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APÓS UMA NOITE de insônia, me levantei com uma mensagem de texto de Kono, que continha um endereço e segundo meu GPS, ficava no meio do nada. Com certeza, alguém havia sido brutalmente assassinado. E por um segundo frio, me senti aliviado por ter um encontro com um corpo. Somos policias, os durões dessa história, analisamos corpos, investigamos cenas de crimes e prendemos os caras maus. Isso quer dizer que não vou ter de lidar com pessoas felizes, que falam demais, ou melhor, pessoas que vão ficar incansavelmente batendo na tecla da grande novidade. Nós somos policiais e é por isso que aposto que não vou ouvir nada com o assunto casamento hoje.
...
- Bom dia... o que temos pra hoje?
- Bom dia, Danno! - Ele tinha que ser o primeiro a me responder.
- Acho que não vai haver cerimônia hoje... - Comentou Chin, com os olhos presos ao chão.
- É uma noiva?! Ai meu Deus! Quem faria isso com uma noiva?!
Ao som da voz de Kono, vi aquele cadáver, era uma mulher. Cachos nos cabelos, um belo vestido branco, manchado pelo sangue que escorria do buraco de bala que havia atravessado seu coração.
É, esse vai ser um longo dia!
...
O carro de Steve não estava na cena do crime, eu não fazia ideia de quem o havia levado até lá, mas assim que me viu, eu perdi minha paz e a chave do meu carro. Steve não me pediu permissão antes de colocar a mão em meu bolso direito e levar meu chaveiro, eu fiquei ali parado pensando em como aquele animal achava que podia tomar posse de mim e minhas coisas.
O caminho até a sede foi horrível, porque eu não conseguia dizer uma única palavra, e Steve apenas me olhava de canto de olho, sem fazer a maldita pergunta que ele tanto queria.
...
- A nossa vítima estava sem identidade, o que é completamente compreensível, já que vestidos de noiva não tem bolsos. Então fui atrás das capelas e igrejas locais, e encontrei duas possíveis cerimônias para essa tarde, as noivas são... Mônica Benson ou Verônica Baker. - A agilidade de Kono era surpreendente, enquanto ela falava e digitava, a foto de duas mulheres viajava da nossa larga mesa até o monitor a nossa frente.
- Verônica Baker, é ela. - Chin reconhecera os cabelos loiros de nossa vítima, e eu me incomodava porque de vez em quando, McGarrett ainda me olhava torto.
- Ela... ela é local? Quem é o noivo? - Gaguejei e me matei mentalmente por isso, porque agora ele me encarava sem nem ao menos tentar disfarçar.
- Duas perguntas?! - Ele abriu as mãos em minha direção, como se fosse um absurdo eu ter lá minhas dúvidas sobre o cadáver de uma desconhecida.
- É, duas perguntas! - Respondi seco.
- Respondendo a sua primeira pergunta, ela é de... Denver, Colorado! - Disse Kono, seguida por Chin.
- E o noivo é... Scott Denpsem, também de Denver.
- Por que os dois sairiam do Colorado e viriam se casar aqui?! - Questionei indignado.
- Porque aqui é o Hawaii, Daniel! As pessoas se casam aqui!
- É perito em casamentos agora, Steven?!
- Hoje vai ser um longo dia... - Chin balançou a cabeça negativamente, enquanto a apoiava entre os dedos.
- Você e Kono, chequem se algum dos noivos tinha parentes locais, e descubram tudo sobre suas vidas em Denver. Danny e eu vamos falar com o Scott.
- Tomara que não se matem no caminho... - Escutei Kono mencionar, antes de eu esbarrar em Steve na porta.
- Você primeiro! - Dissemos ao mesmo tempo.
Chin estava certíssimo, aquele seria um longo dia!
...
- Posso... dirigir meu carro uma vez? - Perguntei já arrependido, me sentindo um garoto de quinze anos.
- O quê?! Você. Dirigir? É claro que não. Preciso aprovar os novos pneus. - Dizia McGarrett com a voz calma e um sorriso cínico, enquanto se sentava no banco do motorista.
Foi quando algo muito ruim foi despertado dentro de mim e o nome daquilo era ódio.
- Tá bem, então boa sorte com o Scott! Quem sabe vocês, dois noivos, não se entendam melhor e ele te conte exatamente porque a noiva dele morreu!
- Danny... - Steve deveria estar brincando ou me irritando, mas ele tinha aqueles olhos tristes, que me deixaram assombrados pela ideia dele compreender o que eu sentia. - Danno! Vem... eu preciso de você...
- O juramento. - Disse, emburrado, enquanto me sentava no banco do passageiro.
- Que juramento? - Eu não podia encará-lo, pois se visse aquele sorriso insolente outra vez, eu faria alguma besteira incorrigível.
- Tô indo pelo juramento que fiz quando me tornei policial. Não por você!
- Para com isso, Danno... você me ama.
- Não... não me chama de Danno... - Fechei os olhos, com o punho cerrado, ainda incapaz de olhar pro sorriso insosso que eu sabia que se instalava com precisão no rosto dele.
...
Chegamos ao hotel onde Scott Denpsem estava hospedado, o encontramos de terno, com um sorriso inocente no rosto e um par de aliança nas mãos.
- Scott Denpsem. - Pelo rosto afetado de Steve, ele ainda formulava como devia dizer aquilo, eu estava mais certo que pensei, eles eram dois noivos e Steve estava criando uma certa empatia pelo cara. - Comandante Steve McGarrett, esse é meu parceiro, Detetive Danny Williams. Precisamos saber... qual foi a última vez em que viu sua noiva?
- Está tudo bem com a Verônica?!
Qualquer um se assustaria com a abordagem pouco sutil do Steve, isso não significava nada.
- Só... responda a pergunta, por favor?
Me perguntei desde quando Steve pedia por favor a um suspeito.
- Bom... nós chegamos ao Hawaii há três dias, nos instalamos no Ewa Hotel, mas hoje muito cedo eu tive que mudar de hotel, pra que não pudesse ver Verônica vestida de noiva, antes da hora, vocês sabem, a tradição.
- Onde esteve a partir do momento em que deixou Verônica se arrumando no Ewa Hotel?
Steve me olhou torto, por causa de minha abordagem, mas é claro que ele havia se esquecido que naquele momento Scott era o nosso único suspeito.
- Aqui. Peguei um táxi e vim direto. O que está acontecendo? Onde está minha noiva?! - Ele se exaltou, e assim Steve deu a má notícia. Scott parecia assustado, com medo e triste, mas o que me chamou a atenção é que ele também estava com raiva, e aquele era o momento certo para lhe fazer perguntas e quem sabe vê-lo titubear.
- Me diz, Scott, como vocês se conheceram?
- Sério?! Isso importa agora? - Ele retrucou enfurecido.
- Só... responde a pergunta dele. - Disse Steve com aquele tom de voz sereno que tanto me irritava.
- Faz um ano, eu... saia sempre pra comer e as vezes não tinha companhia, então numa manhã, comecei a conversar com a garçonete loira que me servia há semanas e... acabei me apaixonando por ela.
...
- O que está te incomodando?
- Além do Hawaii e de não poder dirigir meu carro?!
- Achei que tínhamos resolvido isso há anos, Danny...
- Tá, fora isso... O nosso único suspeito... com certeza tá mentindo.
- Como assim? A história pareceu real pra mim...
- Olha só, quando eu te conheci, eu tinha acabado de me perder numa estrada próxima do porto de Pearl Harbor, eu tava muito, muito chateado porque não conseguia encontrar o presente perfeito pra Grace, e muito menos conseguia aceitar o fato de morar aqui...
- Isso você não aceita até hoje.
- Cala a boca, Steve. Então, logo depois que encontrei meu caminho de volta, eu achei um restaurante horrível que parecia um lugar abandonado, o nome era... Fizzie's, e comi uma fatia de pizza de calabresa com gosto de sola de sapato. Depois que te conheci e levei aquele tiro, passei no hospital pra dar uma olhada no ferimento, saindo do hospital, eu encontrei um outro restaurante, okay que não era uma pizzaria de New Jersey, mas tinha cachorro quente de todo tipo e ao lado, uma loja de brinquedos. A Grace não ligou pro coelho gigante que comprei pra ela, mas o cachorro quente, Steve? Ah, nem você resistiria a um molho daqueles! Foi aí que eu percebi que... não odiava tanto você quanto eu pensava!
McGarrett deu início a um sorriso gradativo, seus olhos foram se esmagando até que o sorriso se tornou largo, espontâneo e lindo. Steve era um Seal, não fazia o tipo que ria para as paredes, mas quando abria aquele sorriso, era como ver o sol nascer após uma semana tempestuosa, e eu odiava o fato de que eu sabia exatamente como arrancar sorrisos assim dele.
- Eu... devo ficar lisonjeado?
- É claro! O ponto aqui é que quando você conhece alguém que... muda a sua vida por completo, você se lembra de cada detalhe, se eram lírios ou orquídeas na mesa do restaurante, se a toalha era rosa ou azul.
- É... na verdade, o Scott foi realmente vago... mas por que ele mentiria sobre o modo em que se conheceram?!
- Talvez não queira que a gente soubesse como foi, talvez tenha vergonha de como se conheceram, mas... com um corpo envolvido, nós precisamos da verdade.
- Danny?
- Oi?
- Mudei sua vida por completo?
Sem pensar, encarei Steve e senti meu rosto queimar, engoli a seco e soube que ele podia perceber o quão vulnerável eu estava naquele instante, então seu telefone tocou, era Kono, e eu a devia uma por isso.
- Eh... Kono? Pode dizer... - Disse ele, docemente desconcertado.
- Chefe! Max encontrou DNA na pulseira da noiva, e uma digital na teara, e advinha só, não são dela. O DNA não bate com ninguém do sistema, mas a digital pertence a Bernard Parker, ele mora em Denver, mas chegou há três dias em Honolulu, está no hotel...
- Ewa?
- É isso aí, chefe! - Respondeu Kono com estranhamento.
- Danny, vamos precisar de um quarto...
- Ops! Kono desligando...
- Não foi isso que eu... quis dizer... - Ele tentou se corrigir, mas eu só conseguia abafar meu sorriso contra minha camisa listrada.
...
O clima dentro do Camaro não estava mais tão pesado, mas hora ou outra eu acabava com os olhos vidrados em algum detalhe dele, então me lembrava de que ele iria se casar, provavelmente ter mini-Seals e ser feliz.
- Bernard Parker? Five-0, abra essa porta!
- Pshi... - Bloqueei seus lábios com meu indicador, e vi Steve me encarar, ele passou a língua pelos lábios, assim que meu dedo os abandonou, e eu me esqueci de que estava pressionando a campainha do quarto.
- Pois não? - Um jovem de estatura baixa abria a porta, retirando os fones de ouvido da cabeça, eu e Steve distraídos nos assustamos com o garoto e acabamos, num reflexo, sacando nossas armas em sua direção, e assim, o rapaz com camisa de super-herói correu como um louco e se jogou pela janela.
- Por que eles sempre correm?! - Disse Steve em negativa.
- Porque são estúpidos. Vamos! - Corri para o elevador, mas vi Steve correr na direção contrária. - Steve. NÃO! - Mas era tarde demais, o vidro quebrado desenhava cortes pelos seus braços, enquanto ele voava do terceiro andar. - Idiota... idiota... idiota...
...
De punhos cerrados, esmurrei a parede do elevador por três andares, depois eu que corri como um louco, para encontrar o nosso suspeito, mas também porque eu ainda era outro idiota que não sabia não se preocupar com ele!
Chegando ao saguão, já notei pessoas com olhos esbugalhados observando o movimento, eu sabia que no fim daquela trilha de loucura, estaria Steve, e lá estava mesmo, de joelhos na grama imobilizando o suspeito que gemia de dor.
- Qual é a droga do seu problema?! Você vê uma janela e de repente tem que se jogar por ela?!
- Nem vai perguntar se estou bem, Danny? - Ele me olhava com olhos de piedade, e quem sentia mesmo dor era eu nos ossos de minhas mãos!
- É claro que não, Steven!
Ele deu um breve sorriso torto. - Traz ele, Danno.
...
Duke e seus homens não demoraram a aparecer, é o que chamo de efeito McGarrett, mas naquele momento foi bom vê-los porque assim ficaram de olho no Bernard, enquanto eu e Steve íamos até o quarto da vítima.
- Limpo.
- Tudo limpo.
- Parece que um furacão passou por aqui. Provavelmente ela tentou se defender...
- Sério Steve?!
- O quê?
- Não teve briga nenhuma.
- Tá falando do quê?
- Que não teve briga.
- O quê? Olha só esse quarto! Tá uma bagunça...
- Tô dizendo que sei de duas coisas sobre casamento. A primeira é que você deve evitar até a morte, e a segunda é que onde uma mulher se arruma, o resultado é exatamente esse aqui! Roupas esparramadas pelo quarto, toalhas caídas, sapatos jogados, é isso aí.
Steve me encarava com tamanha indignação, que me fez repensar em minhas palavras, daí eu me toquei sobre a primeira coisa que havia dito, e me lembrei que ele ia enfim... se casar. Mas que droga!
- Então... ela saiu daqui por vontade própria.
- É... se o assassino esteve aqui, não lhe parecia ameaçador... ou ela o conhecia.
- Precisamos falar com Bernard Parker. Agora!
...
- Não vou perguntar duas vezes. Onde você esteve essa manhã? - Disse Steve com as mãos na cintura.
- O que tá acontecendo? Eu devo chamar um advogado?!
O tal do Bernard parecia uma criança assustada, e Steve não estava ajudando em nada, enquanto o encarava como se fosse começar a torturá-lo a qualquer momento com canivetes e outras coisas horríveis.
- Garoto... só responde a pergunta dele.
Steve me fuzilava com os olhos, eu nem precisava me virar pra ele para saber disso.
- Eu... não consegui dormir bem a noite, quando levantei ainda tava escuro... recebi uma ligação por volta das nove, de uma amiga, Verônica, e fui me encontrar com ela noutro quarto do mesmo hotel, voltei pro meu quarto cerca de meia hora depois e não saí mais, então vocês apareceram com essas armas...
- Alguém pode confirmar o horário que voltou pro quarto? - Questionou Steve.
- Bom... ninguém me viu voltar pro meu quarto, mas tem a Verônica, ela pode confirmar o horário que eu estive com ela... Mas do que se trata? Eu estou encrencado?! Porque... eu não fiz nada, nem moro aqui...
- Na verdade, Bernard, você está. Sua única testemunha foi encontrada na mata essa manhã, e você parece ser o último a vê-la com vida.
- O quê? Minha testemunha... do que você tá falando? - Seus olhos não se desviavam mais de Steve, aterrorizado, o garoto não conseguia juntar as peças e entender o que Steve dizia, meu instinto e minha experiência concordavam em dizer que era apenas seu sistema de defesa bloqueando aquela dor.
- Sabe do que eu tô dizendo. Verônica Baker foi assassinada essa manhã. - Esclareceu Steve, frio, idiota, insensível.
- Verônica?! - Há um metro de distância pude ver sua pupila se dilatando, seus olhos se afogaram em lágrimas, seus dedos tremiam e ele não parecia conseguir respirar direito. - Meu Deus... NÃO! Verônica!!! VOCÊ ESTÁ MENTINDO! VERÔNICA ESTÁ BEM! EU... PRECISO IR ATÉ O HOTEL...
- O garoto se debatia tanto que a cadeira em que estava sentado não parava de rangir, ele continuou gritando, enquanto Steve, surpreso, não soube o que dizer.
Caminhei de uma só vez em direção a porta e saí.
...
- Danny... Danny?
Parei do outro lado da porta, com a mão de Steve em torno do meu antebraço.
- Onde você vai? Temos que interrogar o suspeito!
- Então primeiro encontra um suspeito! O garoto está em choque, não fazia ideia de que a amiga tá morta!
- Tá... mesmo que ele estiver falando a verdade...
- Ele está! Você sabe disso!
- Okay, mas temos que ver o que ele sabe mesmo assim. Você sabe disso...
- Olha... só dá dois minutos pro garoto... - Pedi no tom mais doce possível.
...
- Trouxe isso para mim? - Steve implicava com o copo d'água que eu levava para o Bernard.
- Até onde sei, você é perfeitamente apto para buscar sua própria água!
Bati a porta. Sim, naquela altura do dia eu já estava irritado com a mania de Steve de discordar de mim, de fazer coisas impensadas e não me ouvir.
- Você... tá se sentindo melhor? - Entreguei o copo à Bernard e ignorei Steve bufando em meu calcanhar.
- Na verdade... não... não consigo acreditar que a Verônica... ela... não...
- Olha só, eu entendo que seja difícil para você, mas...
- Não, você não entende...- O olhar dele parecia uma luz apagada. - Eu amo a Verônica. Eu sempre amei e agora... - Ele soluçava entre as palavras.
- Acredito em você. - Respondi, eu precisava ganhar a confiança dele, mas acima disso, eu acreditava mesmo nele. - Mas enquanto conversamos, quem fez isso com ela, está por ai. Precisamos da sua ajuda, Bernard.
- Notou algo de estranho no comportamento dela hoje? - Perguntou Steve.
- Não. Quer dizer... - Bernard vagou o olhar pela sala, então um leve sorriso brando cruzou sua face. - Ela me beijou... ela nunca tinha feito nada parecido...
- Como assim ela te beijou?! Ela ia se casar em algumas horas! - Steve se indignou.
- Não é o que está pensando! Ela não era assim! Vocês não entendem... Conheci Verônica quando tínhamos cinco anos, nós crescemos juntos, aprendemos a somar e diminuir juntos, fomos vizinhos durante toda a nossa vida, e eu sempre, sempre fui apaixonado por ela! Ela sabia disso, sempre soube... quando ela me chamou pra ir até o quarto dela, nunca imaginei que Verônica me beijaria, mas quando ela fez, eu soube o que ela estava fazendo, se despedindo, era apenas isso. Ela me disse "Bernard... hoje eu me caso. Não tive uma despedida de solteira, então acho que talvez eu possa...".
- Se você é apaixonado por Verônica, por que diabos veio para o Hawaii durante o casamento dela?!! - Não sei como minha pergunta ajudava na investigação, mas eu precisava mesmo saber.
- Porque... ela me pediu e eu tinha que vir... Verônica... sempre foi tímida, ela nunca teve sequer um namorado, foi um susto quando ela resolveu se casar com um cara que ela conheceu há alguns meses na internet...
- Hey, garoto! Como assim conheceu na internet?!
- Foi onde Verônica conheceu Scott. Desde criança que o sonho dela era descobrir quem era o seu pai, recentemente a mãe de Verônica morreu, então tudo o que sobrou foi o sonho de conhecer o pai, Verônica procurou por detetives particulares, e encontrou o contato do Scott na internet, então eles marcaram...
- Se... o que diz é verdade, por que você correu e se jogou pela janela quando chegamos? - Perguntou Steve.
- Dois caras com armas apontadas pra mim?! Eu achei que o Scott tivesse mandado vocês. Há alguns meses, quando eles começaram a namorar, o Scott me... bateu, me mandou ficar fora do caminho dele... por ciúmes... quando abri a porta e vi vocês com as armas, achei que ele tinha me descoberto, descoberto que vim para o Hawaii e até sobre o beijo!
- Quer dizer que Scott é um investigador particular e foi assim que eles se conheceram? - Perguntei em voz alta, para que Bernard confirmasse com todas as letras aquela questão, e para que Steve se lembrasse de que eu não confiei em Scott Denpsem nem por um segundo.
- Sim! Exatamente.
- Ele conseguiu? Encontrou o pai dela? - Questionou Steve.
- Não... - Vi o olhar decepcionado no rosto de Steve. O assunto pai ainda o assombrava. - Escolhemos fotos do passado da mãe de Verônica, ela levou as fotos até Scott, mas disse que ele não pareceu nada confiante de que resolveria aquilo. As fotos eram velhas e Verônica só tinha como pista uma sigla numa agenda antiga, J.B. Alguns dias depois, Scott reapareceu, achamos que ele tinha descoberto algo, mas ele só queria chamar Verônica para um encontro, disse que não conseguia parar de pensar nela desde então...
- Precisamos falar com Scott Denpsem. - Admitiu Steve, me encarando.
...
Eu queria batucar no painel do carro, mas até o rádio tinha que estar desligado, quando Steve me observava entre uma curva e outra. Eu estava calado e sabia que era questão de tempo para um novo interrogatório despontar entre nós.
- Danny... pelo amor de Deus... só fala de uma vez!
- Não tenho... nada pra falar... - Desviei os olhos de sua camisa semiaberta.
- Nem um eu te avisei?!
- É... eu bem que te avisei... - Tentei brigar, mas minha voz parecia o vento escapando de um balão desamarrado.
- Já chega. Me diz a verdade, qual o problema?
...
Chegamos ao hotel antes de eu ser obrigado a inventar uma resposta qualquer pra aquela pergunta. Levamos Scott sob custódia até nossa sala azul, e eu não consegui parar de pensar na pergunta do Steve. A verdade? A verdade era confusa demais pra se entender, quem dirá explicar.
Eu podia insistir em dizer que era a coisa toda do casamento, ver meu melhor amigo juntar os trapos com alguém tão impulsivo quanto ele, sentir que eu estava enfim sobrando onde havia me convencido de que era minha casa. Mas não era só isso. Ele havia dito mais uma coisa, palavras que eu não soube lidar. Steve havia me convidado para a cerimônia, para estar no altar ao seu lado, levar suas alianças e ser... o seu padrinho de casamento. Eu, justo eu!
...
- Me ajuda a ligar os pontos, Scott. Uma garota do Colorado morreu, ou melhor, foi assassinada, numa ilha, onde ela não conhecia ninguém, ninguém além de... você!
- Vai me acusar por falta de opções, detetive?
Era oficial. Eu odiava aquele cara.
- Por que mentiu pra gente, Scott?
E odiava Steve por ele não odiar o Scott.
- Não menti para vocês... eu estava mesmo no hotel!
- Chefe? - Kono acenava para Steve ir até a porta da sala azul.
- Por que não disse que era detetive particular, Scott? - Eu continuava meu trabalho, enquanto Steve recebia novas informações de Kono na porta.
- Porque ele não é. - Disse Steve com um olhar ameaçador. Scott se encolheu e passou a língua entre os lábios, havia sido pego por algo, eu podia notar nos olhos de Steve que ele tinha uma carta na manga.
- Okay... me pegaram... não tenho licença, por isso não contei que trabalhava como detetive... mas não matei ninguém, eu juro!
- Ninguém? É assim que você se refere a sua noiva? - Questionou Steve, me entregando um envelope.
- Olha só isso... - Assobiei impressionado. - Então quer dizer que você gosta de se apaixonar por mulheres indefesas, e depois aplicar golpes pra zerar as contas delas e sumir no mundo, Scott Denpsem ou devo dizer, Carter Rivera?
- V-vocês não entendem... eu mudei, não faço mais isso!
- Quer saber, Carter... acho que já ouvi essa história. Uma identidade falsa como detetive particular era um ímã para encontrar suas vítimas perfeitas, certo?
- Okay... no começo era isso mesmo, sabe, quando alguém procura um detetive particular é porque está vulnerável, se sentindo sozinho, abandonado ou traído. - Aquele ele o verdadeiro Carter falando, então ele mudou, suavisou a expressão. - Mas Verônica, com ela era diferente, realmente me apaixonei por ela, isso é verdade!
- Se isso é verdade, tá na hora de abrir o jogo!
- Vou colaborar com vocês... mas juro, é tudo o que sei...
...
- Max finalizou a autópsia. - Chin jogava para a tela a nossa frente, a imagem de Max no Skype.
- Olá adorável equipe!
- Max! O que conseguiu sobre Verônica?! - Steve o apressava, corrompido por seu espírito competitivo.
- Bom, sinto não poder ajudar, a causa da morte foi um disparo único direto no coração, as queimaduras em torno do ferimento de entrada indicam que foi a queima roupa, não há sinais de luta ou qualquer indício de envenenamento, ela não foi amarrada, acredito que conheça seu assassino.
- Obrigado, Max!
- Continuamos com os nossos dois suspeitos. Carter ou Bernard, façam suas apostas. - Concluí, provocando o olhar julgador de Steve.
- Já que o que aproximou os noivos foi a busca pelo pai da Verônica, pedi ao Jerry para analisar o passado da família e quem sabe descobrir mais sobre o pai da vítima. - Disse Chin.
- Ótimo. Kono, checa se a balística nos ajuda nesse caso. Danny e eu vamos...
- Espera, Chefe... - Dizia Kono. - Olhem só para essa imagem. - Kono deslizava da mesa para a tela grande a nossa frente, uma foto do rosto de Verônica, pós mortem. - Olhem bem, o que falta nessa foto?!
Chin observava Kono sem saber o que dizer, enquanto eu e Steve trocamos um belo olhar constrangedor e inútil.
- Okay, rapazes! O cabelo está perfeito, a roupa, sapatos, véu, mas falta algo, onde está a maquiagem?!
...
Kono, com sua genialidade feminina, descobriu que Verônica havia contratado uma agência de casamentos para organizar todos os detalhes da cerimônia, essa mesma agência providenciava a equipe de estética para cuidar da noiva.
Nā Invitation, era onde chegávamos naquele momento.
- Já pensou em se casar outra vez?
- Não, Steve. Sabe que eu prefiro nadar com tubarões.
- Mas você sabe que eu vou me casar...
- Percebi isso ontem quando colocou o anel no dedo dela...
- E você, Daniel, nunca mais foi o mesmo comigo...
Meus dois segundos de atraso não me ajudaram em nada.
- Eu?! Okay, fiquei surpreso?! Claro! Mas estou... feliz por você... amigo.
- Danny... se você acha que vamos nos afastar... que algo vai mudar... entre nós... não vai acontecer... você é...
- Seu parceiro. E nós estamos no meio de uma investigação policial, então tenta deixar isso pra depois, por favor, eu tô pedindo por favor!
- Okay... - Estava claro como o sol que aquela conversa apenas havia sido adiada, e eu sabia que para muito em breve. Mas cada segundo longe do Steve me tratando como um cão que se sente trocado por um bebê, era lucro.
...
- Boa tarde! Em que posso ajudá-los?!
- Comandante Steve Mcgarrett, meu parceiro, Detetive Danny Williams. Reconhece essa mulher? Verônica...
- Baker! Meu Deus! O casamento dela é hoje, estamos trabalhando nisso...
- Acho que não será mais necessário. - Resmunguei.
- Verônica já havia se arrumado para o casamento, quando foi assassinada essa manhã. Mas aparentemente, a maquiadora não apareceu. Sabe se Verônica a dispensou?
- Meu Deus! Assassinada? Eu mesma atendi Verônica ao telefone há algumas semanas, maquiagem sempre esteve incluso no pacote. E Lilian deveria ter ido até a casa dela, maquiá-la... na verdade, o mais estranho é que consta no meu sistema que Lilian passou seu cartão hoje de manhã, às 06. Não imagino porque ela não apareceu, não fomos avisadas sobre isso...
- Precisamos do endereço dessa maquiadora! - Disse Steve, enquanto eu mandava uma mensagem para que Eric viesse até a agência vasculhar as gravações das câmeras de segurança.
- É claro... só um segundo. - A mulher ruiva teclava no laptop branco sobre o balcão, até que a impressora ao lado rangiu e um papel foi cuspido. - Aqui!
- Obrigado! - Disse Mcgarrett. Seus pés deveriam estar se virando, e como eu ele devia caminhar até a porta, mas estava parado como um poste.
- Steve? - O chamei.
- Só mais uma coisa, moça...
- Margareth.
- Margareth... aqui diz que vocês fazem o casamento ao ar livre mais barato da cidade?!
- É isso mesmo. Está pensando em se casar, Comandante?
- Na verdade... sim... - Ele me olhou sonhador, feito um idiota.
- Steve! - Chamei sua atenção, e sua feição parecia um tanto quanto desastrada.
- Só um minuto. Parece interessante!
- Steve, não temos tempo pra buquês e ternos e... essas bobagens agora!
- Não são bobagens! É o dia...
- Não completa essa frase, ou eu juro que atiro em...
- Realmente não tá feliz com isso...
- Eu sabia que você não ia esperar a hora certa!
- Pra conversar? Ou pra casar...?
- Pra... quer saber? Temos a droga de um crime aqui!
- Você está desviando do assunto. Pela segunda vez!
- Posso enviar um e-mail com todos os detalhes do casamento na praia, vocês estão ocupados agora, mas dá pra perceber a química aqui... isso é amor de verdade, mesmo numa agência de casamentos, não é algo que se vê todo dia...
- Não... ele... não é meu... meu noivo... eu detesto casamentos...
- Por isso não te pedi em casamento, só pedi que fosse meu... meu padrinho!
...
Não sei porquê diabos Lilian Spina resolveu morar há sete quilômetros do trabalho, mas aquela foi a viagem mais desagradável da minha vida. Ouvir estática no rádio teria sido mais divertido que ouvir a respiração pesada dele, intercalada por grunhidos e suspiros em meio ao tráfego, aos sinais vermelhos que fingíamos não ver. A sirene foi ligada no meio do caminho, mas eu sabia que seu único desejo era sair logo dali, o Camaro se transformava num armário, e ficava cada vez menor.
- Five-0... - O nariz de Steve tocava o vidro da porta.
- Steve? - Ele se preparava para arrombar a porta, caso ninguém aparecesse para abri-la, mas ao triscar a ponta dos meus dedos na maçaneta, ela se rendeu e se abriu.
- Péssimo sinal. - Resmungou Steve, com o olhar fixo do outro lado da porta, de onde ele já me pedia cobertura. Engraçado que em silêncio, com uso de gestos, pequenos sinais, parecia ser a única maneira onde conseguíamos não brigar. Em meio a uma cena de crime, podíamos nos entender, era fácil, só fazer ele ficar vivo até o dia acabar e tentar não levar tiros também. Sem sentimentos complicados. Como nós podíamos ter um futuro assim...
A sala está vazia e sem sinal de luta, toco seu ombro, para que ele saiba que pode se aventurar pelo corredor a sua esquerda, e sinto os pelos de meu braço se arrepiarem dolorosamente.
- Limpo.
- Limpo... Danny?
Toda a casa estava deserta, a menos pela porta onde Steve me mostrava uma perna caída pela cama. Entramos com nossas armas engatilhadas, e logo as guardamos.
- Deve ser a Lilian... o que acha? Ressaca?
Mas Steve não me respondeu. Seu indicador e médio tocaram o pescoço da mulher, ainda de vestido justo e sapatos de salto, sobre a cama.
- Tem pulso.
- Ah... - Ela gemeu se contorcendo na cama, e levando a mão as pressas a sua testa. - Ai meu Deus! QUEM SÃO VOCÊS?! O QUE QUEREM? NÃO ME MACHUQUEM!
- Lilian Spina? Somos da Five-0! Eu sou o Comandante Steve Mcgarrett, você está em segurança!
- Por que... estão aqui? O que aconteceu?
- Verônica Baker aconteceu. - Comecei a falar e fui interrompido.
- Ah meu Deus! Já passa das duas! Eu devia estar cedo no trabalho, devia ter maquiado Verônica! Mas perdi a hora... espera só um instante, vocês não invadiriam minha casa só porque não apareci no trabalho!
Steve se sentou na beirada da cama - o que eu achei desnecessário - e contou a Lilian sobre o assassinato. Eu devia estar compenetrado naquele assunto, devia estar focado, mas só conseguia me irritar por ele estar sentado sobre aquele móvel. Tão próximo!
- Er... Lilian, onde esteve ontem a noite?
- Uh... No Jimmy's, é uma boate há duas quadras daqui. - Steve assentiu. - Não entendo, estou zonza, minha cabeça dói, mas eu... não me lembro o que houve, lembro de tomar um único drink e... então vocês apareceram aqui.
- Sua porta estava aberta quando chegamos, e pelas suas roupas e essa dor de cabeça, duvido que tenha sido você a passar seu cartão na catraca da agência hoje as seis da manhã.
- Meu cartão? O que quer dizer?
- O que... ele está dizendo... - Steve se pôs a explicar.
- Detetive! - Corrigi.
- O que o detetive está dizendo... é que alguém roubou o seu cartão, provavelmente depois de dopar você, e que isso pode e deve ter ligação com o assassinato da Verônica.
...
De volta a sede da Five-0, eu jurava para mim mesmo nunca mais entrar num carro com Steve Mcgarrett. Eu podia muito bem dirigir meu carro, ele ficaria no volante do seu Silverado e provavelmente tudo daria errado porque acabaríamos apostando corrida de rua.
- Kono foi checar a balística. - Disse Chin. - Tiveram sorte com a maquiadora?
- Pedi para o laboratório colher uma amostra da maquiadora, aparentemente ela foi dopada e roubaram seu cartão da agência, peça para Max analisar o resultado da coleta o quanto antes.
- Certo. Mas por que alguém iria querer o cartão da maquiadora?
- No escritório dela havia todos os registros sobre Verônica, telefone, hotel. - Disse Steve.
- Além disso, talvez alguém tenha usado a falta da maquiadora pra atrair Verônica a algum lugar. - Completei.
- Faz sentido, uma mulher sem maquiagem há poucas horas do casamento!
Chin se distraiu naquela ligação. Kono ainda não havia voltado, nada de Jerry por perto com conspirações loucas, ou Eric sendo um idiota. Aquele era o dia de folga de Lou, e eu queria matá-lo por não estar ali falando sobre rosquinhas ou malassadas, qualquer coisa entre mim e o olhar de Steve. Nossos recrutas não foram chamados hoje, e era isso, eu... e Steve.
- Okay... - Respirei fundo e tentei encarar suas retinas. - Eu não devia ter dito aquilo lá na agência, então... fala logo o que você quer dizer, porque duvido que consiga soltar raios lasers pelos olhos, como tá tentando fazer.
- Tá dizendo que eu sou agressivo?! Me corrija se eu estiver errado, e eu não tô, mas pelo que me lembro você ameaçou atirar em mim!
- Eu não... não disse que era em você! Só estou cansado e... você não está focado como sempre. É isso, falei!
- Eu não estou focado?! É você quem está distraído e calado o dia todo! E olha só, você usou a morte de uma garota, só para fugir de uma conversa importante! Duas vezes!
- Tá dizendo que sou insensível?!
- É isso aí! Tô dizendo que você é muito insensível!
- Quer saber, Steve? Eu tô cansado... tô cansado de você não me ouvir e não me enxergar, não pensar em mim...
- Penso em você o tempo inteiro, Danny! Isso é... ridículo!
- Se pensasse mesmo, saberia que sou eu, o maldito insensível aqui que cuida de você quando ela resolve ser necessária do outro lado do planeta! QUANDO VOCÊ TÁ MAL... SOU EU QUEM CATA OS SEUS PEDAÇOS!
De repente, me vi de pé na sede, com os braços trêmulos ao ar ao fim de alguma gesticulação. Steve, assustado, era tudo o que eu podia ver, então notei Chin girando as órbitas dos olhos, olhando ao redor, desejando ser invisível, pois era educado demais para deixar de fingir que não podia ouvir meus gritos.
- Danny... Danny... - Seu tom parecia triste, mas eu não sabia de seus olhos, pois andava, ou melhor, eu fugia as pressas até minha sala.
- Vou... procurar por... pistas. Ainda não temos... pistas. Isso, pistas. - Disse Chin, desconcertado, fugindo, como eu.
- Bernard! - Steve rosnou segundos depois. - Ainda o último a vê-la com vida, ela conhecia seu agressor, ele sempre foi apaixonado por ela. Ele só pode estar mentindo... - Dava pra ouvir os passos agitados dele rumo ao corredor que dava acesso as salas de interrogatório. Não consegui mais me conter.
- Bernard... - Sibilei. - ELE É INOCENTE! ELE APENAS SE APAIXONOU! ISSO NÃO É CRIME! SCOTT, CARTER, ELE SIM É SUSPEITO! VOCÊ E SUA MALDITA EMPATIA POR NOIVOS! ESTÁ CEGO... SEU IDIOTA... EU... ODEIO... odeio ele, Chin... - Desabei em meu escritório, tentando conter lágrimas duras, há cada gota eu sentia mais vergonha por não estar sozinho.
- Tem que dizer a ele, Danny. - Chin estava sentado em minha frente, com um olhar acolhedor.
- Dizer o quê? O quanto odeio ele?!
- Sabemos que isso não é verdade. Mas Danny... o que você disse, sobre a Catherine, isso é verdade. Todos nós sabemos disso, fico orgulhoso por ter dito a ele.
- Chin... você precisa me ajudar! Seja o padrinho dele, por favor? Eu imploro... eu... não posso fazer isso... Deus sabe que eu não posso fazer isso!
- Danny, é você quem ele quer.
E como um biscoito da sorte, ele saiu sem dar mais explicações.
...
O que eu estava fazendo?!
Aquele devia ser apenas mais um dia de trabalho, corpos, armas, mas então eu só podia ouvir a droga do meu coração enfurecido, sem alertas ou sinais, apenas gritando, berrando que a caixa de Pandora estava aberta, seja lá o que ela vinha abrigando dentro de mim, dilacerava meu peito e fugia, criava corpo e me deixava vulnerável, uma página aberta a meus amigos, para que pudessem ler e reler, o que nem eu ousava.
Pelo vidro, vi Chin caminhar até a mesa computadorizada, ao encontro de Kono, que mal chegava e já tinha um olhar questionador quanto a expressão pesarosa do primo. Mas ele não diria nada, eu sabia. Jerry e Eric tropeçavam nas próprias pernas saindo do elevador, ambos querendo ser úteis, chegando quando eu já não precisava tanto de suas presenças.
Ajeitei minha camisa e me direcionei a equipe, decidido a focar naquele trabalho e não conjurar mais críticas da boca do McGarrett, me odiei no mesmo segundo, pois pude imaginá-lo em minha cabeça, e como eu conhecia bem aquele miserável, conhecia seu jeito de piscar os olhos com força quando queria me entender, seu jeito de perder a paciência comigo e me estudar de cima em baixo, como se estivesse pronto a qualquer momento para se arrepender por ser estúpido e me aparar no ar contra seu corpo. E lá estava ele, tão fiel quanto minha imaginação, caminhando a passos largos, de quem não havia conseguido nada com o pobre do Bernard Parker.
- Então... - Steve passava as mãos pelo rosto tenso. - Vocês tem... novidades? - Ao vê-lo tão cansado, meu coração mingou. Não era mentira o que eu pensava sobre sua noiva, eu mesmo havia procurado Catherine em outra oportunidade em que ela apareceu, eu pessoalmente pedi que ela ficasse, que não se aventurasse e destruísse outra vez as expectativas dele, ela havia me olhado nos olhos, me feito acreditar, confiar que daquela vez havia uma decisão bem tomada, que nada a levaria para longe, e no dia seguinte encontrei Steve, enterrado na própria cama ao meio dia. Jurei para mim mesmo nunca mais vê-lo assim, sem me dar conta da total ingenuidade da promessa que eu não podia cumprir, pois o anel estava no dedo dela. Mas havia mais, se Catherine não era boa namorada, quem dirá eu em ser amigo, brigando com ele por não suportar vê-lo sofrer, perdido e preso na teia de minha contradição.
- Eu... - Disseram Jerry e Eric ao mesmo tempo.
- Você primeiro! - Disse Eric, falsamente cortês.
- Não! Com certeza o meu é mais interessante. - Devolveu Jerry.
- Sério, pode... - Insistia Eric, quando Kono assumiu.
- A balística ficou de me enviar o resultado a qualquer momento.
- Certo, Kono. Eric?
- Eu... Bom, embora eu tenha lá minha prática com câmeras escondidas, quer dizer... de segurança, alguém apagou todos os registros dessa manhã!
- Isso significa que não temos imagem de quem passou o cartão de Lilian Spina?!
- É isso aí, chefe. Pra ser exato, temos a gravação de ontem, e pula direto para hoje, quando vocês estavam discutindo o casamento de vocês!
Eu estava pronto para quebrar um dente daquele sorriso idiota do meu sobrinho.
Chin me freou, se colocando em minha frente, enquanto McGarrett não esboçava nada, nenhum tipo de ódio eterno pela ousadia do meu sobrinho abusado.
- Max acabou de confirmar que havia clorofórmio no exame da Lílian. - Disse Chin.
- Eric, talvez você tenha mais sorte com as câmeras do Jimmy's, a boate, fica a duas quadras da casa da Lilian. - Disse Steve.
- Não perca tempo com conversas particulares, que não são da sua conta! Só... descubra quem foi o homem que flertou e provavelmente dopou Lilian Spina!
- Mulher. - Steve... estava me corrigindo?!
- O quê? - Questionei, e quando nossas vozes começara a revesar havia tensão no ar e nos olhos de Chin.
- É uma boate... gay. Procure por uma... mulher... - Ele respondeu.
Encarei Steve, dessa vez desarmado, surpreso, embasbacado, não consegui expor o que queria, mas Eric leu meus pensamentos.
- Como sabia que é uma boate gay?!
Um silêncio alucinante tomou conta da sede. Aquela devia ser a pergunta mais interessante que Eric já havia feito em sua vida, e Steve, simplesmente deu de ombros e não disse nada. Seus olhos se chocaram com os meus, e ele soube que eu aguardava ansiosamente por aquela resposta.
- Steve, é da balística, temos uma combinação. - Kono lhe deu a saída perfeita daquela conversa reveladora. - A arma pertence a John Burton, não é fichado, cinquenta anos, mora em Waikiki, aparentemente, ele ficou rico ainda jovem quando inventou, adivinhem...
- Um site de encontros e relacionamentos a distância!
- É isso aí, Jerry! Isso foi um grande palpite?!
- Não, bela Kono. Conheçam... o pai de Verônica!
- Jerry, se isso é mais uma conspiração... - Comecei a dizer, e ouvi Steve balbuciar, fechando os olhos num arremate:
- J.B.
- Um DNA vai ser mais assertivo. Mas minhas pesquisas apontam pra ele, seus pais se divorciaram e ele morou com a mãe em Denver por quatro anos, voltou para o Hawaii quando a mãe de Verônica tinha três meses gestacionais.
- Você estava certo... o tempo todo. - Admitiu Steve antes de sair as pressas. Por um segundo quase sorri, certo de que Steve se referia a Catherine, certo de que aquela ideia ruim havia sido abortada. Mas ao alcançar Steve na porta da sala azul, entendi do que se tratava.
- Finalmente, já estava cansado dessa solidão... - Carter dizia prepotente, quando foi interrompido bruscamente por um soco na boca. - Outch!
- Vai se acostumando com a solidão! - Disse Steve.
- Do que está falando?! Não tem nada contra mim! Sou uma vítima, perdi minha noiva...
Steve riu, sarcástico.
- Você mentiu, Carter! Mentiu para mim, mentiu pro meu parceiro, e ah! Mentiu para Verônica! Quem diria, hein? Você conseguiu, encontrou o pai dela...
- Por isso veio para Waikiki. - Steve completou minha frase.
- Mas alguma coisa aconteceu, não foi, Carter? Você não pretendia matar Verônica antes do casamento. Não parece lucrativo para um golpista como você...
- Olha, é uma boa história. E eu confesso. Confesso que omiti algumas coisas. É coisa de golpista, dos bons, como eu, eles nunca contam tudo.
- Legal! Vocês tem um código! O Steve também tem um!
E assim, Steve deu o segundo soco. Eu sabia que Carter estava envolvido, agora realmente sabia, mas além da raiva, percebi que Steve usava daquilo para descarregar sua bateria de emoções negativas.
...
- Jerry, preciso que reveja as acusações do Carter, golpes geralmente exigem um parceiro, e se encontrarmos o comparsa dele, achamos nosso cara. Chin, Kono, Danny... vamos até o novo suspeito, J.B..
Chin e Kono estavam logo atrás do Camaro, nossos telefones conectados, todos numa linha direta da Five-0, e simplesmente ninguém era capaz de dizer nada. Eu sabia que era culpa minha e do Steve, mas não tive vontade de me engalfinhar com ele daquela vez, eu queria apenas... dizer, assim como Chin havia me aconselhado, embora eu não fizesse ideia do que dizer.
- Você não é insensível. - Ele foi mais rápido.
- Saiba que... me importo com seu casamento. - Fechei os olhos, se eu não o encarasse seria mais fácil dizer. - Acho que me importo até demais com o seu casamento...
- Tulipas.
- O quê?
- Haviam tulipas na mesa de cetim azul, comi algo japonês que eu não sabia pronunciar o nome, mas tinha gosto de arroz e... de sobremesa, era... musse de maracujá... bebi uma cerveja barata e pensei no cara que eu havia acabado de conhecer na garagem do meu pai, porque naquele momento tudo o que eu queria era alguém pra dividir aquela cerveja, e de algum modo... eu sabia que... era você, Danny. - Steve dirigia com apenas uma mão, enquanto abria os dedos da mão direita, quase como se suas palavras fossem óbvias demais para serem ditas, como se ele as pudesse tocar. - Quando você tá do meu lado, eu... sinto que posso tudo... posso voar por janelas, me pendurar num prédio, mergulhar sem oxigênio, só porque quando eu voltar, sei que vai estar me esperando, e se eu me quebrar, você vai estar lá... pra me consertar... O casamento não vai ser o dia mais importante da minha vida, vai ser difícil, e assustador, por isso pedi pra você estar do meu lado ou não posso subir naquele altar... porque... não vai ser o dia... não vai haver tulipas no centro da mesa...
- Uau... - Disse e ouvi um eco em minha cabeça, na voz da Kono, então me lembrei que tínhamos plateia.
...
- Five-0! - Sem mais delongas, disse Steve para a câmera de segurança ao topo do portão largo de grades. - Abram o portão.
Rapidamente um homem vestido a rigor apareceu.
- Comandante Steve Mcgarrett! Five-0! O senhor é John Burton?!
- Não! Sou apenas o porteiro dele. Entrem, por favor.
Entramos todos sentindo que nossas armas não eram necessárias, a casa era grande, mas aconchegante, e Philip, o porteiro, nos recebia com gentileza, enquanto insistia em dizer que aquilo era um engano. Mas só nos convencemos de que ele tinha razão, ao encontramos John Burton, prostrado em sua cama, com uma sonda em seu nariz e monitores ao seu redor.
- Viram o que eu disse? Esse homem não tem condições de matar uma mosca. E mesmo que tivesse, John não é assim, é incapaz de fazer mal a alguém.
- Philip, precisamos falar com ele, saber se ele soube da existência de Verônica, sua filha. - Disse Steve.
- Filha?!! Não. De jeito nenhum. Trabalho aqui há dez anos, John sempre lamentou sobre nunca ter tido um filho, principalmente nos últimos meses, com sua saúde indo de mal a pior.
- Nos últimos meses?! - Perguntou Steve.
- John era saudável e forte como ninguém, há uns seis meses, ele começou a ter sintomas, os médicos não souberam explicar a origem do problema, mas ele... só piora desde então... está cada dia mais comprometido.
Steve me olhou e eu sabia que por trás de seus olhos, ele se perguntava se aquilo poderia ser coincidência.
- Philip, o John teve uma filha, aparentemente ele não sabia disso, e ela acabou de ser assassinada. Precisamos falar com ele, agora!
- Meu Deus! Tudo bem. Só... Comandante, Detetive. Por favor, entrem, façam suas perguntas, mas não contem a esse homem que ele acabou de perder a oportunidade de ser pai. Não podem fazer isso com ele assim...
Steve estava desolado, não sabia o que dizer, e eu sabia exatamente como sua cabeça estava uma bagunça, cheia de coisas certas e erradas se misturando numa batedeira, que ele achava ser apenas dele.
- Não. Não podemos. - Disse, sentindo os olhos de Steve, agradecido, sobre mim. - Mas... infelizmente, precisamos.
Ele assentiu, quase como um obrigado.
- Sinto muito, Philip... mais uma coisa, precisamos do laudo médico do John.
- Vocês podem conseguir com a Amanda. Ela é quem cuida dele e das coisas dele. Eu só abro as portas.
- Onde podemos encontrá-la?
- Ela saiu agora a pouco, não deve demorar.
Em uma das paredes do elegante quarto vimos algo que despertou nossa atenção. Era uma foto antiga, um casal, o jovem rapaz pouco lembrava o homem cansado sob tantos aparelhos naquela cama, John, com uma garota loira que lembrava muito nossa vítima, era um pedaço de jornal, que continha muitas lembranças.
- Boa tarde, Sr. Burton, nós realmente não queremos incomodar, mas gostaríamos de sua ajuda em um caso. - Disse Steve, um pouco alto demais, e eu quase o avisei que o cara era velho, não surdo.
- Olá rapazes! É bom ter visita de vez em quando... - Ele respondeu, antes de se entregar para uma tosse seca de pigarro insistente.
- Uh... o senhor tem porte para uma arma. Por que precisaria se defender? - Questionei, havia um pouco de indignação pessoal naquelas palavras.
- Meu rapaz, quando você dá ao mundo uma fonte ilimitada de pessoas, diversas combinações para relacionamentos em potencial... elas agem como animais, predadores, e quando uma garota bonita de New York, resolve ignorar o pretendente do Kansas, bom... alguns simplesmente não conseguem aceitar, e de repente, se foram desprezados, a culpa é toda minha...
Queria que John estivesse sendo paranoico, mas sei bem que nesse mundo doido, isso é normalidade. John afirmava que embora tivesse sim uma arma, ela estivesse criando teia de aranha no cofre, mas ao inserirmos a senha, não encontramos nada além de uma caixa vazia, sem arma, sem pente, sem balas.
Steve se encarregava da tão difícil tarefa de explicar para um John temeroso, o que nós estávamos fazendo ali, e porquê, o que envolvia sua filha. Eu vi quando ele sorriu ao descobrir que era pai, e também reparei que seu sorriso não durou dois segundos e tudo estava desmoronado, acabado para ele. Steve parecia uma casca vazia enquanto destruía a vida daquele homem, eu não conseguia abrir minha boca e encontrar palavras ou tons mais doces que o dele, então apenas o encarava, e entrelaçava com força meus dedos sobre o cinto de minha calça, por vezes, via ele me olhar de volta, pude sentir a verdade do que ele me confessara agora a pouco, eu o ajudava, apenas estando ali, existindo ao lado dele, e isso seria lindo, se não fosse trágico.
...
- Alguém com acesso a essa casa é nosso assassino. - Afirmou Kono, ao ouvir sobre a arma desaparecida.
- Sim, mas não faz sentido. Por que roubar a arma de um homem e matar a filha que ele nem sabia que existia? - Questionou Chin.
- Se estamos falando do comparsa do Carter, eles sabiam que John tinha dinheiro. Era mais fácil matar ela depois do casamento, quando ele morresse, bastavam apenas empacotar os bens e ficarem podres de rico. - Conclui.
- Philip disse que devido a situação de saúde de John, o advogado veio recentemente e alteraram o testamento dele há cerca de três dias. - Disse Steve.
- Pronto, Jerry. - Usávamos a sala de estar vazia, para atender a ligação de Jerry do Skipe e vê-lo esbaforido nos contar suas descobertas.
- Steve, você tinha toda a razão! Carter não agia sozinho, segundo os relatórios da polícia, havia uma suspeita, garota, jovem, cabelos castanhos longos e tatuagem de coroa no braço esquerdo.
- Opa?!! - Eric aparecia desastrado ao fundo. - Acabou de descrever a garota do "Boa noite Cinderela"!
- A mesma garota! Foto e nome, agora! - Exigiu Steve.
- Na verdade... - Vimos Eric se aproximar com o nariz perto demais da câmera. - Tem uma foto dela atrás de vocês agora mesmo! - Disse Eric apontando para nossos rostos, enquanto víamos Jerry dar zoom na sua tela.
...
Sirenes piscavam para todos os lados, havíamos feito o dever de casa. Sabíamos como pegar nossa suspeita e se fôssemos rápidos conseguiríamos um flagrante com a arma do crime em mãos. Kono e Chin estavam no carro, logo atrás do Camaro, pois Steve dirigia como se estivesse eternamente ligado ao acelerador. Geralmente eu estaria desesperado, gritando, berrando para ele ter um pingo de responsabilidade e não nos matar naquele fim de tarde, mas agora eu só conseguia pensar em como seus olhos estavam verdes contra a luz baixa do sol, como suas mãos se prendiam com força no volante, como seu maxilar rígido estava concentrado, como todo ele, em salvar o dia mais uma vez. Eu podia vê-lo como todo mundo, ver o herói em Steve não era lá uma missão complicada, mas eu também não podia esquecer de todos aqueles pesadelos. Já quase o vi morrer mais vezes do que sinto poder suportar, não teria aprendido o gosto amargo da impotência sem Steve e suas loucuras ao meu lado. Mas dessa vez, ele só quer se casar, ser feliz, e saber que tem seu melhor amigo ao seu lado. Eu não acho que seja uma boa ideia, mas em anos, quando foi que McGarrett me ouviu?
- Chin, Kono, evacuem o prédio, mas sejam discretos. Danny, vamos!
Steve corria pelas escadas e eu fantasiava seus passos desacelerados até o altar. Escalpos de madeira alçaram voo enquanto ele arrancava aquela porta na sola do seu sapato. E eu ainda tentava ver a doçura do sim que aquele Seal diria à Catherine, prestes a serem eternamente ligados por alguns votos.
- Amanda Walker, larga a arma! Você está presa pelo assassinato de Verônica Baker!
Sabe... essa é a nossa vida. E é difícil imaginar ternos bonitos e buquês de flores quando se está acostumado com corpos. É complicado pensar que alguém pode ser feliz pra sempre, quando uma bala tão pequena pode matar em breves segundos, matar vidas, planos, expectativas, sentimentos.
Na sala azul, Amanda negava que havia assassinado Verônica. E eu podia ter ajudado a fazê-la confessar, mas Steve? Eu não seria maluco de interrompê-lo no auge de seu vigor e brilhantismo, era lindo o modo como suas engrenagens funcionavam.
- Vou te contar o que houve. Você conheceu Carter e se apaixonou... ele tem lábia, é mais velho, esperto e te mostrou um mundo novo, onde tudo é mais fácil! Quando Verônica entrou em contato, contou o caso e mostrou a foto, vocês jamais pensaram que fosse possível encontrar o pai daquela garota. Mas a resposta estava mais perto do que você podia imaginar... No mural da sua faculdade, a faculdade que seus pais te pagavam pra frequentar, sim, nós falamos com eles, lá estava o homem da foto, de iniciais J.B. e ao lado dele a moça loira por quem ele se apaixonou, num artigo sobre sua brilhante invenção em processo inicial. Aliás, aposto que usou o fato de estudar na mesma faculdade que o John pra fazer ele cair no seu jogo!
- Não faço ideia do que você está falando...
- Vocês podiam realizar o sonho de Verônica, mas optaram pelo grande golpe. Carter seduz Verônica o mais rápido possível, e a convence a se casar com ele de forma impulsiva, enquanto isso, você vem para Oahu, implora por trabalho na casa do John Burton, vai se aproximando cada vez mais, para poder usar pequenas doses imperceptíveis de veneno e matá-lo pouco a pouco. Você só tinha que esperar Carter e Verônica dizerem sim, então Carter assassinava a esposa num trágico acidente doméstico e você administrava uma dose letal da sua droga e esperava John morrer de uma vez por todas! É lento, mas funciona!
- Tá bom... eu confesso que conheço Carter, mas não matei ninguém! E se isso fosse verdade, por que eu teria matado ela, antes mesmo do casamento acontecer?! Não faz o menor sentido isso...
- Por mais que Carter estivesse mentindo, ele... me convenceu daquela história... sobre conhecer Verônica.
- Porque era real. "Me apaixonei pela garçonete loira" - Interrompi. - Li isso na notícia sobre o jovem e apaixonado J.B. É real, só é a história de outra pessoa! Exceto pela parte sobre se apaixonar.  Você estava certo...
- Então Carter realmente se apaixona por Verônica. Ela se torna seu maior pesadelo. E você nem sabe mais se Carter terá coragem de cumprir o combinado e matar a esposa. Na verdade, ele tem outros planos, se casa, apresenta o pai a ela, ganha uma recompensa gorda e 50% da fortuna dela. E você que estava fazendo tudo certo há seis meses, sem ser pega, fica com o quê? Nada! Carter tinha razão, ele é um maldito, mas é um bom golpista...
Steve se virou de costas rumo à porta.
- Bom?! Eu fiz tudo sozinha! O Carter é fraco, estúpido, não ia conseguir matar ela, ele agiu por conveniência, e fingiu que eu não era ninguém!
- Então você teve um plano muito melhor que todos os anteriores. Você convence John a deixar os bens pra você, a pobre Amanda, você se lembra que semanas atrás, Carter te contou sobre a agência de casamentos, você se infiltra, descobre que Lilian irá maquiá-la, segue ela na noite anterior, usa flunitrazepam, rouba o cartão, invade a agência, descobre onde encontrar Verônica, liga pra ela e marca um horário depois que todos da agência já foram embora.
- É, nós ouvimos sua ligação, Amanda, ou devo dizer Lilian?
- Então você aparece na porta dela sem o equipamento de maquiagem, convence ela a entrar no seu carro, leva ela até a mata e tira Verônica de circulação, mas e Carter? Cedo ou tarde ele apareceria e começaria a te chantagear, passaria toda a vida ameaçando denunciar pro mundo que um dia você matou Verônica Baker. Por isso você precisava ir até ele, você demorou um pouco pois não sabia que ele tinha trocado de hotel, mas finalmente apareceu, e o jogo acabou. Você destruiu o sonho de um pai e o de uma filha.
- E a propósito, ninguém disse que eles não haviam se casado, ainda. Mas isso nem é tão importante, já que estão combinando seu DNA com o que foi encontrado em Verônica, e algo me diz que vamos gostar da resposta!
...
- Você tinha razão... sobre a história... do Carter.
- É... e você tinha razão sobre a coisa toda.
- Formamos um bom time afinal. - Eu estava parado na porcaria da porta da sala dele. Tudo ali dentro tinha um pouco dele, e eu me sentia mais seguro da porta pra fora, mas quando ele me olhava com aquela cara, eu sabia que era pedante ficar elogiando nossa relação disfuncional. Devia ter ido embora, mas entrei.
- Eu... devo dizer que concordo que trabalhamos bem juntos...
- Tá me provocando, Steve?!
- Eu?! Não era disso que você estava falando, Daniel?
- É claro que sim! Mas...
- Mas? - Ele já havia se levantado, e ultrapassado a mesa, aquele muro inválido entre nós dois.
- Mas... também somos bons amigos...
- Somos... bons amigos... Onde você quer chegar, Danny?
- Lugar algum, Steven. Eu tô onde quero estar. Bons amigos... que falam qualquer coisa um pro outro?
Eu queria não ter visto o peito dele inflar com vigor, quando ele se aproximou interessado em minhas palavras.
- Qualquer coisa... - Steve reduziu o volume de sua voz.
- Er... eu preciso ir. - Me virei para fugir de tudo, mas Steve conseguiu me segurar, como sempre.
- Não... Danny? Você não precisa...
...
Ser parte da Five-0 me fazia amar meus sábados, ou a maioria deles. Ficar sentado como uma pessoa normal, fingir não ter que lidar com bombas e armas o tempo inteiro. Embora eu adorasse aquela confusão, prender os bandidos, mudar a vida de um punhado de pessoas. E tinha o Steve... hoje eu não teria que olhar no fundo dos seus olhos verdes e ficar perdido entre a sensação de querer socar ele e protegê-lo do mundo inteiro.
Sem qualquer sinal de alarme, minha porta foi aberta, saltei do sofá arrependido por meu pensamento utópico de paz, alcancei o coldre e...
- Steve?!!
- Hey, babe! Sou eu... tudo bem?
- Tudo bem?! Fora a minha casa sendo arrombada pela manhã?!! Como entrou aqui...
- Chave de emergência... não queria te acordar ou te assustar. - Era aquele seu sorriso de novo, fazia os músculos em torno de seus olhos se enrugarem, as pupilas se contraiam e eu não sabia porque não podia evitar corresponder.
- Uh... E qual seria a emergência?
Ele se aproximou de mim, eu podia sentir o cheiro salubre do mergulho que ele dera antes de vir até mim, podia imaginar a água por seu corpo e isso me tirava a paz.
- Você tem... - Ele passou o polegar na pontinha da língua, e trouxe o dedo úmido para o canto de minha boca. - um pouquinho de creme dental aqui...
Um espasmo breve martelou dento de mim, vindo do seu toque molhado.
- Steve... - Eu devia obrigar ele a sair? Dar um soco em seu belo rosto? Perguntar o que diabos ele pretendia com aquilo? Eu não fazia ideia. Era tudo o que eu vinha fazendo ao lado de Steve nos últimos tempos; não saber o que dizer, fazer, pensar. Um idiota condescendente que só conseguia fugir... - Eu... sinto muito... Mas estava de saída.
Suas pernas deram um passo para trás, longe de mim.
- Você vai sair com a Amber?!
- O nome dela é Melissa.
- Tipo um encontro?
- Tipo... O quê?!
- Okay... entendi, você não tem mesmo que me dar explicações!
O sarcasmo em sua voz era totalmente incompreensível, aquilo ia me enlouquecer!
- Steve?
- Esquece... vou chamar um Uber, ou fazer uma caminhada, quem sabe...
- Steven! - Chamei bravo e consegui a atenção de seus olhos decepcionados. - Não é um encontro...
- Não? - Seus olhos se ascenderam.
- Não... Eu fiquei de ver o John, John Burton.
Steve, animado como uma criança, apanhou as chaves do carro sobre a mesa e sorriu abertamente.
...
- Por que vamos ver o John?
- Eu fiquei devendo um favor... Afinal de contas, onde está o seu Silverado?
- Na garagem. Onde mais?!
- Como sempre! Por que você aparece na minha casa pela manhã sem avisar e sem um carro?!!
- Porque... ora Danny! Amigos não precisam de motivo!
- É... Mas você nunca foi só um amigo...
- O quê? - Por Deus! Steve estava me enlouquecendo.
- O que o quê? - Encarei o vidro da minha janela.
- Danny! O que você disse?
- Nada... - Minhas mãos não deviam suar frio perto dele.
- Nunca fui apenas seu amigo. O que isso significa?
- A direita.
- Não muda de assunto!
- Não é isso... vira a direita!
- Mas a casa do John é...
- Temos que pegar alguém...
...
- Para aqui! - Retirei meu cinto, meu corpo tenso pelo clima do carro, eu queria correr léguas dali.
- Mas esse é o hotel do...
- É. Depois que te deixei em casa, fui ver o John, ele vai ter que passar por um processo de desintoxicação, mas provavelmente vai ficar bem. Mas... perder a filha que ele nem sabia que tinha... É uma dor que ninguém deveria sentir... Enfim... - Pigarreei. - Ele queria que eu o apresentasse ao Carter, o cara é um crápula, mas ele queria conhecer a filha... mesmo que...
- Através de outra pessoa.
- Exatamente! Eu disse que isso era impossível, mas aí eu pensei...
- Bernard.
- É.
Aquecia meu coração saber que havia alguém no mundo que podia completar todas as minhas frases.
- Danny...
- Oi... - Fora do carro me virei pra encará-lo.
Mas apenas seus olhos falaram comigo.
...
- M-Meu nome é... Bernard Parker... - Ele estendeu a mão trêmula a John.
- É um prazer conhecer você, filho... - John o abraçou emocionado. - Quer dizer que você... cresceu com minha filha? - As lágrimas de John eram pesadas.
Na porta do quarto, ao meu lado, Steve tinha aquele olhar tocado, era impossível não ser mordido pela cena há poucos metros, mas ele não conseguia desprender seus olhos dos meus.
- Você... tá com aquele olhar...
- Que olhar?
- Não foi catalogado ainda...
- Quer fazer isso agora?
- Bom... É um olhar determinado, envolvido e... com certeza caloroso.
- E você gosta?
- Se eu gosto?!!!
- Gosta? Ou não?
- Steve... - Ri como uma adolescente notada pelo ídolo no meio de um show de rock lotado. Steve me fazia sentir assim... importante como ninguém jamais fez.
- Danno... - Ele sorriu tão bobo como pedante.
- Eu... meio que gosto... gosto sim. - Admiti.
- Isso é bom! É ótimo na verdade!
- Por que minha opinião importa?
- Porque... você me faz sorrir assim... só você faz... - Meu sorriso infantil foi interrompido pela voz de John.
- Bernard, filho... se você amava minha filha, por que veio para tão longe vê-la dizer sim a outro?
- Você já disse o porquê. Sabe, John, Verônica era como um pássaro que você encontra pequeno, machucado, sem saber voar... Eu a ajudei a consertar aquela asa, foi uma vida inteira de esparadrapos... que só nós dois entendíamos, mas... não é culpa dela se resolveu voar ao lado da pessoa errada... Eu só precisava garantir que ela estava bem... Eu tinha que ver o sorriso no rosto dela, mesmo que não fosse pra mim...
- Danny? Tudo bem?
Era tarde demais, haviam lágrimas em meus olhos e ele já havia as percebido antes mesmo que eu.
...
Estacionei o carro na porta da casa dele e vi o clássico azul. Catherine. Ela estava lá dentro, como se morasse ali.
- Oops... acho que eu tinha um compromisso...
- Você, Steve Mcgarrett, esqueceu um compromisso?
- Pois é. - Mas ele não estava chateado, ele sorria e... portava aquela droga de olhar não catalogado. - O que eu posso dizer? Você... me envolve, Danny Williams.
- Steve? - Desci do carro, caminhei para assumir o posto de motorista. Estranhamente, eu o queria ali dirigindo o meu carro, tirando minha paz. E quando ele se virou, pronto, eu senti que ele queria o mesmo. - Uh... Eu quero que saiba que... me decidi, eu vou... ser o seu padrinho de casamento.
Algum poeta maldito disse que certas palavras feriam mais que facas afiadas. E esse poeta maldito estava muito, muito certo!
Seus dedos tocaram a base do meu olho, ele queria aparar as lágrimas que eu ainda conseguia conter. Ele estava dolorosamente perto, quando me abraçou apertado, eu podia sentir o cheiro do mar em sua nuca, e sabia que ele suspirava o perfume que um dia ele disse que gostava e desde então passei a usar.
- O que você fez hoje... foi incrível! Você é... Um homem maravilhoso, Danny!
Outro espasmo se espalhou por mim, acionado pela rouquidão de sua voz falha em meu ouvido, e como se soubesse disso, me enfiou ainda mais em seus braços.
- Steve... - Disse uma última vez, talvez eu só não quisesse deixar ele ir.
- Danny?
- Haviam mesmo tulipas?
- As mais lindas que já vi.
- Ta bom... - Sorri fraco, libertando ele de minha presença.
Ele abriu a portinhola de madeira, e eu a porta do carro.
- Quer ir até lá comigo... um dia desses?
- O quê?
- Um jantar. Você aceita jantar comigo no restaurante das tulipas bonitas?
- Você faz parecer um...
- Encontro?
- É... Um encontro... - Sorri bobo, outra vez.
- Nunca mais voltei lá... Achei que seria uma lembrança ruim, por causa do meu pai... mas não. É uma boa lembrança, me lembra você...
- Eu adoraria.
- Então... temos um encontro.

***

mas o gosto da sua boca ...Where stories live. Discover now