CAPÍTULO 26

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Estou sentada no chão encostada na parede ao lado da porta, enquanto Oliver vasculha uma estante ao lado repleta de livros

- Não acredito nisso!!

- O que ? - sua cabeleira ruiva reaparece entre duas estantes, um cacho ruivo cai solitário em sua testa antes que ele sopre-o para cima.

- Eu acabei de encontrar um outro exemplar de Lancelot, o cavalheiro da charrete - ele franze franze os lábios e me olha indignado - Eu estou com o mesmo livro no meu quarto e o peguei a pouco tempo aqui, o que significa que vocês tem aqui dois exemplares do meu livro preferido, e acredite o estado deles é bem melhor que o do meu.

- Deveria ter cuidado melhor já que gosta tanto dele.

- Eu tinha 10 anos e adorava tomar leite enquanto lia.

- Você acaba de despertar meu lado solidário, mas não foi para você e sim para seus livros deve ser terrível o estado deles- ele ri alto, mas logo coloca a mão na boca envergonhado pela sua risada esquisita.

- Eu era uma criança sem coração, mas hoje cuido muito bem dessas belezuras.

- È bom você cuidar bem mesmo, conheço alguém que te mataria se deixasse sequer uma migalha nesses livros - a lembrança de Olivia correndo atrás de mim segurando um pedaço de caco de vidro do copo de vinho que eu derrubei em cima do livro que ela lia, me faz rir.

Afasto a pontada no coração e olho para Oliver. Ele me encara com os olhos tristes e se aproxima de mim com o livro na mão.

- Você sente falta dela não é ?- diz, enquanto se senta ao meu lado.

- Muita.

- Quer conversar sobre isso ? Minha mãe sempre dizia para eu falar quando algo estivesse pesando demais em mim, me ajudava bastante quando eu tinha ela para desabafar, ela era minha luz nos dias escuros...a única pessoa que me abraçava quando eu estava desmoronando, a única amiga que eu tive, então se quiser, estou aqui.

- Onde ela está ? Não a vi em Sarabely.

- Ela faleceu quando eu tinha oito anos, foi assassinada na própria carruagem enquanto voltava as pressas para Barker, eu tinha ficado muito doente e ela tentou voltar para casa para ficar comigo, mas os Rodwell a pegaram em uma emboscada, não havia guardas suficientes para protegê-la... ela morreu afogada no próprio sangue.

Fecho os olhos por um segundo tentando digerir toda aquela historia, seguro sua mão com força.

- Sinto muito Oli, sinto muito mesmo.

Ele dá de ombros tentando disfarçar sua tristeza, mas eu vejo a dor em seus olhos escuros.

- Tudo bem, já faz muito tempo mesmo - ele sorri para mim, aquele sorriso quebrado e infeliz que eu vejo todo dia no meu próprio espelho.

- Não, não está nada bem - pego seu rosto entre minhas mãos - eu sei como é perder alguém que se ama, sei o quanto dói, então... Oli, não se esconda de mim, porque quando você faz isso me lembra eu mesma me escondendo das pessoas, e sei o quanto isso é difícil.

- Tem razão, não é muito justo eu pedir para que desabafe enquanto eu não consigo falar que eu me sinto culpado pela morte da minha própria mãe.

- Não foi sua culpa, você só tinha oito anos.

- Acho que você mais que qualquer outra pessoa deveria saber que não funciona bem assim Lívia.

Tenho vontade de negar, mas não consigo.

E odeio isso.

Odeio suas palavras e fato delas estarem totalmente certas.

E odeio mais ainda que eu saiba o que elas significam...odeio porque ninguém deveria entende-las.

Não importa o quanto as outras pessoas digam que você não é culpado, porque quando o peso da culpa se instala em nossas costas...nada pode tira-la, muito menos palavras. Não importa o quanto você repita para si mesmo "não foi culpa sua", "você não podia fazer nada", nada muda, talvez a verdade seja que jamais vamos nos livrar disso, talvez esse seja o castigo dos deuses a mim e a Oliver.

- È eu entendo, não queria mais entendo perfeitamente.

Ele olha para mim e sorri.

- Sabe o que eu acho engraçado Liv ? È que não nos vimos nem duas vezes mas eu sinto como se já a conhecesse a muito tempo, falei coisas para você que não contaria em para ninguém em sã consciência.

- Saiba que não esta sozinho nessa, você é a primeira pessoa com a qual eu tenho vontade de conversar sobre...ah...você sabe né.

- Sei sim Liv, eu entendo seu medo, mas você ainda não perdeu ela...ainda a esperança.

Respiro fundo e balanço a cabeça em negativa.

- E exatamente ai que todo mundo se engana - engulo em seco, na tentativa de aliviar a pressão repentina na garganta, e com dificuldade, falo pela primeira vez na minha vida em voz alta o verdadeiro motivo por todos os meus pesadelos.

- Não perdi Olivia naquela arena, eu perdi ela a muito tempo atrás - fecho os olhos na tentativa de me lembrar da verdadeira Olivia, mas esses momentos a tempos foram esquecidos por mim, a apenas flashes de nos duas brincando, correndo e uma em especial em que mamãe nos colocou para dormir cantando.

- Não entendo Lívia...

- Eu cresci com a sombra da Olivia que eu conheci - olho para Oli, que me encara confuso - Eu me lembro da primeira vez que olhei nos olhos dela e...eu não vi absolutamente nada, foi como se de repente uma nova pessoa tivesse assumido seu lugar, e mesmo que ainda tenhamos brincado e corrido sempre senti que faltava algo...faltava ela.

Sinto meus olhos arderem, mas pisco para afastar as lágrimas, sei que se ela escaparem não conseguirei parar.

- E sabe qual é a pior parte ? Foi culpa minha... sempre é, eu falo ou faço qualquer coisa e de alguma forma eu estrago as coisas, só que daquela vez não teve volta...foi irremediável, e tudo por uma corrida idiota, tudo porque eu cai, tudo por minha causa.

- Sinto muito Liv, não posso nem imaginar.

Não desejo que ninguém entenda, porque tenho certeza que perder alguém que continua respirando é uma das piores coisas, sei disso por experiência própria, porque de alguma forma eu perdi Olivia onze anos atrás, ao mesmo tempo em que ainda a tenho.

Solto a mão de Oliver, não tinha nem percebido que a agarrei enquanto falava.

Respiro fundo e me preparo para mais uma vez enterrar todo os sentimentos que as lembranças me trouxeram, conto até três e afundo o caos em meu peito com todas as lágrimas não derramadas.

E estou pronta novamente, remendada até os ossos sem nenhum buraco visível, enquanto continuo sangrando por dentro. Mas estive assim minha vida toda e nunca parei por isso, não se tem muita escolha quando se é princesa a não ser colocar um sorriso no rosto.

Então sorrio para Oliver, enquanto pego o livro de sua mão.

- Quero descobrir o que tem de tão especial nesse livro para ser seu preferido.

Ele franze a testa pela mudança de assunto, antes de responder.

- Acho que você é a única pessoa que pega meu livro preferido para ler sem que eu tenha que importuna-la por uma semana...

A porta da biblioteca é aberta com força, fazendo eu e Oli nos levantamos rapidamente, a tempo de de ver Dylan entrar, seus olhos azuis estão cheios de fúria.

Mal tenho tempo de reagir quando ele voa para cima de Oliver, derrubando-o no chão, só consigo gritar antes que ele acerte um soco em Oliver, espalhando sangue pelo chão.

Lívia (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora