Capítulo II.

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Lizzie, assim como eu, se prontifica em estado de alerta. As casas próximas à nós são distanciadas por uma grama muito bem cortada em cada quintal e uma espaçosa garagem que cabem três tipos de carros. Carros que voltaram a serem fabricados a pouco tempo.

Está tudo silencioso, a não ser pelos ventos uivantes tocando minha pele e soprando os pelos branquelos da raposa atenta ao redor. Ninguém ousa despertar. As luzes em todas as moradias estão apagadas. Os postes tornam a rua asfaltada mais sombria, de modo que sua iluminação branca nos revele a noite se desfazendo calmamente.

— Vai! — Sussurro para Lizzie, que logo sai correndo para a neblina densa e negritude tomando o seu sumiço. Solto um suspiro. É medonho estar nesta posição todos os dias.

Eu odeio despedidas, de mesmo modo que tenho medo delas. Eu nunca aprendi a me despedir. Eu nunca tive segurança. O suspiro da morte tombava minhas esperanças e brincava com isso.

Era minha única certeza, de modo que meu único aprendizado fosse conviver com ela e a chamasse para um discurso breve de minhas razões para temê-la.

E lá se vê ela, sumindo em sua própria sombra, então me permito fechar a porta.

Retorno para o quarto que não me pertence, certificando-me da chama formosa por trás de um pico, mostrando-me a silhueta montanhosa. Estico os lençóis e dobro o colchoado de algodão branco. Rapidamente dou uma longa olhada nele.

Está do jeito que deixaram, apesar de minhas entradas frequentes aqui. É onde posso me sentir próxima deles, o suficiente para que eu lembre do conforto do seu colo.

Assim que finalizo a cama, saio do quarto fechando a porta. No vão por cima da mesma, retiro uma chave e a passo na fechadura, escondendo-a de volta.

Sigo para o banheiro em silêncio. A primeira coisa que presencio é o espelho, que apressuradamente vejo-me nele, relembrando de meu semblante. Logo atento a outros detalhes. Não consigo mais focar em meu próprio rosto, ao evitar incansavelmente minha pele pouco cuidada.

Ligo a torneira. A água está gelada e fina no qual uso-o como meu despertador ao jogá-lo no rosto. Minha mente se aquieta e sinto calafrios. Devo erguer a cabeça e fechar os olhos. Puxo o ar. Este é meu momento mais silencioso, pelo alívio de reduzir meus pensamentos ao nada, embora eu saiba que irão retornar com mais antipatia. Este é o momento para me preparar.

Puxo a toalha branca pendurada ao lado do espelho e enxugo minha face e os respingos em meu queixo. Mantenho os olhos fechados em busca de minha calmaria. Estou com medo. Excessiva premissa de que sou medrosa demais para confrontar minha consciência. Naturalmente já sou maltratada por ela, mas conheço minhas armadilhas ao tentar mantê-la em plenitude.

Penduro a toalha de volta e caminho até meu quarto. Corro os olhos pelo mesmo. O aroma doce era o principal para eu apreciar. Não era um quarto grande, porém muito bem decorado. Há faixas esverdeadas enfeitando a parede branca. Em uma letra cursiva desenhada está escrito meu nome em uma das 4 paredes. O carpete é cinza e felpudo. Meu guarda roupa cobre uma quadrela ao lado esquerdo. Na outra, é minha cama de solteiro, espaçosa e que há um tempo não me deito nela. Parece tão arrumada sem minha interferência.

A janela de vidro sem cortinas é a primeira coisa que olho. Por debaixo dela está minha mesa que já está cansada de me receber entre este horário da manhã e mais cedo. É ali onde passo minhas horas. Ela também cobre a parede inteira.

Desde que me dediquei a arte da pintura, eu nunca mais fui organizada. Em meio a estudos sobre como cada linha se explica, há anotações e desenhos a lápis espalhados, papéis rabiscados.

É onde divido meus traços. Apesar de eu utilizar giz seco e oleoso, minha franqueza se dá ao uso de tinta aquarela. Meu cavalete me espia em aguardo meu para outra partida de cores. É onde me reescrevo. A maneira como cautelosamente posso reinventar um mundo a minha maneira.

Montanhas Distintas - Renascença.Onde histórias criam vida. Descubra agora