37- Amélia

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Ao ver Ray estacionando em frente minha casa, e saindo para tocar a campainha, em um ato espontâneo abri a porta. Seu rosto estava inchado pelo que parecia ser consequência de horas de choro.

- você tá bem? - perguntei preocupada com seu estado de saúde mental.
- tudo o que eu quero agora é encher a cara. - disse ela dando meia volta voltando para seu carro, a acompanhei.
- eu que irei cuidar de você hoje então...te devo uma. - disse eu.
- vou precisar. - ela tentava rir mas seu cenho portava expressão de preocupação, tristeza e outras coisas mais. Entramos no carro e antes de ligar ela deu um gole numa garrafa com o que parecia ser vodka.
- heeey! - tomei a garrafa de sua mão. - calmaa! Se você beber demais não vai conseguir dirigir! - ela fez uma expressão de desgosto, colocou as mãos em seu rosto e em seguida subiu para a cabeça a apertando e em sequência dando um tapa no volante. - Ei? Ei? Calma! - disse segurando-a pelos braços e a abraçando. Ela de início demonstrou aversão à aquele abraço, mas logo aceitou. Ficamos em silêncio, sentia apenas sua respiração cada vez mais dificutosa por conta da quantidade de lágrimas que derramava. Eu não estava entendendo, mas já percebi que não era coisa boa. - quer entrar? A gente toma um chocolate quente, assiste um filme, ou conversa se você quiser. - ela assentiu em um olhar. Saí do carro dando uma corridinha para abrir a sua porta. Ela ficou de cabeça baixa até a porta da minha casa. Abri e em seguida entramos. Fomos direto para meu quarto.

- toma - disse eu entregando uma camisa e um short para que ela se sentisse melhor, ela de sentou no canto de minha cama - se quiser tomar um banho...
- estou bem, obrigada - disse pegando a roupa e colocando em seu colo. Sua expressão de tristeza era preocupante.
- quer comer ou beber alguma coisa? Você comeu hoje?
- eu nem tive tempo... - disse olhando para as mãos.
- vou pedir uma pizza então, o que acha?
- coitado do entregador, tá fazendo menos um grau lá fora - disse tentando rir, mas não teve êxito.
- ingleses deveriam ser acostumados a no verão fazer menos dez graus - satirizei, ela deu um meio sorriso.
- acho que não consigo comer. - disse agora séria.
- tudo bem. Vou trazer uma água pra você. - ela assentiu, fui a cozinha e passei por meu pai que havia acabado de chegar do trabalho.
- oi filhinha! - me deu um beijo na testa. - de quem é aquele carro alí fora?
- da Ray, uma amiga do colégio. Tudo bem ela ficar aqui?
- sim, claro, claro.
- ok. Tem comida no forno. - ele fez cara de felicidade e foi comer. Peguei o copo de água e levei para o quarto. Coloquei em cima do criado mudo, e sentei ao lado de Ray, que já estava vestida com minhas roupas. - nada mal em você - ela deu um sorriso amarelo. - ficou melhor em você na verdade. - ela assentiu e olhou para as mãos. - tudo bem, o que assistiremos? - peguei meu celular e abri na HBO. - o que acha de as aventuras de pi?
- eu amo esse filme - disse ela tentando se recompor.
- tudo bem, então veremos ele. - deitei na minha cama que era de solteiro e um pouco pequena pra falar a verdade. Bati no lado da cama insinuando que ela deitasse. Ela deu um sorriso amarelo e veio, deitando e olhando para o teto. - você tá bem mesmo? - perguntei.
- bem não é uma palavra que me define no momento na verdade. - disse ela olhando para mim e em seguida voltando a olhar para o teto.
- se quiser conversar, sou toda ouvidos. - ela demonstrou resistência mas logo se apoiou no braço e olhou para mim, como se fosse contar o que se passava, mas permaneceu em silêncio, apenas me olhando, olhava cada detalhe de meu rosto, o que me instigava e me deixava nervosa. Surgiu um frio na minha barriga inexplicável.
- você bagunça minha cabeça. - disse ela tirando seu braço e se deixando cair de cara no travesseiro, com certo sorriso, mas ainda sim melancólica. Eu gargalhei.
- eu sei. - disse eu com certa certeza de que o fazia mesmo. Ela me olhou com cenho franzido e cara de birra forçada. Eu gargalhei novamente.
- cadê seus pais? Não seria um problema que ficar aqui?
- não, não... meu pai deve estar na sala, assistindo jogo provavelmente.
- e sua mãe?
- ela morreu. - ela se manteve em silêncio por meio minuto.
- sinto muito. - disse ela. Fiquei calada. O clima ficou bem tenso. - a minha mãe decidiu se separar do meu pai definitivamente. Ela foi embora.
- sinto muito. - disse eu. - vai morar só com seu pai então?
- ele nem pisa em casa. Minha mãe vive viajando. Eu já sei o que é morar sozinha. Não vai ter muita diferença de rotina, de fato. Ano que vem estarei em Londres, então...
- mas o que te deixou triste?
- o fato da ausência da minha mãe que já era tanta, ter se tornado um simples "você sabe meu número". - ela parecia bem abalada com sua fala.
- bom, eu não sei o que falar. - realmente não sabia.
- nem tem o que falar. - mudou de posição, voltando a olhar pro teto. - sinto-me tranbordada de carregar minha família nas costas. - permanecemos em silêncio por alguns minutos. - faz quanto tempo? - perguntou ela
- o que?
- que sua mãe morreu.
- faz três meses. - ela fez cara de assustada. De fato foi uma informação pesada. - não sei se me sinto confortável para falar sobre isso. - realmente não me sentia.
- tudo bem. - disse ela olhando de lado para mim.
- já falou com seu pai?
- nem irei. - ela se sentou.
- entendo. - ficamos alguns segundos em silêncio - sua família sabe da sua...
- que sou lésbica?
- é
- sabem, eles sabem.
- como souberam?
- meu pai me viu com uma garota.
- beijando?
- é.
- e sua mãe?
- ela sempre soube.
- eles tem problemas com isso?
- meu pai, muitos. Ele odeia uma garota que já tive um rolinho, justamente a que ele me viu beijando. Quis até expulsar ela da Charterhouse.
- Caitlin? - a pergunta a pegou de surpresa.
- é - respondeu depois de alguns segundos com o cenho franzido. Ficamos em silêncio depois de sua resposta, eu peguei o copo de água que havia trago para Ray e tomei um gole. - ei essa água é minha - disse ela com o cenho franzido. Ri.
- desculpa. Estava com sede. - rimos.
- você já ficou com alguma garota? - pergunta pertinente, e bem pesada pro momento, eu dei um meio sorriso em desespero. Fiquei em silêncio por algum tempo.
- não. - foi a única coisa que consegui responder. Ela só levantou as sobrancelhas. - e você? - rimos em ironia.
- você deveria ter vindo morar aqui antes. - disse Ray.
- eu só tô aqui porque minha mãe morreu e falimos. - disse seca.
- seu pai não trabalhava?
- meu pai é escritor, era, eu acho. Agora ele trabalha na empresa de contabilidade do meu tio.
- e sua mãe, o que fazia?
- minha mãe era advogada. - ela parou as perguntas por aí. - e sua mãe o que faz?
- esbanja a herança da família rica dela.
- sério? Meu sonho! - ri
- o de todos nós - riu - ela é formada em letras. Era professora na Charterhouse, mas depois que ela descobriu que meu pai traía ela com as freiras, tirou férias em um spar, e nunca mais voltou.
- uma história e tanto. - sentei
- e é só o começo - disse ela rindo.
- tem bem pouco tempo na cidade... - não sei o que achava sobre isso.
- é, pois é... - ela ficou meio tensa. - se não se declarar logo pra mim...não vai dar tempo - brincou ela tentando quebrar o climão.
- idiota - ri

Love in CharterhouseOnde histórias criam vida. Descubra agora