia nem um pouco animado em sair de casa para os mercados.

- Regina você sabe mesmo fingir que é uma pessoa sociável. – Laura comentou em meu ouvido, com um falso tom de surpresa.

- Permissão para ser grosseira? – perguntei, as palavras carregadas de sarcasmo.

- Só respeite as minhas falecidas mães, por favor. – ela disse ainda com um tom fingido.

- Pequeno demônio. – a insultei imitando perfeitamente o sotaque de Nora Caliman.

Eu andava pelas ruas de Londres já fazia alguns minutos enquanto falava com Laura na escuta, fui até a uma cabine telefônica próxima (não sei, talvez para não parecer suspeito). Ela falava sobre os preparativos do aniversário de Tessa, uma das nossas sobrinhas, segundo ela Agatha não economizou um centavo sequer para os caprichos da filha. Prepotência e uma carência enorme de aceitação e bajulação social, pensei comigo mesma avaliando mentalmente minha irmã mais velha.

- Eu sei que você não acha certo esses mimos todos, Regina. Mas é uma coisa importante para Tessa, você sabe, Agatha sempre cobra muito dela, a menina se esforça bastante para ser a filha perfeita. – ela dizia, defendendo a criança.