Asas cortadas (Proteger não é prender)

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Caminhei de mãos dadas com o Matheus até a minha casa.  Já quase na porta, reparei que uma das meninas que morava com connosco estava lá estagnada. Parecia triste e desanimada, tinha o olhar apontado para uma boneca velha que havia no quintal. Estava com um calção branco, mas que agora parecia preto, tal como a blusa rosa e as sapatilhas pretas da marca Nike.

Me aproximei dela e imediatamente ajoelhei-me para que ficasse da sua altura e perguntei:

- Está tudo bem?

Olhando para mim com os olhos cabisbaixos, respondeu. – Não. – Em seguida baixou a cara.

- Desculpa, como é que te chamas, linda menina? – perguntei num tom amável e muito doce. Senti que o Matheus a minha atrás riu-se um pouco por ter feito aquela voz. - Lanço-lhe um olhar de reprovação.

- O quê? – Perguntou o Matheus.

- Cala-te. – Respondi entre os dentes.

- Chamo-me Sara, Vénus. Te esqueceste que eu e a Sofia somos tuas irmãs.

- Não Sara! Estava a brincar contigo, querida. Não gosto nada da tua cara, porque que estás assim? – Tentei fingir que não me lembrava de nada e, que simplesmente andava aí a supor as coisas.

- O pai....

A Sara mal terminou de falar quando o meu pai chegou a porta de casa aos berros

- Sara, entra já! – Gritou, enquanto pegava no braço da Sara

- Pai, vais a machucar. – Gritei num tom de desespero.

- Vénus! Ó Deus, pensei que te tinha perdido. Por onde andaste, filha? – Largou o braço da Sara e deu-me um braço forte.

Instalam-se alguns minutos de silêncio. O meu pai olhou par o lado e reparou que estava acompanhanda.

- E tu, o que fazes aqui? Não precisamos.... – Perguntou o meu pai ao Matheus.

- Pai ele ajudou-me ontem. Por favor, seja simpático. – Interrompi.

- Obrigado por teres ajudado a minha filha. Por favor, entre e tome o pequeno almoço connosco?

- Não. Obrigado. –  Como sempre, o Matheus respondeu de forma curta e objetiva.

- Por favor, Methues. Aceita. – Implorei, enquanto fazia uma vénia com as mãos.  

- Ok.

O meu pai apontou com as mãos para dentro de casa como sinal de boas vindas. Peguei a Sara ao colo e entramos. Ao entrar na sala, tem-se de início uma desagradável sensação de tristeza. As paredes já quase sem cor, devido as inúmeras reconstruções que são feitas visto que ninguém tem paciência de as pintas constantemente. Não havia janelas, era perigoso. O chão já sem brilho e o teto no qual havia um lustre luxuoso, mas empoeirado e com poucas lâmpadas em funcionamento, confirmavam a impressão inicial. A sala era pequena, e muito pobre de móveis, do lado direito havia uma mesa castanha carregada feita para oito pessoas, sobre um tapete marrom já gasto. Do lado esquerdo uma televisão de trinta e duas polegadas, por cima de uma raque branca.  

A minha mãe estava sentada numas das cadeiras da mesa, e como sempre perdida em alguma parte do mundo.

Pousei a Sara no chão e fui lá dar-lhe um beijo. Sabia que não fazia qualquer diferença, mas, mesmo assim o fiz. Quando olhei para trás, pela primeira vez estava o Matheus a olhar para mim de forma doce. 

Depois de tomamos o pequeno almoço, ficamos todos em silêncio durante alguns instante, quando repentinamente começamos a ouvir um barrulho irritante. Bom. Era a Sara que não parava de pular e bater na cadeira, estava frenética.

- Por favor, filha. Para com isso. – Disse o meu pai.

- Quero ir brincar. Brincas comigo e com a Sofia, Vénus? – Perguntou a Sara aos pulos.

- Não! Não podem. Vai para o quarto juntamente com a Sofia. -  Respondeu o meu pai.

Mesmo antes de eu poder protestar, o meu pai levantou a mão direita como sinal de stop, ou seja, cala a boca.

A Sara saltou da cadeira a chorar, e foi a correr para o quarto. Já a Sofia, continuou sem expressão alguma, levantou-se sem fazer qualquer escândalo e com a maior delicadeza foi andando até ao quarto.

- Não tens de as tratar assim. – Disse o Matheus.

- Desculpa? – Interrogou o meu pai. –  Também não tens de opinar em assuntos que não te dizem respeito. – Continuou o meu pai.

- Vamos nos acalmar, por favor. Também acho que foste um pouco bruto com elas. A Sara só queria brincar, pai.

- Só quero que elas fiquem em segurança. Já sabes que aqueles monstros andam por aí a solta, não posso arriscar. – Exclamou o meu pai.

- Mas aquelas coisas só aparecem por causa do nosso medo. E visto que o único sonho que a Sara tem neste momento é de ficar num parque a brincar comigo com a Sofia, duvido que eles apareçam.

- Não me faças rir, Vénus. Quem te disse isto, este rapaz que veio contigo? Ou simplesmente queres simplificar os factos, para que a tua saúde mental permaneça sã. – O tom do meu pai se tornava mais agressivo. E lá bem no fundo, sabia como aquilo iria acabar.

- Pai? Por favor, acalma-te. O Matheus só quis ajudar. – Tentei controlar a situação.

-  Sabias que o teu querido amigo, tem recebido dinheiro das pessoas, para ajudar a tornar as casas mais fortes? Se estas coisas que tem aparecido são "medos" porquê que ele faz isso? Não era mais fácil contar este conto de fadas, e acabar logo com isto?

- É verdade, Matheus? – A minha voz denotou uma pequena deceção.

- Sim! Tenho de sobreviver, Vénus. – Como sempre, o Matheus respondeu de forma arrogante.

- Para além de arrogante, és mentiroso. E ainda te atreves a dizer que é por uma questão de sobrevivência. Como é que se sobrevive, prejudicando as pessoas? Isto não cabe na minha cabeça, Matheus.

- Como assim prejudicar as pessoas? Só podes estar maluca, Vénus. – Pela primeira vez, ouve o Matheus a gritar.

- A partir do momento em que se priva uma informação crucial as pessoas por motivos egocêntricos, as prejudicas na mesma.

- Quem disse que eu...... - Infelizmente o Matheus foi interrompido pelo meu pai.

- É melhor ires em embora. Mais uma vez, obrigado pela ajuda que deste a minha filha, mas agora ela está à salvo.

O Matheus olhou para mim como se estivesse a perguntar se estava de acordo com que o meu pai havia pedido. No momento encontrava-me com os olhos lacrimejados, portanto, virei a cara e continuei calada. Levantou a cabeça com firmeza e foi-se embora sem dizer nada.

   Logo que ele saiu também me levantei da mesa com um simples com licença, já não me apetecia falar, nem olhar para o meu pai. Subi para o quarto das meninas que ficava paralelo ao meu, e tal igual, simples e podre de móveis. Ao contrário do meu, no do das meninas não havia janelas, simplesmente duas camas de madeira encostado a parede e paralelas uma a outra. E também havia um guarda-fato castanho no meio das camas. Não havia brinquedos no chão e muitas cores no quarto, ou seja, não era o quarto de crianças que estamos habituados a ver.

A Sofia estava a dormir e a Sara continuava a molhar o lençol branco de tanto chorar. Fiquei tão triste ao ver o estado dela naquele momento. Tinha noção de que a única coisa a fazer era dar-lhe um abraço confortante. E assim o fiz. Depois de alguns minutos eu e a Sara adormecemos abraçadas. De certa forma sei que a confortei e, verdade seja dita, também me senti acolhida, era bom sentir as mãos dela fofas e pequenas nas minhas costas.

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