A comemoração que poderia imaginar para a minha vida não irá acontecer, de modo que eu odeie comemorações deste dia, apesar de meus pais sempre terem tentado convencer-me.
Eles sempre planejaram festas surpresa, convidavam amigos e familiares, compravam presentes especiais, mas, por algum motivo, eu sempre senti um certo desconforto com as comemorações de aniversário. Talvez seja porque eu nunca me senti confortável sendo o centro das atenções, ou talvez seja porque eu sempre senti que seria o último.
Cada ano que passava, o desconforto só aumentava. Eu sentia como se as comemorações fossem um lembrete de que mais um ano havia se passado e que o tempo estava correndo cada vez mais rápido. Eu me questionava se aquela seria a última festa de aniversário que eu teria a chance de comemorar.
No entanto, estou completando 21 anos. E ainda que não vá comemorar, devo agradecer por ter chego nesta idade. Muitos jovens não conseguiram, apesar da nossa expectativa de vida atualmente ser de 48 anos.
Passo pela porta do quarto de meus pais. Do guarda roupa retiro uma mochila pequena, onde coloco algumas peles de coelhos que arranquei da carcaça quando Lizzie os trouxe na última semana. Guardo tudo lá dentro. Retiro alguns moletons de pele de ovelha e outra sacola de brinquedos em ótimos estados.
Abro minha escrivaninha e pego minha identidade e carteirinha. Sobre um compartimento ao lado da gaveta, existe uma área que deixo minhas máscaras de filtro. Apanho uma e fecho o compartimento e a gaveta. Logo, pego meus óculos e saio de casa com ambos em minha face. Puxo a sacola do balcão.
Assim que fecho a porta, escuto um click e minha digital é confirmada quando a tranca.
O sol não está tão quente quanto imaginei que estaria, conforme é gradualmente coberto por nuvens. A brisa gelada atravessa meus calafrios e arrepia meu corpo inteiro, mesmo estando agasalhada.
O lado em que vivo – que gostamos de chamar de Nascente – é o fim da Divisão e início de uma das quatro Fronteiras. É a Fronteira do Leste, onde negócios clandestinos acontecem.
Dentre as quatro que existem, a Fronteira do Leste é de onde vem o contrabando de medicamentos, no qual muitas vezes podia ouvir os Vigias e os contrabandistas trocando tiros pela madrugada.
Antes, eram vendidos individualmente, mas quando Prisma descobriu, uma guerra fronteiriça começou. Agora só é vendido para armazéns autorizados.
Eu levo pouco tempo para chegar aos portões para a saída de meu bairro. Devia aguardar alguns segundos para que os mesmos se abrissem com algum resquício de energia solar. Prisma controla o uso diário disso, no entanto.
O horário em que o Sino toca é quando a energia liga. Permanece funcionando durante duas horas e volta a funcionar quando Prisma precisa televisionar algum atentado ou nos dar outro tipo de aviso.
No entanto eu nunca confiei em Prisma, de modo que eu abra e feche os portões manualmente, com ou sem energia.
As casas são recebidas pela grama crescente ao seu redor. Sua tinta desgastada. O asfalto dos pisos também são antigos, nenhum arranhão ou corte em seus tijolos, mas muito bem limpos.
Quanto mais me afasto de casa, mais ao meio da Cidade sou levada, onde os prédios são requisitados. Eles não são mais altos do que 10 andares. Também são antigos em suas conjecturas, só que ainda mantém a sensação unânime de novidade.
Os vidros são iguais aos de nossas casas, temperado como uma vez nomearam. É o tipo de vidro resistente e preserva nossa segurança. Em todas as janelas, este é o vidro que mais utilizam.
Olho por cima de meu ombro direito. Eu os vejo novamente. O tecido de seus uniformes sao mais nítidos agora na luz do sol. São azuis, de resistência à agua, frio e contaminação.
Vejo-os rindo. Em comprimentos com outros companheiros que também vagueiam pelas áreas da Cidade, eles não podem parar de caminhar.
Eu os odeio. Não posso passar muito tempo olhando para suas fardas, já que memorizo seus detalhes mais uma vez, de modo que recorde os nossos tempos de horror.
São falsos ao ponto de fingirem pacividade. Eles não são assim. São aterrorizantes, medonhos e impiedosos para com os nossos pedidos de ajuda.
Eu os odeio, e o pior disso é que também tenho medo deles, mesmo que sorriem para mim e não portem uma arma.
— Cuidado! — Ouço de meu lado esquerdo. Rapidamente, dou um passo para trás. Quando olho nesta direção, um homem levanta-se do banco do motorista com uma expressão nada feliz. — Preste atenção por onde andas, eu quase a atropelei!
Boquiaberta, eu mantenho meu olhar nele piscando duro. Não tenho costume ainda em andar pelas ruas com o aparecimento destes veículos por toda parte.
— Desculpe! — Grito. Aceno em sua direção e ele parece aceitar.
— Você está bem? — Ele pergunta, parecendo preocupado agora.
— Estou sim, obrigada. — A resposta saiu mais rápido do que seu arranco.
Essa rua não é comumente da passagem de carros, mas acabou se tornando. Eu os acho estranhos. Não há muita variação de cor além de preto, cinza e prata. Não existem rodas. Eles não tocam no chão, flutuam sobre as linhas azuladas que indicam os caminhos que podem passar. É como se fosse magnético. Os carros ficam fixos nestas linhas por segurança.
Há várias listras em quase todas as áreas da Cidade, que eles chamam de "faixa de pedestres" que é por onde eu devia ter andado sem causar algum incidente. Mas, ainda estou desacostumada com tudo isso.
Após me acalmar, sigo de volta minha caminhada. Dobrando a atenção em meu passeio entre os veículos mudos.
Me envergonho outra vez. Não consigo disfarçar, nem ao menos esconder minha raiva dos Vigias. Sou totalmente irracional quando se trata de minha raiva, assim como todos que os observam com o mesmo desdém que eu, mas eles fingem não ver. Talvez isso os gratificassem, já que sabem de nossa capacidade extremamente raivosa rondar o nosso medo deles.
Ou simplesmente não se importem mais, faz muito tempo que tais olhares não mudam em suas direções.
Com um pulo na chamada calçada estou próxima o suficiente de meu destino. Involuntariamente solto um sorriso.
Cores. Referidas cores. Arquejo perante a turbulência das cores. Todo o meu colorido molde que enriquece o meu entorno. O esmeralda da grama baixa que sera acariciado pelos ventos álgidos. Minha mão busca alcançar o tronco de árvore em seu pigmento rígido e desidratado.
Com uma crista distinta, qualquer coisa torna-se arte aos meus olhos. A beleza oculta destas tinturas. Sem contar os tecidos. Tricô, cetim, viscose, nenhuma seda.
A divergência entre cada tom de melanina. Do mais claro ao mais escuro, que formidavelmente nos une de maneira única. Tudo rodeia cores, até mesmo suas fraturas, do contraste pelo recebimento de vitaminas por elas todas.
Muitas pessoas usam algumas vestimentas neutras como bege, cinza, ou até mesmo o branco em várias tonalidades.
Poucos utilizam cores como eu que estou toda de preto. Variantes como vermelho, rosa ou até mesmo azul são encontrados de maneira limitada.
Olho para trás. Vejo o uniforme de outro Vigia. É mais um que não é da Zona Militar, mas foi sim um Cadete. É composta por um marrom esverdeado toda abotoada, uma espécie de jaqueta de um tecido aveludado.
Eles não precisam usar máscara como nós. Nossa doença não é transmissível para quem não a possui mais no sangue. Uma vez livre dela, não se contamina mais. Eles sabem disso. Então quando alguém tosse perto deles, os mesmos não fazem nada a não ser se fingirem de surdos. Nada os assusta.
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Montanhas Distintas - Renascença.
Science FictionNÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 16 ANOS. {Trilogia - Livro 1: Renascença.} Siena - Fim do novíssimo mundo. "E se fosse por uma promessa?"