Capítulo XIV.

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Vejo a decepção do rapaz em minha frente. Ele demora para dar a ordem ao resto dos homens para guardarem suas armas, de modo que suas trocas de olhares indicam que não querem fazer isso, mas por fim ele o faz.

Dois dedos são erguidos para o ar e todos abaixam suas armas, e ao invés de eu suspirar de alívio, eu tranco o punho.

Sei que para eles, essa é uma ocasião divertida, pois uma garota está passando a frente de muitos, quiçá todos, por algo considerado estúpido, que alguns irão reconhecer como heróico, mas ainda sim estúpido. E desta forma, os suspiros de alívio reinam, só que nunca com certeza completa, somente momentânea, então o nosso medo continua presente e eles se aproveitam disso.

Verona é puxada pelo braço para ficar de pé, ela cambaleia um pouco por estar voltando a reconhecer o peso do próprio corpo, quando consegue, o homem a solta.

Evito encarar suas expressões apavoradas.

Me perdoem. Sussurro. Me perdoem, meninas.

— Tragam-na para cá! — Ordenou o Tenente, pacificamente.

Então, sou arrastada para frente da telona e os vigias que cercavam os outros jovens se retiram levemente, vindo ao meu encontro.

A nova representante de uma divisão inteira, agora uma nova descendente.

Como agradecimento, os jovens suspiram aliviados e se levantam, paro a frente da telona eu olho adiante, ao invés de eu fingir que estou grata, nada faço.

— Apresento-lhes a nova escolhida da Seleção! — Turim reaparece e me apresenta. Algo que nunca imaginei que concordariam, afinal uma vida por outras é uma dívida enorme, e acho que eles também pensam o mesmo, pois se eu não irei morrer aqui, lá dentro é garantia disso.

Sinto alguém mexer nas algemas de metal douradas, e em segundos sinto minhas mãos livres. Acaricio meus pulsos por finalmente sentir um toque familiar do líquido em meu corpo voltar a circular. Posso finalmente passar a mão por minha boca e limpar o vestígio de sangue que está aqui. Observo o líquido preto por um instante e pois bem o limpo em minha roupa, engolindo em seco.

— Saúdam-na, Pestes! — O Capitão grita impaciente quando ninguém faz algum ruído. Ele vem ao meu lado e sussurra em meu ouvido.— Espero que esteja preparada para qualquer coisa, já que o que mais vai sentir é dor. — Ameaça-me. Viro em sua direção e o encaro com desdém, mas nada digo.

O silêncio é a melhor resposta do público. Mesmo eu tendo poupado suas vidas, eles não concordam com isso, é errado, é claro, e seu silêncio é uma forma de dizerem isso. É injusto.

Mas, eu não acredito em meus ouvidos. Não de imediato, por ter se sobressaido em um sussurro inaudível. Só que, realmente acontece e logo mais muitos dizem a mesma coisa.

Por mais que pareça que nada mudou, que meu objetivo – de finalizar minha vida – ainda é o mesmo, algo modificou no modo em que eles olhavam para mim. Antes eu era apenas uma louca por ter elevado a voz por duas crianças, mas agora, sou vista como sua Salvadora.

A portadora do caos silencioso, a marca manchada de preto em sua pele, conhecida agora como a próxima escolhida. A Salvação, na boca dos demais. Só que, não usam essa palavra, eles dizem...

Liri.

Liberdade.

Sabia que conhecer um fluido contraditório faria eu entender o que se trata.

É uma onda indescritível de sensações, embora jamais fosse contar cada sentimento superior no qual nego a vagar em profundezas rasas.

Liberdade é algo que nós não ousamos perguntar qual é a sensação de ter tal atributo, por vivermos em limitações numerosas, pelo o calar de boca de perguntas relacionadas ao o que nos faria bem.

Montanhas Distintas - Renascença.Onde histórias criam vida. Descubra agora