Capítulo I.

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Desdobro-me por minha cama e estico meus membros corporais. Há um certo momento e limite que devo ficar parada. Meus pés estão frios e quase não consigo senti-los. O cobertor sobre meu colo conteve o gélido clima de meu lar, só não consegue aquecer meus pés, no entanto.

Permaneço deitada enquanto os mesmos formigam. Corriqueiramente, me habituei a fazer isso todas as madrugadas, de modo que meu sono muitas vezes me abandone e devo clarear junto com o céu em negrito.

Já fazem 3 anos que tenho essas idas e vindas com a quietação de manter os olhos fechados, se é que estou certa de minha idade e da aurora escondida.

Desta vez, não tive pesadelos como quase todas as noites, embora meu corpo e mente já estejam acostumados a despertar em alerta. Pesadelos estes que testam a minha sanidade, já que 3 anos é a mesma quantia de tempo que não possuo mais um estado de espírito competente, tal que recorde que moro sozinha. A mercê de minha própria companhia.

Porém, conforme o tempo atravessa seus ponteiros, torna isso cada vez mais diverso, até mesmo insuportável devido ao silêncio e a constante sensação de cansaço e não conseguir voltar a dormir.

Resultado de saber que meu cérebro estará pronto para desafiar-me com outro enforcamento, com mais uma teoria, outra proposta de morte, no qual ronda e interfere algum momento belo com meus pais, que já não se encontram mais aqui.

Levanto meu tronco e olho para meus pés marcados pelo cobertor de algodão branco. O formigamento parou. Agora, sou atacada por uma enganosa contorção que faz-me movê-los contra minha vontade e devo lutar para ficar imóvel.

É a mesma batalha durante os sonhos, que contorço-me inúmeras vezes até que meu sangue se prenda em vários membros de meu corpo, incluindo meus pés. Batalhas que são como símbolos para mim. Que eu vejo a personificação da morte se comunicando comigo, dançando, sorrindo com sangue nos lábios maiores do que a própria ossada e que sabe o meu nome, me revelando que sempre esteve comigo.

Há 3 anos ela me acompanha. Com o seu toque gélido me envolvendo, o seu suspiro ecoa em meu coração, tomando diferentes formas e expressões quando me põe para dormir. Às vezes se apresenta como a minha ceifadora, com a foice afiada pronta para me levar ao abismo.

Outras, ela se mostra benevolente, traçando os labirintos da minha própria loucura.

Me jogo em cartas com a eterna encapuzada e ela poupa-me outro soneto. Ela bem sabe de meus laços. Ela bem conhece minha perda mais preciosa e já divertiu-se com ela, então tem ciência de que me comanda.

Mas passo em deslize por ela a cada rodada, enaltece minha sorte e desafia-me outra vez no próximo amanhecer.

A enganação acabou. Respiro fundo. Dou uma olhada ao redor da cama. Sua pelagem branquela confunde minha visão para com o cobertor e quase não a vejo.

Entretanto, capturo sua respiração e a ponta preta de seu focinho. Lizzie. Uma raposa do ártico. Tão delicada e pequena feito uma pena. Minha melhor companhia.

Posso passar horas a observando, memorizando seus detalhes mais corteses. Para contornar ao menos dois anos de sono perdidos, a encontrei fundo a dentro de uma área chamada Matagal de Areia quando fui colher morangos para um banquete da manhã junto com Verona e Ed. Enquanto colhia, ouvi grunhidos de dor e fui cautelosamente ver o que – ou quem – era.

Foi então que conheci Lizzie. Naquele ano, sua pelagem não estava branca como agora em adaptação ao frio, e sim cinza, adaptada ao clima de verão. Também não estava espessa, densa, volumosa e longa como a analiso neste momento. Era curta e criava a sensação de estar sem pelos.

Montanhas Distintas - Renascença.Onde histórias criam vida. Descubra agora