A borboleta do campo

64 7 2
                                    

Há tempos,
Época que jamais retornará
Descansa na memória que se perde com tempo

Durante um momento
Quase milésimo
Vi de novo a lembrança
Aquela mesmo de quando criança

Brincava espantando todo o marasmo do campo
Casa de interior
O deserto de gente mais belo que já vi

Açudes que mergulhava como o mais vasto e inexplorado oceano.

Montes que tinha a audácia curiosa da infância de escalar e descer como um escorrego da cidade.

As árvores, que choravam seu mais puro e sincero orvalho.

Já cansado, me sentava as pedras abaixo da sombras das árvores

Vi então passando ao meu lado uma borboleta,ou seria mariposa?

Meu avô havia me dito que as mariposas pousam de asas abertas e as borboletas de asas fechadas

Então fiquei o mais quieto que consegui e observei aquele pequeno animalzinho

E após alguns segundos
Ela pousou em um dos galhos da árvore, que era pequena, então pude vê-la melhor

Ela pousou de asas fechadas, estava confirmado, era uma borboleta

O que será que ela pensa de mim?
E será que ela pensa?

Ela permanecia lá
Estática, como se desejasse ser alvo de observação

Vendo isso, decidi chegar mais perto,
E levantando cuidadosamente
Fui dando passos leves na grama
Com medo da minha nova amiguinha se assustar e simplesmente sumir como muito acontece entre os adultos

E por incrível que pareça
Ela não se assustou, ainda permanecia lá
Sem mexer um músculo

Vi o desenho circular preto de uma de suas asas
Em contraste com um vermelho vibrante, quase cor de sangue

Estava a quase 40 centímetros de distância
E a borboleta não ficou com medo?

Como ela poderia identificar que eu não seria uma ameaça?
Será que ela não me vê?
Ou não me ouviu?

Espera, será que ela leu minha mente e viu que não quero machuca-la?

É a primeira vez que chego tão perto de uma borboleta de verdade
E ela não foge de mim

Tentei me arriscar ainda mais
E tocar na borboleta

Levantei o indicador da minha mão trêmula
E fui em velocidade quase nula

Mais uma vez
Com medo de que ela fugisse

Decidi tocar nas suas asas vermelhas

Minha respiração era forte, mesmo eu tentando abafa-la para que se suavisasse

Mas não havia jeito
A ansiedade de sentir algo tão bonito
Tinha como motivo a iminência de perde-lo

E essa iminência me corrompia por dentro

E quando finalmente a toquei
Ela não fez nada
Então decidi abrir suas asas
Com meu dedo do meio e indicador

Mesmo tendo visto aquela borboleta a muito pouco tempo
Já havia criado um certo afeto

Ou até mesmo um amor inexplicável
E inerente a carne ou o cognitivo

Era um amor de alma
Algo que nada e nem eu mesmo poderia explicar

O jeito que ela havia se entregado e confiado em mim
Não tinha explicação

Contrariava totalmente o instinto de sobrevivência

Eu poderia matá-la a qualquer momento
Bastava querer
Mas ela mesmo assim se entregou

Tendo aberto suas asas
Pude admirar ainda mais minha amada

Que desacatou o instinto e a sobrevivência em troca de amor

Resolvi acariciá-la entre suas asas com meu dedo
Ela deixava, mas ao mesmo tempo
Não demonstrava reação

Eu estava feliz, mas também estava confuso
Me senti confidente
E ao mesmo tempo ausente

E isso tudo me confortava e me torturava a cada segundo que eu me aproximava da borboleta, seja fisicamente, emocionante, ou até mesmo, espiritualmente

Aquilo não era normal de acontecer entre uma criança e uma animal

E penso que se tivesse sido qualquer outra borboleta

Isso não teria acontecido

Mas aconteceu
E foi exatamente do jeito que era para ser

Minha asa de sangue
Minha amada
Minha amiga que chegou do nada
E passou a significar tudo para mim

Aqueles momentos
Foram escassos no tempo
Mas eu desejava que demorasse cada vez mais

Que a minha vivência fosse extendida ao máximo

Eu não queria perder minha amada Asa de Sangue

Meu avô disse que os únicos animais capazes de sentir amor são os mamíferos

Mas eu discordo

O amor é transponível à matéria
O amor é propriedade intrínseca do espírito

Porém só o vivência quem acredita e se entrega a ele

O amor é risco
Não se sabe o que vem pela frente

Mas como soldados para a guerra
Marchamos fortemente e ferozmente

O amor não é possessivo nem manipulador
Essas coisas são frutos do ódio

Que assim como o amor
Também está presente em nossa alma

Mas só o sente
Que se entrega para ele

Tardes no campo como aquela são únicas
E não é todo dia que se encontra uma borboleta que sente afeição por você

Pérfida FelicidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora