CAPÍTULO 47

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O céu está completamente cinza, e a neve já começou a cair.

Mantenho o olhar no horizonte enquanto Myra coloca o manto branco feito da pelagem de algum urso sob meus ombros. O calor que ele proporciona é bem vindo, mas nem mil mantos seriam capazes de espantar o frio gélido que sinto por dentro.

Pego um par de luvas de pele e as coloco, e então ando em direção a porta e a abro.

Não há mais nenhum guarda aqui.

Olho para trás e encaro a jovem criada.

— Obrigada Myra — Quero dizer por tudo mas não preciso, sei que ela entende. Por me ajudar a me preparar, por atender meu pedido e chamado minha mãe... por ter estendido a mão.

Ela apenas acena com a cabeça e faz uma reverência.

E então dou as costas e sigo pelo corredor.

Não tenho certeza de muita coisa, mas sei que devo uma última palavra com Olivia. Meus pés parecem cada vez mais pesados enquanto me aproximo de seu quarto.

Paro em frente a sua porta por um segundo, cogito desistir e apenas ir embora. Mas não posso, se tiver alguma chance nem que seja mínima dela conseguir entender meus motivos, talvez possa amenizar tudo.

Preciso que você entenda. Por favor.

Bato na porta e espero enquanto ouço seus passos se aproximando.

Em um instante ela aparece em minha frente, o cabelo negro úmido escorre pelo seu ombro e os lábios como sempre estão tingidos em tom escarlate.

Ela parece surpresa em me ver desacompanhada, não a julgo, eu deveria estar com a merda da cavalaria toda a minhas costas.

— Lívia ?

— Oi — tento sorrir mas falho miseravelmente — Tem tempo para uma caminhada ?

Sua testa se franze, seus olhos me perscrutam como se estivessem me avaliando... como se pudesse descobrir apenas com um olhar o que eu fiz.

Resisto ao impulso de me encolher.

— Claro que sim, vamos — ela fecha a porta, e segue ao meu lado pelo corredor.

Um silêncio desconfortável se instala entre nós por um longo momento até que Olivia o quebre.

— Espero que não tenha arrancado a cabeça de seus guardas.

— Não pense pelo lado ruim Olívia, eu posso só ter pulado a janela — um meio sorriso surge em seu rosto.

Ela bate seu ombro no meu de leve enquanto fala.

— Você tem meu sangue, aposto que não pegaria o caminho mais difícil.

Dessa vez ela consegue me arrancar uma curta risada, tão fugaz que parece nem ter acontecido. Estou enferrujada nisso.

Ela me olha de esguelha, e não tenta desviar quando flagro seu olhar.

— Esta tudo bem Lívia ? — estou prestes a balançar a cabeça em afirmativa quando ela continua — É eu sei, é uma pergunta idiota se tratando das circunstâncias.

— Não tem problema — paro em frente a uma janela e observo a neve cair lá fora, Olivia apoia os braços no peitoril ao meu lado, e encara o horizonte assim como eu.

Não faço a menor ideia do que se passa em sua cabeça, mas sei muito bem o que percorre em minha mente como um rio cheio em um dia chuvoso, alagando tudo ao redor. Afundado em culpa.

Sou um mostro.

Sou egoísta.

Sou o que preciso ser. Digo a mim mesma que é sobrevivência, mas ainda assim não consigo convencer meu coração estúpido a parar de doer.

Lívia (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora