Os Sermões de Ferracini

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Existe uma famosa frase que eu costumava compartilhar com Arthur quando éramos mais novos. Homo homini lupus. Ela foi popularizada pelo filósofo Thomas Hobbes em uma de suas obras, sua tradução é “O homem é o lobo do homem”. Essa frase indica que o pior inimigo do homem, veja bem, é o próprio homem. 
 
Arthur e eu costumávamos brincar com as palavras, dizendo que se o “homem" era o inimigo do próprio “homem". Então as mulheres salvariam a pátria. Mas vale ressaltar que o provérbio serve para ambos os casos. Sem exclusividade de gênero. Então se o homem é o lobo do próprio homem, pessoas como eu estão destinadas a uma matilha de inimigos. E nessas circunstâncias, só um dos meus lobos me importava. E lá estava eu naquele momento, parada em frente ao meu lobo. Ou melhor, meu lobo vestido de cisne. 
 
Ela parecia um anjo. O rosto estava mais rosado, provavelmente Mary Rosewood a obrigou a se alimentar devido à “queda de pressão repentina” que tivera. Agora ela estava descansando, ou pelo menos foi o que Mary tinha dito antes de eu entrar no quarto. 
 
Eu sentei em sua cama e a encarei, ela estava de olhos fechados e sua respiração era calma e tão leve que quase não se notava em seu peito. Estava prestes a me levantar da cama quando ela abriu os olhos e ergueu o rosto em minha direção. Os olhos dela piscaram e ela então suspirou. 
 
- Se sente melhor? – eu perguntei. 
 
- Sim, obrigada. – Emma respondeu. 
 
Daí ficamos em silêncio, apenas em silêncio. Esperando o que uma ou outra declararia sobre a nossa situação. Emma ergueu a mão até o meu pulso e o segurou com toda a força que pode reunir. 
 
- O que ele falou para você? – ela perguntou ansiosa. 
 
- Fique tranquila, seus segredos estão seguros com Richard Gardner. – sorri ironicamente. 
 
Emma suspirou, de alívio provavelmente. 
 
-  Regina... – ela começou. 
 
 
- Não, Emma. Você pode esconder de mim o que quiser, eu não me importo. – eu respondi, o que claramente não era verdade. – Só peço que... O que quer que isso seja, não atrapalhe a minha missão. Ainda estamos de olho em Montanari, certo? 
 
- Claro. – ela murmurou um pouco receosa. – O que você vai fazer? 
 
- Vou fazer o relatório do dia para a minha irmã. – respondi enquanto ela me encarava, ainda receosa. – Preciso dar algo para ela, sabe. Para o chefe não ficar no meu pé. 
 
- Sim. Eu entendo. – ela sorriu, mas obviamente estava preocupada. 
 
- Volte a descansar. – me levantei da cama e voltei a cobri-la. – O dia está tenso. 
 
Ela me observou sair do quarto, sem nenhuma súplica ou pedido de “Por favor não entregue as pistas de hoje para a sua irmã”. Ela apenas me deixou sair do quarto com o pesar da minha consciência. Confiando que os brilhantes olhos verdes encantadores pudessem estar a favor dela dessa vez. Para o azar dela eu estava com raiva, estava ressentida por ela confiar em Richard Gardner para guardar qualquer que fossem os seus segredos. Logo depois de dizer que o pilar para confiar em mim era eu mesma não gostar de Richard Gardner. Eu já estava cansada. 
 
Bati a porta do meu quarto e fui direto para o meu aparelho. Vinte chamadas perdidas de Lauriana. Tinha algo de errado acontecendo. Tudo bem ter umas dez chamadas perdidas, isso já era de se esperar. Mas ela nunca passava disso. Vinte já era um número crítico para ela, algo que indicava incêndios, mortes ou o pior dos males. Desci a lista de chamadas do meu aparelho e pude ver na mesma linha, uma única chamada perdida.  E era esse o mesmo incêndio que iria provocar a minha morte. 
 
Uma única chamada perdida de Marco Ferracini. 
 
- Mas que droga! – eu murmurei para mim mesma. – Por favor, não me mande um chamado de reunião. 
 
Logo o meu aparelho apitou em uma luzinha vermelha e uma mensagem apareceu na tela. Era o que eu estava temendo: 
 
Conselho ARCIT convoca detetive Mills para reunião no gabinete da sede urgentemente. Digite o número de passagem no visor para ser redirecionado(a). 
 
Não consegui conter a risada, mais de nervoso do que outra coisa. Então era isso o quê Lauriana estava querendo me avisar. Ótimo, algum deles havia me traído. 
 
Marco já sabe de tudo. E esse era mais um dos meus lobos. 
 
O prédio da ARCIT era um grande prédio negro de vinte e dois andares, mais a cobertura. O setor da minha equipe ficava no andar dezenove. Então a essa hora, Lauriana estaria na sala dela, no andar dezenove. Já o Conselho ficava no vigésimo segundo andar, para onde eu automaticamente fui mandada sem ao menos poder falar com a minha irmã primeiro. 
 
Eu estava na sala de espera, esperando. Quando Tina, a jovem estagiária de Marco veio até mim e se abaixou do meu lado. Ela estava nervosa e aflita, o que estava me deixando nervosa e aflita. 
 
- Ele está furioso. – ela sussurrou. – Tente por favor não piorar as coisas. Se não sobra para mim. 
 
Eu a encarei e sorri com tranquilidade, como se nada de ruim estivesse acontecendo naquele momento. 
 
- Pode deixar, querida. Vou fazer ele descontar a raiva dele toda em mim. – eu assegurei e ela sorriu agradecida. 
 
Pobrezinha. Não iria durar mais de um ano ali dentro com Marco. 
 
- Detetive Jefferson. — a voz de Marco soou no interfone ao nosso lado. – Peça para a Detetive Mills entrar agora. 
 
- Você ouviu Detetive Mills? – Tina perguntou. 
 
- Eu ouvi sim, Detetive Jefferson. – concordei respirando fundo e ela sorriu. 
 
- Boa sorte. – ela murmurou. 
 
Sorte. Eu iria precisar mesmo, para entrar e enfrentar a toca do lobo. 
 
Quando entrei ele estava sentado em sua mesa, com a cara enfiada em algumas fichas. Nem sequer ergueu os olhos em minha direção. Então eu pigarreei. 
 
Marco me encarou e pude notar o sangue ferver em seus olhos. Ele apontou a cadeira no meio da sala e então declarou: Sente-se. Ele estava devidamente magoado, meu coração se partiu ao ouvir o tom ríspido de desaprovação em sua voz. 
 
Eu sentei na cadeira em que ele indicou, mesmo sem entender por que ele indicou a cadeira no meio da sala ao invés de indicar a cadeira em frente a ele. Então ele se levantou, puxou a poltrona dele para a minha frente, se sentou e colocou em meu colo a pasta preta que ele estava analisando antes. 
 
- Ficha 124. – ele pediu. 
 
Eu então abri a pasta na ficha 124. Ele apontou para as linhas do meio da ficha e começou a ler para mim. 
 
- Declaro aqui os óbitos de Lindsay Chaplin, Diana Thompson, Francis Rabello, Marcus Octavian, Marina Muniz, Alexander Fischer... 
 
- Marco. – eu respirei fundo e ele me encarou. – Pare, por favor. 
 
- O que Regina? Parar? Mas eu mal comecei. Temos mais trinta e oito nomes para declarar. – ele me encarava, o tom sério e reprovador estava me matando. – Vamos continuar. Louis Hitchcock, Thalia Roberts, Regina Mendoza... 
 
- Marco, por favor. Já chega! – eu gritei dessa vez. 
 
Me levantei da cadeira o mais rápido que consegui, pois ficar sentada ali ouvindo todos aqueles nomes iria me sufocar. 
 
- Esses nomes perturbam você? – ele perguntou. 
 
Tive vontade de rir debochadamente, mas ele estava sério e completamente impassível. 
 
- Isso não tem graça. – eu resmunguei. 
 
Senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto, rapidamente a sequei. 
 
- A menina... qual o nome? Vamos ver. – ele pegou a ficha e foi caminhando com o dedo. – Aqui, Marina Muniz. Você a conheceu? Era filha de um dos investigados. Pobre criança, quantos anos mesmo? Quinze, dezesseis? 
 
- Marco. – eu implorei. 
 
- Eu sei que dói, Regina. E estou aqui lembrando a você o quanto dói. Por que me parece que você esqueceu. – ele respondeu. 
 
- Eu não tive culpa. – declarei. 
 
- Você foi imprudente. Desobedeceu às leis. Foi contra as minhas ordens. E no final, o que restou? Uma escola com quarenta e quatro crianças mortas. Uma cidade inteira em chamas. Regina, você fez aquilo tudo. O Caso Nero era a sua responsabilidade. E você levou tudo por água abaixo. 
 
Ele me encarava e jogava toda a mágoa que podia nas palavras. Como se eu estivesse o decepcionando outra vez. Como se a chance que ele tivesse me dado estivesse jogada pelos ares e eu fosse um caso perdido. Ele me olhava como se eu fosse um caso perdido. 
 
- Eu não quero perder a minha melhor agente. – ele respirou fundo. – Então sente-se e me conte detalhe por detalhe tudo o que está acontecendo com o Caso Montanari. E não me esconda uma só palavra detetive Mills. 
 
Fiquei um tempo de pé, de braços cruzados encarando-o. Ele fechou a pasta e a colocou cuidadosamente sobre uma escrivaninha ao lado. Voltou a erguer os olhos para mim e a apontar a cadeira em frente a ele. Ele era paciente, como um clássico professor de Diretrizes e Bases. E era rígido como tal. O excesso de paciência era o método que ele achava me deixar mais confortável, ao contrário disso estava me deixando mais inquieta. 
 
Eu cedi, sentei a sua frente e me preparei para contar toda a história. Desde o começo, detalhe por detalhe. A minha raiva e ciúmes impediram minha consciência de falar mais alto, contei a Marco todas as minhas desconfianças sobre Emma e todas as pistas que Lauriana e eu recolhemos. Contei com detalhes todas as conversas, todas as visitas e os planos que tinha formado com ela. Marco ouvia tudo atentamente, esperando a conclusão sem dizer uma palavra rígida ou me repreender por meus atos. Contei a ele sobre os cartões e o acrônimo, tanto quanto sobre os nomes envolvidos ao nome de Emma. Meu dever com a ARCIT dizia que eu precisava fazer aquilo, contar a Marco tudo o que eu sabia sobre Emma Swan. Bem, ou quase tudo. 
 
Sei que posso ser tola, talvez um pouco imprudente e infantil as vezes. Como Marco mesmo havia mencionado. Mas esconder o ocorrido da Igreja Santíssima Morada não era algo imprudente ou impensado, Marco não tinha poderes sobre aquela gente, sejam elas quem fossem. E o fato de encontrar Richard Gardner naquele local, o fato de Emma estar envolvida com ele. Aquilo não me cheirava bem, obviamente. Mas se para mim era suspeito, para Marco o envolvimento de Emma com a empresa alheia seria concreto. E ele me tiraria do caso. 
 
Guardei meu ressentimento nessa parte da história, não podia deixar que Emma pagasse por algo que ela não estava envolvida. Aquele assunto era entre mim e Richard, então eu iria resolver com Richard. Assim como ele tinha me pedido, resolvi dar um salto de fé. 
 
Após toda aquela história, Marco encarou a tapeçaria pensativo. Suas mãos estavam fechadas em punho coladas na boca e ele encarava os próprios pés como se fossem inimigos inescrupulosos. Ele voltou a me encarar e então deu um longo suspiro. Ótimo, mais um discurso longo viria por aí. 
 
 - Lembro-me como se fosse ontem o dia em que conheci você. – ele dizia agora encarando meu rosto. – Todos os novatos estavam sentados em fila, você era a primeira a minha direita e enquanto todos os outros jovens desviavam o olhar, por vergonha ou insegurança. Você, Regina Mills Caliman, fazia a gentileza de me encarar nos olhos enquanto eu explicava os termos de treinamento. Eu decidi naquele momento que faria de você a melhor agente do nosso departamento. Tirei a sua tutela de Carlyle, que até hoje não me perdoa por isso. Eu queria pessoalmente, tornar você o bem mais precioso de toda ARCIT. Me diga agora Regina, eu errei em fazer isso? Eu falhei com você? 
 
- Definitivamente não. – declarei me sentindo um pouco culpada. 
 
Como ele poderia achar que os meus erros eram resultado de seu treinamento? 
 
- Você se importa com ela. – ele declarou encarando os pés novamente. – Nunca vi você tão determinada a ocultar detalhes importantes de um caso. 
 
- Meu interesse por Emma Swan é exclusivamente em favor da nossa missão, Marco. – eu indaguei. 
 
- Não sei se você está tentando me enganar, ou se está tentando enganar a si mesma. – ele continuou. – Mas se tem uma verdade absoluta em meio a isso Regina, é o fato de que a jovem Swan é muito mais que apenas uma investigação para você.  
 
- Marco. – insisti 
 
- É natural que você tente protege-la, eu sei disso. – ele declarou segurando a minha mão gentilmente. – Mas eu confio em você, Regina. E sei que fará o que é certo dessa vez. Por você, pela ARCIT. E pela segurança de Emma Swan. 
 
Eu respirei fundo e engoli em seco. Eu sabia que isso iria ter que acontecer no final disso tudo, mas ouvir Marco declarar dessa forma tornava tudo tão real. E eu não sabia se estava preparada para vê-la partir. Eu definitivamente não estava preparada para ver Emma ser tirada de mim. Eu sentiria sua falta. 
 
- Me dê uma data então. – pedi e notei vergonhosamente que minha voz saiu trêmula e quase inaudível.  
 
- Você vai concluir a sua missão. Irá até o banco, com a ajuda de Swan. Isso eu posso permitir. – ele anunciou e eu não pude deixar de sorrir agradecida. – Irão recuperar a joia e traze-la para nós em segurança. Apenas isso, nada mais além. Depois do feito, Emma terá suas lembranças apagadas. É o nosso protocolo e você sabe que eu não posso fazer nada mais além disso. 
 
- Obrigada, Marco. – eu pedi. – Eu realmente agradeço. 
 
- Regina, eu não posso fazer muita coisa por você se vacilar outra vez. Tome cuidado, pense antes de agir e siga a sua maldita intuição. – Marco ordenou com um sorriso. – Mas antes de tudo, se sua intuição for contra as regras, então opte pelo justo. E faça o certo dessa vez, essa agência não pode perder você em mais um tribunal. Nora não está mais aqui para te salvar, então salve a si mesma. 
 
Marco estava me dando mais uma chance. Não era a segunda, muito menos a terceira, na verdade eu não sabia qual era o número exato de chances que ele já tinha me dado. O que eu podia dizer com certeza é que aquela era a última, e ele esperava que eu fizesse o certo desta vez. Marco fora meu instrutor dentro da ARCIT, depois disso fora meu amigo, apesar de ser meu chefe. Eu não queria decepciona-lo mais uma vez. Por que ele ainda era uma das poucas pessoas que se importavam verdadeiramente comigo.  
 
- Vá falar com a sua irmã, antes de voltar. – ele pediu, o que eu obviamente faria mesmo se ele não desse permissão. – E agradeça a ela, tudo o que ela tem feito por você. Vou deixá-la no caso Regina, mas não por bondade. Mas para lembrar novamente que você não prejudica apenas a si mesma com as suas atitudes, Lauriana e os outros detetives se arriscam demais por você. 
 
- Estou liberada? – perguntei impaciente, ele apenas assentiu com a cabeça. – Até a próxima, Marco. 
 
Eu saí da sala tentando ocultar a minha raiva. E Marco sabia disso, mas ele sabia que minha cólera passaria em instantes, por que ele estava certo. O meu egoísmo acabaria prejudicando Lauriana e os outros. Eu não tinha parado para pensar devidamente sobre isso. Minha irmã e os nossos detetives estavam mentindo para me proteger, deixando de cumprir seus deveres com a missão. Eu não me perdoaria se algum deles se prejudicasse por minha causa. Principalmente Lauriana, não apenas por ser a minha irmã e sim por ser brilhante em tudo o que fazia ali dentro. Ela era excepcional e eu não queria ver o futuro dela comprometido pelos meus caprichos. 
 
E então podemos citar uma frase que dizia a minha ilustre e falecida mãe: “E falando no diabo...”. Lauriana estava sentada na sala de espera, ao lado da jovem Tina Jefferson. Obviamente esperando para ouvir de mim mesma a minha sentença. Assim que me viu, minha irmã correu para os meus braços e pude sentir todo o peso de sua saudade e preocupação recair sobre mim. 
 
- Laurinha, minha doce criança... – murmurei. 
 
- Já disse para não me chamar assim. – ela ralhou, mas ainda sorria. – Diz que funcionou todo o meu discurso de como você é uma ótima detetive. Por favor, diz que funcionou. 
 
- Então foi você que atormentou Marco para ele dar uma de bonzinho comigo? – eu brinquei e ela suspirou se jogando na cadeira. 
 
- Você sabe o quanto é difícil dobrar aquele homem? Deus, é teimoso igual uma porta! – ela exclamou e não pude deixar de sorrir. Ela me fazia lembrar Celine quando falava assim. 
 
Acompanhei minha irmã até a sala dela, para avaliar algumas anotações sobre o caso e fazer as minhas próprias anotações. Minha sala ficava ao lado, mas como Lauriana havia afirmado ninguém entrava lá fazia um bom tempo, nem mesmo para limpar. Então decidi poupar o meu nariz por um tempo e me livrar da indesejada crise de rinite. 
 
- Eu tenho poucos minutos antes de voltar, sabe se Rebecca está lá embaixo? – perguntei na esperança de ver minha outra irmã antes de ir. 
 
 - Ela saiu mais cedo. Parece que a pequena Clara está com febre. – ela respondeu balançando a cabeça em negação. – Pobrezinha, desde que o Alex morreu ela tem essas febres repentinas. Emocional, sabe? 
 
- E como Rebecca está? – perguntei cumprindo o meu dever de irmã preocupada. 
 
- Ela perdeu o marido faz um pouco mais de um ano, o que você acha? – Lauriana ironizou. – Está se recuperando. Você deveria ser mais atenciosa, sabe? Como você é comigo. 
 
- Ah Lauriana, pelo amor dos deuses. – revirei os olhos mesmo sabendo que ela estava certa. 
 
- Você não visita Agatha faz uns três anos. A primeira filha de Arthur nasceu e você nem chegou a conhecer a criança. Regina você só mantém contato com Rebecca por ela trabalhar a dois departamentos abaixo do nosso. – ela me repreendeu como se fosse a pessoa mais madura do local, o que de fato não era mentira. – O que as nossas mães diriam com esse comportamento? Nora provavelmente diria que se você não tem consideração pela família que tem, deveria tirar o sobrenome de sua certidão de nascimento. 
 
- Tudo bem, eu concordo que deveria ser mais atenciosa. – eu dei razão ao sermão dela. – E Nora não diria isso... Ela provavelmente faria o favor de tirar o sobrenome ela mesma. 
 
- Sem dúvidas. – ela concordou. 
 
- Assim que isso tudo acabar, que o caso finalizar... eu vou dar mais atenção as intrigas e questões emocionais dos meus irmãos. Palavra de escoteira. – eu assegurei. – Vou ser tão melosa e sufocante que vocês vão implorar para eu voltar a ser a muralha de concreto que sempre fui. 
 
- Você nunca foi uma muralha de concreto. – ela sorriu tocando o meu nariz, como as nossas mães costumavam fazer. – Você só parece ser. E a mim você não engana de jeito nenhum. 
 
- É parece que eu não consigo enganar ninguém mesmo. – murmurei aborrecida. 
 
- Se está falando sobre Marco, lembre-se que foi ele quem te ensinou a mentir. – ela apontou, e então deu um sorrisinho travesso. – Mas se está falando de Swan, bom... Ela realmente parece dobrar você de um jeito que nem mesmo eu consigo. Ela deve ser algum tipo de feiticeira, já pensou nisso? 
 
- Lauriana, você não me provoque. – sorri pelo descaramento vendo ela debruçar em sua poltrona pegando um vidrinho de perfume, um dos meus que ela tinha roubado. 
 
- Pense bem, foi ela quem cuidou de você assim que chegou lá. Ela te alimentou, provavelmente te deu algo para beber. – ela insinuou contendo o riso, balançando o vidro de perfume sugestivamente. – Quem sabe uma poção do amor... 
 
- Agora você passou dos limites, seu demoniozinho! – esbravejei em minha melhor imitação do sotaque de Nora. 
 
Tentei arrancar meu vidro de perfume de suas mãos, enquanto a safada ria da minha cara. Mas ela se esquivou de mim, me jogando um de seus casacos e indo para o outro lado da sala. Lauriana era uma criança crescida, isso todos podiam notar. Mas o que mais irritava a todos era que o pequeno projeto de imaturidade conseguia ser mais inteligente e engenhosa do que todos os detetives ali dentro. E se tinha uma coisa que eu mais detestava em minha irmã, era o seu senso de verdade. Ela era sempre a primeira a apontar as coisas, sendo óbvias ou não. E ela raramente estava errada. 
 
E ela estava certa sobre Emma, sobre o fato de eu estar apaixonada por Emma. Eu estava em negação e isto era óbvio, até para Emma. Ela também sabia e usava isso em seu favor. 
 
De alguma maneira, Emma Swan sabia que naquela altura do campeonato eu poderia mover montanhas para deixá-la em segurança. Que eu entregaria a minha vida e qualquer outra coisa se ela me pedisse, se ela desejasse. E ela sabia disso. 
 
E uma das provas de minha rendição era que mesmo com raiva, enciumada e desapontada com Emma, eu não conseguia parar de pensar nela e pensar que depois disso tudo ela estaria bem. Que eu a deixaria em segurança mesmo que ela não se lembrasse de mim no final. 
 
Quando estava indo embora, para o portal de deslocamento, passei em frente à minha sala e a porta estava aberta assim como eu tinha deixado. Eu parei ali em frente, pois um objeto me chamou a atenção. Era vermelha, feita de couro, era algo meu e eu adorava desde quando era adolescente. E então eu pensei nela mais uma vez e pensei que se ela não teria nenhuma lembrança minha depois do Caso Montanari, pelo menos poderia ter algo meu depois que eu fosse embora. 
 
Eu entrei bravamente em minha sala empoeirada e tirei de cima da minha poltrona um velho suvenir meu que Emma poderia guardar como um presente de despedida. Um presente silencioso, que mais tarde ela não se lembraria de onde veio. Mas que possivelmente guardaria consigo por instinto e devoção a um fantasma de um sentimento quase que esquecido. 

A Garota ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora