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Eu não tenho medo de voar. Não é que eu seja louco feito o Steve, que acha que pular de uma aeronave em movimento pendurado por cordinhas presas numa grande cortina estufada de ar, seja o conceito de uma tarde divertida.
Como ele disse certa vez "eu sou um gato". Pena que não estávamos falando sobre meus olhos azuis, mas sobre minha habilidade super desenvolvida de ficar em casa enrolado no sofá, comendo e pedindo um carinho atrás da cabeça. Eu não gostava da ideia de estar entre as nuvens, gostava das nuvens vários metros acima da minha cabeça, mas não tinha necessariamente medo de voar.
Nossos últimos voos - e temos voado um bocado nessas férias - duraram cerca de sete, oito horas e foram cansativos, mas surpreendentemente lidáveis. Não é como se eu estivesse conhecendo agora a rota New Jersey - Hawaii, mas é a primeira vez em que eu sinto que vou morrer sufocado no meio dela.
As primeiras quatro horas foram tranquilas. Pegamos poltronas triplas e razoavelmente confortáveis. Charlie ficou no corredor, eu no meio e Steve na janela, mas por volta da hora cinco, nós, adultos, trocamos de lugar. Charlie queria mostrar para Steve seu mais novo feito no Nintendo Switch, e eu vim parar com a cara enfiada na janela. O problema é que tudo o que existe do outro lado dela são nuvens meio esmigalhadas numa neblina aguada, um monte de nada por muitos metros e logo abaixo, o norte do Oceano Pacífico.
Quão grande algo precisa ser para se tornar a paisagem térrea da janela de um avião em torno de cinco horas seguidas? Eu simplesmente olhava e ficava procurando a beirada, algum sinal de areia, uma praia, pessoas e um pouco de concreto ou prédios com chaminés enfumaçadas, arranhas céus e nada. O mundo havia acabado e se resumido em um único lago gigante de água salgada que poderia nos engolir a qualquer momento que sentisse um pouco de fome.
Tinha perdido a noção do tempo em que olhava para aquele retângulo vertical de vidro e encarava o carpete azul esperando achar as pontas, se eu tirasse o olho por um segundo e ela aparecesse, ia perder a chance de saber que estava acabando, se desviasse a atenção e ele se mexesse, eu não ia ter como reagir. Então apenas precisava olhar. Até ter a impressão de que a conversa longínqua sobre reinos encantados havia cessado, e alguém chamava por mim.
- Danny!
Era Steve, numa espécie de grito sussurrado enquanto balançava meu braço.
- Oi? - Minha voz saia alheia, não parecia mais ser minha. Eu tenho que continuar olhando, foi o que o eu dentro da minha cabeça disse com a sua voz.
- Amor, você está me ouvindo?!
Assenti com a cabeça que sim.
- Olha pra mim. Danny? Daniel?! Você tá- - Ele ia perguntar se eu estava bem, mas Steve nunca se convenceria com meus acenos de cabeça, então veio cheio de dedos tirar ele mesmo suas conclusões. - Suando, tremendo...
Ele puxou o meu rosto de uma só vez, me segurando entre as palmas das mãos e eu tentei me virar de volta, enquanto ele checava a temperatura da minha testa e tocava meus lábios secos e provavelmente pálidos.
Tentei falar, contar pra ele que o oceano Pacífico era enorme, parecia que tinham colado umas mil piscinas olímpicas uma na outra, mas a voz não saia. Eu ainda conseguia vê-lo por trás daquele zumbido confuso e deformado, seus olhos verdes pareciam um par de brincos de esmeralda, seus cílios pesados e decididos, e mesmo só tendo um braço pra isso, ele puxou a cortina da minha janela, e me colocou contra seu peito. Tinha cheiro de Steve por toda parte, era o melhor cheiro do mundo, mas eu ainda pensava na janelinha e no tapete azul.
Era como ouvir alguém invadir sua casa, uma vez que o som do intruso forçando sua fechadura chegava aos seus ouvidos, você sentia o pânico. E aí se trancava atrás de uma porta, ciente de que ele continuava lá do outro lado. Mas Steve era bom nisso, ele segurava meu rosto dentro da palma da sua mão, o mindinho no meu pescoço, o médio e o indicador abertos ao redor da minha orelha e o polegar indo e vindo no meu maxilar. Ele respirava fundo, seu tórax subia e descia e era bonito ver o ar caminhando pra ele, era algo que me fazia prestar atenção até que o meu tórax acompanhasse o dele. E também tinham os beijos, seus lábios na minha testa no final do pshiiii que ele emitia pertinho do meu ouvido. Aquilo podia tranquilizar até o maior dos mamíferos do mundo.
As luzes pareciam um pouco mais normais agora, nada de estrondos de luz evidente aqui e ali. Estiquei a cabeça e vi que Charlie dormia em sua poltrona.
- Eu não sei se já te falei isso antes e pode ser um choque pra você ouvir, mas você é lindo, Steve.
Ele suspirou em alívio e sorriu terno, as covinhas fizeram hora, mas vieram.
- Acho que são os olhos. Mas aí começo a pensar que é a língua presa ou-
Ele me interrompeu com um beijo, era exatamente o que eu queria.
...
Em algum ponto entre a linha angulada da nossa rota, ele usou seus dons que não eram de fuzileiro, mas dons de Steve, que era um fuzileiro, mas muito acima disso, era o amor da minha vida. Ele tirou os braços das poltronas do caminho, inclinou o corpo e me deitou sobre ele, como se ele fosse o meu grande travesseiro, ele me ninou até meus olhos desistirem de brigar.
Só vim a despertar quando as nuvens voltaram para acima de nossas cabeças e havia concreto abaixo dos nossos pés. Assim como pessoas barulhentas, prédios e toda aquela bagunça, que aqui no Hawaii é meio lerda, mas eu gosto.
- Tá feliz por estarmos em casa, não está? - Perguntou Steve, otimista.
- Uh... É.
Ele parou de prestar atenção no despacho das malas para me olhar ofendido.
- "É"?!!! Essa é a sua resposta? - Ele abriu os braços pra mim.
- Eu acho que foi uma excelente resposta! Curta e objetiva.
- Se fosse tão boa você não precisaria se explicar. - Como toda boa jogada, ele finalizou sua frase já pescando minha mala da esteira rolante.
- Amor, é uma ilha, ou seja, cercada por água. Ainda assim é a nossa ilha, a nossa casa, a nossa família tá aqui.
- Ohana! - Ele quis me corrigir, com um sorriso nascendo no rosto.
- Não vou dizer Ohana!
- Vai sim. - Ele disse naquele tom confiante de quem me dobrava fácil.
- Okay. Ohana. A nossa Ohana tá aqui. Tá feliz? Como eu ia dizendo, não me esqueci de nada disso e amo você. Só não consigo receber a ilha de braços muito abertos agora, tudo bem?
- Tudo bem. Na verdade, essa sim foi uma excelente resposta. Madura e sincera. E agora, você não deve nada à ilha, é ela quem te recebe de braços abertos. E Ohana fica lindo saindo da sua boca. - Steve passou um lei em meu pescoço e outro em Charlie, eu apanhei um terceiro e coloquei nele, porque nessa altura do campeonato, eu já havia caído nas graças das lendas havaianas de que você precisa encher os ombros com flores para ser devidamente bem recebido nessas terras místicas pra lá de bonitas.
- E você fica lindo com esse monte de flor na cara. O que eu tô dizendo? Você fica lindo de qualquer jeito... - Resmunguei, de olho na garagem.
- São seus olhos que são lindos, Babe. - Ele sela nossos lábios.
- Danno, quem você tá procurando? - Pergunta Charlie, sonolento.
- Nosso Uber, filho. Não deve demorar. - Bagunço o cabelo de Charlie.
Steve quer pegar Charlie no colo, é algo que consigo perceber pela forma como ele o segura junto de si, deixando-o repousar a cabeça em seu abdômen.
- Meu amor, uau! Eu sempre quis te dizer isso: Na minha casa ou na sua? - Steve pergunta, com um sorrisinho sem-vergonha no rosto.
- Acho que na minha. - Sabia o que ele estava pensando. Minha casa tinha vista para outras dezenas de casas, a dele para o Pacífico. - O Charlie vai capotar a qualquer momento, vai precisar do quarto pra isso.
- É verdade... Acha que o Eddie ainda lembra de mim? Tô sendo ridículo?
- Tá sendo ridículo, Amor, mas continua lindo e o nosso Uber chegou!
Apontei com a cabeça, Steve sorriu pra mim e seguiu a direção que apontei. Junior estacionava o Silverado preto, cujo banco do carona era ocupado por um labrador que colocava a cabeça pela janela e nos farejava com empolgação, ao lado e não menos imponente, Tani trazia o Garanhão negro, vulgo Camaro.
- Eddie! Vem cá no papai, Garotão! - Steve piscou confuso, então correu até Eddie com o braço e o sorriso aberto. - Ele lembra sim, Danno!
Steve estava sendo de novo o amor da minha vida, e de novo ainda havia um fuzileiro ali dentro em algum lugar, seus passos eram meio cadenciados como o de alguém que já foi treinado, seu reflexo era rápido até para atravessar uma garagem. Acho que a sombra do SEAL não é algo que se perde com o tempo, como um sotaque velho, é mais como uma linguagem que se mistura à sua língua e parece querer se entrelaçar nos traços do seu DNA, o que não nego, tem o seu lado muito sexy, mas me fazia querer arrancar cada vez o homem encantador que havia por trás do rifle, o homem que se curvava no chão para alcançar o focinho do cachorro com o nariz e dizer que o "o Papai o amava".
Charlie correu até eles e abraçou Eddie com maior facilidade, já que a diferença de altura era menor e Charlie contava com seus dois braços. Trocaram abraços com Junior e Tani, e se lembraram de mim com as malas.
- Não sabíamos que modelo queriam, trouxemos tudo da nossa loja. - Falou Tani, cruzando os calcanhares e apontando os dois carros pareados.
- Vocês são demais! Já roubaram nosso lugar no trabalho? - Perguntei, abraçando-a e arrancando dela um sorriso brando e um pouco escandaloso.
- Estamos quase lá. - Tani respondeu. - Mais uma semana quem sabe.
- Não se esqueça de ser sempre rabugenta com esses caras metidos a militar. - Disse a ela, e Junior apertou firme minha mão antes de me abraçar.
- Caramba, vocês fazem muita falta por aqui! Bom ter vocês em casa.
- É bom estar em casa. - Respondo, quase como jogando uma isca no ar.
- Então, esse é o nosso Uber, certo? Você trouxe eles? - Perguntou Steve.
- Eu só ativei o GPS, meu aplicativo deve estar maluco por mandar um cachorro. - Digo, enquanto Eddie se esfrega em minhas pernas. - Também senti sua falta, filho. - Steve não resiste ao cafuné que deixo em Eddie.
- Eu. - Ganho um beijo na testa. - Amo muito você. - E um beijo na boca, do tipo selado com tanta vontade que me faz perder o fôlego.
- Tô mesmo feliz por estarmos em casa. - Digo, apaixonado. - Eu amo você. - Dessa vez, eu o puxo pelo colarinho e lhe dou um beijo de verdade.
- Sempre rabugento... - Disse Tani, com voz de quem revirava os olhos.
...
Seria um exagero dizer que alguma coisa mudou, mas eu podia sentir que alguma coisa estava trepidando dentro de mim, como a chama de uma vela sob o vento ou como as janelas de uma casa quando o metrô corre nos trilhos.
Eu estava debaixo do chuveiro e sabia o que deveria acontecer, a água saindo pelas perfurações da ducha, caindo no meu corpo e passando direto por ele. Eu costumava gostar da sensação, ficar ali por mais tempo do que o necessário, mas agora não. A minha pele ficando molhada não era mais tão legal assim.
Por outro lado, Steve acabara de tirar a tala móvel e toda a sua roupa, e essa meio que era uma cena que roubava qualquer bilheteria. Eu havia inflamado seu ego mais cedo e sabia que algo assim poderia acontecer, algo como vê-lo caminhar em câmera lenta até o boxe se esquecendo de olhar nos meus olhos.
- Parece que acabei de ligar a TV às 03:00 da manhã e dar de cara com um filme adulto.
Ele sorriu, o que não diminuía sua capacidade de ser sexy enquanto entrava debaixo da ducha e a água fazia percursos lindos sobre suas tatuagens.
- E eu achando que você maratonava o Discovery Channel.
- O que eu posso dizer? Não tenho me dado bem com a natureza.
- E comigo? - Foi nesse ponto que suas mãos desceram em minhas costas e eu suspirei.
- Bom, parece que meu manual de instruções virou seu livro de cabeceira.
- É uma leitura muito gostosa.
E foi nesse ponto que ele me beijou como se sua vida dependesse disso.
...
Em defesa do chuveiro, ele ficava bem mais interessante quando um moreno de 1,85m de músculos definidos, sem aquele descomedimento exagerado e com belas tatuagens abaixo dos olhos verdes, coloca a língua dentro da sua boca.
Aquilo era tão bom que nossa conversa sobre televisão acabou em algo como "você quer aqui ou na cama?", seguido por "depende, vamos transar ou fazer amor?" e ele respondeu "Amor, com você eu faço os dois ao mesmo tempo".
Afora todo o roteiro do filme adulto, percebemos que ambos queríamos a cama e nos beijamos até lá, cheguei a desatar o nó da toalha na cintura dele quando ouvi alguém bater na porta da frente e simplesmente pensei "que se dane". Quando minha boca finalmente tocou seu corpo com a sede de um triatleta ao fim de uma prova, bateram novamente na porta.
Me levantei e ajeitei a toalha sobre meu corpo, esperando ele se acalmar.
- Não se mexa.
- Não vou.
Notei que eu nunca ia me acalmar se não tirasse os olhos de Steve, então fiz uma pausa necessária no meio da sala, inspirando pelo nariz e soltando ele pela boca, até conferir estabilidade pro caimento do tecido atoalhado em meu corpo.
Abro a porta e minha expressão indisposta soma-se a de incompreensão.
- Melissa?!
Tentei não fazer aquela cara de "você é minha ex e não deveria estar aqui", mas era exatamente o que eu estava fazendo e era impossível evitar.
- Danny! Graças a Deus você está em casa! - Ela deu uns três passos e me abraçou e foi a coisa mais estranha do mundo. Não conseguia entender sua atitude, nem gostar do toque de seus dedos em minha pele, muito embora aquilo já tivesse acontecido mais de uma vez, ela parecia uma total estranha.
- É... eu tô em casa. - Segurei seus braços, os afastando de mim.
- E não tá sozinho. - Ouvi ela dizer enquanto recuava finalmente, com os olhos em algum ponto além de mim, avistando Steve também de toalha e tomando nota de aquilo era completamente inadequado e embaraçoso.
- É, eu não tô sozinho. - Respondi, encarando ele e depois ela.
- Tudo bem, Melissa? - Steve se aproximou sério e apertou sua mão.
- Uhun... - Ela me parecia meio atrapalhada desde que abri a porta, mas agora estava completamente alheia. - E vocês? Parecem realmente bem e...
- Juntos. A gente tá junto. - Steve respondeu com muita pressa.
Passei as mãos pelo rosto. Eu não tinha um resquício sequer de atração por Melissa, acho que nunca tive, mas o que eu sentia ao olhar pra ela era culpa.
- Uau! - Seu queixo realmente caiu e ela começou a tocar demais o rosto.
- Amor, devia ter... uma tala no seu ombro. - Encaro Steve por um bom tempo, enquanto ouço Melissa dizer baixinho para si mesma "amor... uau...".
- Meu ombro tá legal. Coloco a tala depois. - Respondeu Steve.
- Steve, eu te amo, mas coloca logo a droga da tala.
- Uau.
- Você que manda. - Ele não gostou da resposta, então me beijou com raiva antes de se virar pra sair.
- Nossa!
- Tudo bem, Melissa? - Perguntei.
- Você levou anos de namoro pra dizer que me ama, e nem era de verdade.
- Não estamos namorando. A gente vai se casar. - Disse Steve.
- A tala, Steven!
- Uau. Uau. Uau.
- É isso aí. Você tinha razão, afinal. Sinto muito, eu estava acostumado demais mentindo pra mim e acabei te envolvendo no processo. Mas, acho que você não veio falar sobre algo que já conversamos antes. Então por que veio?
- Sempre um bom detetive, Danny. Por isso eu vim. Minha amiga, Lindsay, que trabalha comigo, ela... simplesmente desapareceu. Eu estou preocupada.
- Foi até a polícia?
- Fui. Mas aparentemente, mulheres são misteriosas e volúveis. Então eles não vão fazer nada por dois dias. Daí eu pensei...
- O Danny é policial. - Digo.
- É. Como se homens também não pudessem ser misteriosos e volúveis. - Ela sorriu, como se não tivesse acabado de me mandar a indireta do século.
- Pois é. Casos de desaparecimento são registrados no sistema, mas só são considerados um desaparecimento oficial após 48 horas. É o protocolo mesmo.
- Desde quando você liga pra protocolo?
- Melissa, eu não tô trabalhando. Espero que sua amiga reapareça, mas eu... realmente não posso fazer nada pra melhorar essa situação. Sinto muito.
- Não sei porque eu vim até aqui. - Ela estava decepcionada.
- Eu posso te ajudar. - Disse Steve reaparecendo com a tala no ombro.
- Você também não está trabalhando. Não até o ombro ficar bom, Steven.
Ele me ignorou duplamente, se aproximou da porta e continuou.
- Eu vou te colocar em contato com pessoas da nossa confiança e vou pedir que eles te ouçam e te ajudem até encontrarem sua amiga.
- Okay. - Ela assentiu e esperou ele anotar os números de Tani e Junior.
- Ótimo. Assim vai se vingar de nós dois por tabela, dando um trabalho para nossos substitutos. - Sorrio, mas acho que a piada foi sincera demais.
- Boa sorte. - Eu e Steve dizemos ao mesmo tempo. Ela suspira.
- Obrigada. - Melissa se afasta da porta, mas então para no meio do caminho como quem havia esquecido alguma coisa. - Parabéns aos noivos.
Bato logo a porta. Steve evita o contato visual. Eu olho direto pra ele.
- Por que diabos você fez isso? Por que você faria isso? Por quê?
Ele bufou, se sentou no braço do sofá e passou as mãos pelo rosto.
- Porque você olha pra ela e vê uma ex-namorada. E eu tenho que ver uma civil preocupada com a amiga que está potencialmente desaparecida?!
- Ah, Steve, qual é? Há um mês você nem sabia o nome real dela!
- Eu sempre soube o nome dela, Danny! Só não queria ficar pensando no nome dela, nem na cara dela, nem nas mãos dela em você e coisas do tipo.
Ficamos assim por um tempo. Olhares cruzados pela sala, uma certa desconfiança no ar que ninguém sabia de onde exatamente tinha vindo e porque estávamos aparentemente brigando.
- Vamos acabar acordando o Charlie.
- Tem razão. Vou fazer a ligação.
...
- Amor, eu não quero fazer isso. - Steve diz com a voz rouca, a boca virada pro outro lado, uns três centímetros separam nossas costas na cama.
- Isso o quê? A gente? O casamento? Ficar deitado feito dois idiotas?
- Ficar deitado feito dois idiotas, tentando dormir de costas para o que a gente realmente quer. O que eu quero é você, não quero dormir nem quero brigar.
Me viro pra ele.
- Achei que fosse sobre o casamento. - Suspiro aliviado.
- Por que sempre acha que vou desistir do casamento?
Esse é o tipo de pergunta que me faz refletir, porque no fundo eu não sei a resposta, ou não quero encontrá-la na minha cabeça.
- Porque... às vezes eu penso coisas que não quero pensar. - Jogo o cabelo para trás, não quero obstáculos. - "Será que esse anel significa que ele quer se casar ou que ele estava com medo demais de me perder pra um monte de mentiras?"
Steve não reage como eu esperava. Nada de uma expressão incrédula. Nada de você é inacreditável. Nada de hey babe, eu amo você então tira isso da cabeça.
- Entendo você. Pensa que vou desistir e eu penso que você vai desistir. Que sempre vai ter uma donzela precisando ser salva batendo na sua porta.
- Você tá esquecendo da parte que eu disse não. Você gentilmente disse sim.
- Não ia manter sua resposta. Não o Danny que eu conheço tão bem. Ela ia se virar chateada e decepcionada, você ia pensar no seu juramento como policial e então ia dizer "peraí, Amber, vamos ver o que eu posso fazer". Não queria ver você dizendo isso, ou se sentindo culpado e indo bater na porta da casa dela amanhã ou depois, por isso achei melhor acabar logo com aquilo.
- Talvez tenha razão. Mas não devia se sentir ameaçado por ela.
- Eu não me sinto- - Seu ombro pulou quando ele tentou mentir.
- Você acabou de chamá-la de Amber.
- Oh, não é o nome dela? - Ele disse sarcástico e então sorriu.
- Idiota. - Digo, passando as unhas por sua barba.
- Tem razão. Eu não devia ter passado por cima da sua decisão. Me perdoa? - Ele pinça meu queixo entre os dedos.
- Perdoo. Mas não quero mesmo que volte pro trabalho enquanto o seu ombro não estiver bom.
- O quê?! Eu tenho uma tala, o que pode acontecer?
- Você pode tirar a tala há qualquer momento. É isso que pode acontecer.
- Tudo bem. Mas você também não vai voltar enquanto a gente não resolver o problema com a água. E vou marcar uma consulta pra você.
- Eu vou discordar, você vai fazer um discurso e depois dizer que é meu chefe e que é uma ordem, e eu vou fingir que estou bravo e dizer "então tá".
- Então vamos só passar pra frente?
- Vamos. E você é péssimo cuidando de si mesmo.
- Você também é péssimo cuidando de si.
- Ainda bem que a gente é bom cuidando um do outro.
- Tudo o que a gente faz é melhor junto.
- Então por que ainda tem um espaço entre a sua boca e a minha?
Ele selou nossos lábios, a mente ainda distraída, os olhos me avaliando porque ele queria dizer algo que provavelmente ia mudar o rumo da conversa.
- Eu tinha mesmo muito medo de perder você, mas esse não foi o motivo. O motivo de eu ter comprado o anel e ter mandado gravar a dogtag é porque eu sonho com cada parte do nosso casamento. Eu sonho com você num terno azul, sonho com o Eddie usando um colete social, Grace se fazendo de forte por trás do choro, Charlie levando as alianças, nossa família e Ohana sendo uma só, e eu tropeçando nas palavras quando tento te dizer que te amo de uma forma que faça você olhar nos meus olhos e não conseguir dizer nada além de sim. E esse é só o começo dos meus sonhos, eu sonho com todos os dias da minha vida e você é o denominador comum entre todos eles. Eu quero me casar com você, Amor.
Assim como ele acalma meu coração, ele o acelera na mesma intensidade.
- Acabou de gastar um discurso muito bom pra usar no altar...
- Se ele é muito bom, por que você tá chorando, meu anjo?
- Porque a minha cabeça tá uma... desorganização profunda, Amor. Tem coisas jogadas pra todo lado, mas eu só tenho uma única certeza. Eu não me importo com quantas donzelas em perigo estejam na porta, eu só quero que você esteja do lado de dentro. Minha única certeza é que a resposta é sim.
Seus olhos ficam lindos molhados e o espaço entre nossas bocas acaba.
...
Eu já estava me acostumando àquela rotina, já gostava do café que ele fazia, meio forte demais e doce como ele, como a paixão que latejava em mim mesmo quando o sol acabava de nascer, como tudo entre nós era intenso e quente.
Me despedi dele com um beijo longo e deixei um cafuné em Eddie. Disse pros dois garotões se comportarem e levei Charlie até a escola, notei que ele estava feliz quando me perguntou qual dos seus pais iria buscá-lo mais tarde.
Tudo estava muito bom, menos as minhas expectativas de quem dirigia até a clínica que Steve havia me convencido a ir, onde eu tinha um encontro marcado com a doutora Susan Aponi. Aquilo estava me deixando nervoso, pessoas em geral me deixam nervoso, mas aquelas que fazem o mesmo trabalho que um garçom e cobram muito mais para nos ouvir sem cerveja em troca, eu detestava pessoalmente. Não gostava de psicólogos, psiquiatras, e agora, psicanalistas.
Mas eu estacionei o carro, passei pela porta de vidro, encontrei uma recepcionista sorridente demais e fui até o consultório 3 do mesmo jeito. Porque sabia que precisava ir, precisava fazer alguma coisa. Todas as pessoas que eu amo adoram piscinas e oceanos, que estão por toda parte e eu precisava passar por cima do meu problema, para estar cem por cento presente na vida delas.
O lugar não era tão ruim quanto eu esperava. O teto era alto, então eu não sentia que estava sendo trancado numa caixa para que fizessem lobotomia em mim, e a cortina na janela bloqueava bastante a luz, os móveis não eram excessivamente brancos como a maioria dos consultórios e hospitais, então eu não tinha a impressão de que alguém ia extrair um dente quando eu me sentasse, e acho que me simpatizei com a estante cheia de livros e com os lírios.
Susan Aponi também não era nada do que eu esperava. Não sei bem o motivo, mas havia imaginado uma mulher jovem que me olhasse de cima pra baixo, e como um scanner descobrisse automaticamente tudo de ruim em mim. Mas ela devia ter a minha idade, usava uma camisa de algodão branca, uma calça de alfaiataria preta, sandálias sem salto e seu cabelo parecia propositalmente grisalho, além de ser um pouco maior que os meus fios e ter uma franjinha jogada de lado. Em outras palavras, eu não conseguia odiá-la.
Pelo menos não até ela começar a me fazer um monte de perguntas.
...
Eu havia pago por uma hora do tempo da Doutora Aponi, mas sai correndo sem dizer adeus aos quarenta e dois minutos. Dirigi apressado pra casa porque queria conversar com Steve, mas tudo o que encontrei foi Eddie e um bilhetinho, que ele teve a tamanha cara de pau de pregar no caule de uma das tulipas brancas do buquê que encontrei sobre a mesa da cozinha.
"Meu amor, não liguei porque não queria atrapalhar sua sessão. Lou me ligou e precisam MESMO que eu vá até a sede resolver um problema. Não estou voltando ao trabalho, continuo de licença, então por favor não me odeie. Eu te amo muito! Steve."
A caligrafia dele era linda e as flores eram ótimas, mas eu queria ele.
...
Estacionei o Camaro sem me preocupar em fazer baliza, entrei pela porta da frente do Palácio sem me preocupar com boas maneiras. Eu estava ocupado demais preso dentro da minha cabeça, aturdido com a ideia de que não havia indicativo real de que Steve estava no prédio, não havia Silverado na garagem. Subi impaciente pelo elevador, passei pela porta da sede sem olhar para trás. Não encontrei ninguém ao redor da mesa inteligente, as salas pareciam vazias e senti uma pontada no coração como se aquela fosse a confirmação de que havia sim algo por trás daquele bilhete, aquelas palavras não eram suficientes. Mas então percebi certa luminosidade escapar pela persiana da janele dele, tive a impressão de que era ele do outro lado, mas eu não ia perder tempo com uma janela. Pensei em sacar a arma e me lembrei que ela estava no porta luvas. Abri a porta de prontidão, passando por ela e soltando todo o ar que estava preso sem que eu me desse conta. Steve estava bem. O bilhete era apenas o bilhete.
Ele me olhou profundamente, procurando me ver por dentro. Queria saber todos os sentimentos que preenchiam meu coração, e quais vinham por cima. Se eu sentia mais raiva que medo, mais medo que amor, mais amor que raiva.
Havia algo no ar que mantinha nossas bocas caladas. Como se fôssemos só nossa respiração, nossos olhares procurando ver mais que a cor da nossa íris. Contornei a sala em passos rápidos fechando cada persiana que encontrei, e com a luz baixa caminhei até ele. Me enfiei no espaço pequeno entre a mesa e sua cadeira de couro preta e imponente, fechei o laptop sem dar atenção ao conteúdo da tela, sequestrando desnecessariamente a atenção que eu já havia roubado quando entrei no cômodo com olhos de águia sobre seu corpo.
- Isso não vai ser muito ético. - Disse, acomodando os joelhos no couro da poltrona, minhas pernas se dobrando em contato com as dele, suas mãos já estavam passeando por minhas costas, recebendo meu corpo caindo sobre o seu e ele me aparou com a respiração arfando contra a boca aberta que ele beijou.
- Deixei você preocupado? - Steve perguntou, quando precisei de fôlego.
Seus olhos incertos procurando os meus, a boca ainda contra a minha.
- Quando li seu bilhete, parecia só um bilhete. - Ele presta tanta atenção em mim que me faz sentir importante. - Mas no caminho até aqui... começou a fazer muito sentido que você o tivesse escrito sob a mira de uma arma...
Seus olhos se fecharam como se ele tivesse sido atingido por uma flecha, seu rosto se debruçou sobre a pele do meu peito, exposta entre os botões abertos.
- Não queria estar pedindo perdão. Queria nunca ter saído de casa, ter ficado esperando você e ganhado esse beijo e mais alguns no sofá da sala.
- Ainda podemos ir pra casa. - Me levanto sem empolgação. Não gosto de ser o cara que toca o alarme de incêndio por causa da fumaça de um cigarro. - O que houve por aqui? Tá parecendo um prédio mal assombrado.
Steve suspirou.
- Lou ligou, precisava fazer algo em Chicago. Kono não estava se sentindo bem, talvez seja uma virose. Adam apareceu, mas a cabeça estava em casa, então eu mandei o resto dele pra casa também. Chin e Jerry pegaram um caso de homicídio sozinhos porque Tani e Junior estão no caso da Lindsay.
- Então a Lindsay é um caso?
- Potencialmente.
- Estamos desfalcados. Precisam de você, precisam do Comandante deles.
Steve se levantou e com seu braço bom empurrou o trabalho para trás, e me impulsionou para que eu me sentasse na beirada de sua mesa. Eu me sentei, ele se aproximou encaixando o corpo entre minhas pernas que ele mesmo separou.
- Não. Eles precisam de ajuda, eu já chamei a ajuda. Você precisa de mim e eu preciso muito de você. - Ele colou nossos corpos e beijou meu pescoço.
- Oh Deus... Você precisa de mim, Steve?
- Eu vou te mostrar o quanto preciso de você, Danny.
Sua mão vestiu as costas da minha e a colocou contra o zíper da sua calça.
- Muito... - Conclui, com meu olhar sinuoso em seus olhos.
- Yeah... muito. - Ele arfou em meu pescoço quando senti, por conta própria, o quanto ele precisava de mim.
Faltava à Steve a capacidade de ser sutil, ele era um tanque de guerra até no modo de fixar os olhos em mim e mantê-los ali perseverantemente, então morder o lado interno da boca com um sorriso ladino crescente que me fazia tentar presumir cada fantasia que estava correndo por sua mente.
- Eu posso ouvir seus pensamentos, sabia?
- O que eu estou pensando, Amor?
- Será que precisamos mesmo chegar em casa?
- Em minha defesa, você é lindo demais.
- E eu sempre adorei aquele sofá.
- E eu sempre adorei você.
Ele sugou meu lábio inferior, minhas pernas se prenderam em sua cintura e nossas línguas resolveram se entrelaçar como se nossas vidas dependessem disso. Ele pressionava o corpo contra o meu, que ficava fraco sob o seu toque.
Então bateram na porta. O que já estava virando um péssimo hábito.
- Podemos fingir que estamos em casa? - Pergunto, sorrindo.
- Vamos fazer melhor, vamos pra casa. A ajuda chegou. E eu te amo.
- Você fica pra próxima. - Disse, apontando o sofá de couro preto.
Com pesar, Steve se afastou sorrindo da minha conversa com seu sofá, e ajeitou a camisa sobre sua calça, enquanto eu ainda o desejava com o olhar.
- Pode abrir!
Abby abriu a porta e me olhou, ainda descendo da beirada da mesa com a boca provavelmente inchada e vermelha e presumiu que estrava atrapalhando.
- Boa tarde, Steve! E Danny! Espero não estar interrompendo.
- Boa tarde, Abby. Eu estou de licença, então você não tá me vendo aqui.
- Boa tarde. - Disse uma segunda voz, irrompendo a porta.
- Sargento Quinn, fico feliz que tenha aceitado meu convite. - Disse Steve, após apertar as mãos de Abby.
- Agradeço o convite. Gosto mais de estar aqui do que decorando festas, pra falar a verdade.
- O comitê de decorações de festas está arrancando os cabelos nesse momento. Você é boa com isso. - Eu aperto sua mão.
- Obrigada, Detetive.
- Danny. Hoje sou só Danny e esse é só o Steve. Não estamos aqui.
- Não estamos vendo eles aqui. - Completou Abby, sorrindo sarcástica.
- Por isso fico feliz que vocês vieram, a equipe precisa de vocês. Chin está chegando em cinco minutos e vai informá-las sobre o caso em questão. Eu vou obedecer a minha licença e levar o meu noivo lindo pra nossa casa. Vamos?
- Gosto disso! - Eu aceito sua mão. - Divirtam-se garotas!
- Acho que eles é que vão se divertir. - Disse Quinn.
- Eu concordo. - Comentou Abby.
...
- Eu poderia dirigir. - Ele me olhou rápido, e ciente de que não havia mudado nada nas dependências da minha opinião, continuou. - Quer dizer, esse negócio só pega o ombro, tenho duas mãos livres bem aqui.
- Mãos livres e conectadas aos ombros por articulações e ossos.
- Eu amo tanto você, e amo tanto o volante desse carro nas minhas mãos!
- Eu amo tanto o seu ombro, meu amor. Sério, eu adoro ele onde está.
Ele sorriu. Eu havia levado aquela discussão, mas sabia que havia mais.
- Eu estou cuidando do meu ombro que você ama. - Ele acariciou meu rosto. - E você? Como foram os quarenta minutos com a doutora Aponi?
- Você parece estar bem informado. Conversou com ela depois de mim?
- Eu não liguei pra lá, se foi o que eu fiz parecer. Eu só fiz o cálculo.
- Fez errado. Foram quarenta e dois minutos.
- Como foi, Amor?
O sinal fecha, estaciono o carro e fico ouvindo o zumbido leve e cálido do motor, meu coração pulsa de forma parecida no peito, como se tivesse estacionado, como se a qualquer momento fosse precisar sair correndo.
- Uh... os primeiros cinco minutos foram ótimos. Aquele papo de sinta-se em casa, as balas são de graça, e eu não estou aqui para julgá-lo, mas ouvi-lo.
- Isso parece bom. E os outros trinta e sete minutos?
Suspirei.
- Um monte de perguntas previsíveis sobre meu pai, minha mãe, irmãos, minha infância, meus medos, meu casamento fracassado, meus filhos...
- E em qual desses pontos você saiu correndo da sala?
- Especificamente em "No seu caso seria interessante fazer uma regressão".
- Entendi. - Ele me estendeu a mão. - A última coisa que quer é voltar.
- É. - Entrelaço nossos dedos. - Eu só quero saber seguir em frente.
- Não posso tomar o volante, mas vou te ajudar a achar o caminho.
Eu beijo seus lábios e o sinal fica verde como os olhos dele.
...
Fizemos uma pausa na casa de Steve, para pegar roupas e coisas do Eddie. Steve me beijou e me deixou na sala, enquanto subiu e foi pegar o que precisava. Mas quando desceu, ele não me encontrou onde havia deixado, eu ouvi o som da água vindo do fundo da casa dele, e por mais desafiador que possa parecer, eu fui levado até lá por minhas pernas e me sentei na cadeira de costume.
- Danny?!
Ouvi quando ele deixou a mala de mão no chão perto da porta dos fundos e correu até mim, pronto para me encontrar no meio de uma crise de ansiedade.
- Quer ouvir uma coisa doida? - Perguntei, com os olhos fixos na água.
- Quero. - Ele se sentou ao meu lado e pediu pela minha mão, eu dei.
- Fiquei apavorado com a piscina no sítio, achei que fosse cair nela. Fiquei apavorado na pizzaria ao ouvir o som do mar agitado, fiquei apavorado há onze mil pés do chão. Mas eu não fico apavorado aqui, acho a vista dessa casa linda!
Percebi quando a sombra dele ficou alta, e percebi quando ele se colocou na minha frente, de joelhos e segurou minhas duas mãos com os olhos reluzindo.
- Meu amor, você está há dois metros da água... não sente nada aqui?!
Ele encarava meus olhos e as ondas fracas que invadiam a orla.
- Sinto.
- O que você sente? - Ele pareceu murchar.
Percebi que não tinha que escolher olhar pra Steve ou pro mar, ele estava no ângulo certo onde o azul da água contrastava com seus olhos e era perfeito.
- Eu sinto um amor muito maior que os 161.800.000 km² do Pacífico.
Seus olhos me olharam ardorosos, era uma felicidade diferente, do tipo que se vê nos olhos porque a boca está ocupada ficando desajeitadamente tácita. Ele se arrastou na areia, deixando os cotovelos na beira da minha cadeira, as palmas estendidas, segurando meus dedos curvados contra sua respiração.
- Você quer morar aqui comigo? - Ele perguntou, num tom imprudente.
- Pensei que nunca ia pedir. - Sorri, e ele fechou os olhos em alívio, beijando minhas mãos. - O que você tem contra minhas casas, hein?!
- Contra essa que você mora, ou morava, nada. Mas aqui é maior.
- Maior?! Essa é a sua resposta? - Debochei, como ele fez no aeroporto.
- Maior para que... você sabe... a gente possa encher de filhos aqui e ali.
Ele se sentou na areia, as costas contra minha cadeira, a cabeça se virando para ver o sorriso curioso que ele sabia que tinha colocado no meu rosto.
- Steve, você não pode me ajudar a achar o caminho. Você é o caminho.
Deixei meus braços caírem por seus ombros, ele me puxou e me beijou.
...
Steve me levou para almoçar no restaurante das tulipas brancas, falamos sobre o quarto novo de Charlie, que era exatamente a pesquisa do laptop dele que eu fechei em seu escritório. Buscamos Charlie juntos naquele dia e saímos para comprar móveis novos para o quarto dele, que estava pulando de alegria.
No dia seguinte, passamos de mãos dadas pelas portas de vidro e fomos ainda de dedos entrelaçados até a porta do consultório 3.
- Danny! Fico muito feliz que tenha voltado. - Disse a Doutora Aponi, hoje trajando um vestido de linho cinza granizo estampado por galhos retorcidos de árvores com polpa esponjada em tons de azul e amarelo ovo.
- Ontem você me perguntou se tinha algo que pudesse... me deixar confortável o suficiente pra fazermos a regressão. Esse é o Steve.
Ela sorriu, o que me deixou aliviado, já que ela não disse "O Steve não é algo." O que ela disse foi "É um prazer. Entrem. É bom ter companhia".
Eles apertaram suas mãos e a Doutora Aponi continuava tão pacífica quanto ontem, acho que parte da sua profissão é ser gentil com quem a deixa falando sozinha. Ela levou dois segundos pra entender que Steve era meu porto seguro, mas quis ouvir tudo sobre nossa história e entender quem exatamente ele era.
- Deite-se aqui, Danny. O Steve pode trazer sua cadeira para perto do divã. - Ela apontou cada poltrona a que se referia, então tirou os óculos do rosto e os deixou pendurado pela cordinha preta. - Vou dar um tempo para vocês.
Assim que ela passou pela porta, tentei me deitar, mas meu corpo não ia.
- Não sei se quero fazer isso, Steve. Quer dizer, eu sei que não quero.
- Amor, eu sei. Não vou forçar você, te amo demais pra fazer isso. Mas você quer saber como seguir em frente e eu acho que é assim, se lembrando do passado, pra gente não acabar tropeçando nas mesmas pedras, sabe?
Me deito no divã.
- Eu odeio quando você tem razão.
- Hey, não vai se acostumando não. - Ele segura minhas mãos.
- Seu amor é mesmo maior que o oceano, não é? Olha só onde você está.
- É uma humilhação para aquele riozinho ser comparado com o quanto eu amo você.
Sorri. Me esquecendo completamente que eu estava num divã e não em casa.
- Steve... se ela me voltar pra lá, e eu não conseguir voltar quando ela mandar... me chama, porque eu sempre sinto você, onde quer que eu esteja.
- Lembra o que você me disse? Lá em casa, na cama, antes da nossa primeira vez? Sobre... fechar os olhos quando sente medo?
- Lembro.
- Eu vou estar aqui, você vai ouvir a minha voz e vai abrir os olhos e encontrar os meus como sempre. Você vem pra mim e vamos juntos para casa.
- Eu te amo, Steven.
- Eu te amo, Daniel.
...
- ... você está indo muito bem, Danny. Seu corpo está relaxado, em contato com sua mente, deixe ela tomar conta, deixa ela assumir o comando. Você não está sozinho, preste atenção no som da minha voz. Preciso que volte para antes da água entrar na sua vida e se tornar um pesadelo, quando ainda se sentia leve e capaz de mergulhar, ciente de que voltaria bem até a superfície. Era só água, não era? Ela era bonita, reluzia sob o sol e principalmente, era inofensiva, não era? Você consegue ver? Consegue se lembrar, Danny?
- Sim.
- Consegue descrever o que vê? É dia ou noite?
- Dia. Verão... vejo bolas de praia, são grandes demais... batem acima do meu joelho, mas são coloridas e lindas. E tem pessoas por todo lado... cheiro de cachorro quente, de protetor solar e... eu vejo o mar... e estou correndo pra ele.
- Como se sente na água, Danny?
- O sol é tão forte em Jersey que faz a água parecer uma piscina aquecida!
- Onde você está, Danny?
- Wildwood. Eu não quero ir!
- E onde você não quer ir?
- Até a boia, mas ele fica me dizendo pra ir... é uma competição, não consigo dizer não pra uma aposta dele.
- Tudo bem, Danny. Vá até a boia, e me diga o que vê.
- A água está agitada, mas eu sou mais rápido, porque ele já ficou pra trás... sei que vou chegar primeiro até a boia, não falta muito, mas...
- Mas o que, Danny? O que houve?
- A maré... a maré está me puxando... não... eu não quero ir... eu preciso de ajuda! Me tirem daqui! ME TIREM... hey... eu vejo os olhos dele, castanho...
- O que está acontecendo? Você consegue, Danny.
- Ele... me puxou... eu estou bem... hey, você me salvou... obrigado por me salvar... obrigado... mas onde está... onde ele está? Billy... Billy? BILLY!!!!
- Danny. Ouça minha voz, volte. Estamos no Hawaii, no meu consultório. É a Doutora Aponi quem está falando. Está tudo bem. Você pode voltar.
- Billy...
- Ele não está voltando, Doutora!
- Danny? É a Doutora Aponi.
- Me deixa tentar? Danny, meu amor, aqui é o Steve. Lembra de mim? Volta pra mim, por favor, volta de novo, como a gente sempre faz, volta para mim?
- Steve... Steve! - Eu abro os olhos e não consigo mais parar de chorar.
Steve me envolve apertado em seus braços e faz pshiiii em meu ouvido.
- Tudo bem... eu tô aqui. Vai ficar tudo bem, eu prometo. Tudo bem, amor. Presta atenção na minha voz, deixa o ar entrar e tudo vai ficar bem, okay?
- Okay...
...
As coisas não ficaram bem. Não montamos quartos de criança, nem desempacotamos os pedaços de móveis embalados em caixas na sala da minha casa. A única coisa que parecia melhorar naqueles dois dias era o ombro de Steve, quanto mais a minha cabeça fundia, mais a pele do braço dele se regenerava.
Ele passou a levar e buscar Charlie na escola, então eles passavam em qualquer lugar longe de casa, porque Steve não sabia mais o que dizer quando Charlie perguntava se eu estava bem. Por isso, ele tentava apenas evitar a pergunta.
Ele chegava em casa tarde e tentava se comunicar comigo, mas nem eu conseguia fazer isso. A linha dentro de mim havia sido cortada. Não podia julgar Steve pelas ligações do trabalho que eu o via atender atrás do vidro da sacada, não podia julgar por acordar na cama e não encontrar ele do meu lado.
Como ele estaria do meu lado, se alguém precisava cuidar do Charlie? Como ele estaria do meu lado se alguém ainda precisava pensar em fazer café, se barbear e oferecer um sorriso largo para aquele garotinho que não tinha culpa de nada? Talvez ele estivesse exatamente do meu lado quando eu acordava sozinho.
Mas eu precisava fazer alguma coisa. Por isso, voltei até a sala 3.
...
- Eu tentei voltar pro porta malas, e acabei em Jersey. O que isso significa?
Ela tirou a prancheta do colo e colocou os óculos no rosto, me olhando por trás da lente, escolhendo as palavras exatas que eu deveria ouvir.
- Eu pedi você para buscar o momento anterior à fonte do problema, Danny. Você foi parar em Jersey, porque seu trauma começou bem ali.
Sabia o que ela ia dizer, mas não gostava de ouvir aquilo.
- Tem muito tempo que não penso em Wildwood. Isso é mesmo possível?
- Você não se lembra do trauma. Mas sua mente se lembra da dor.
- Eu sabia que o oceano não era a mesma coisa depois do Billy, mas há dez anos eu vim pra cá e só o que encontrei foi o oceano... - Sinto uma pontada no peito, uma pedra afiada me dizendo que acabei de me entregar a loucura dentro de mim no momento em que me pego dizendo coisas que nem eu entendo. - Eu fiz as pazes com o mar, vinte anos depois de ter virado minha cara pra ele.
- O que mudou? Tem certeza que foi vir pra cá?
Aí eu me lembrei. Passei seis meses no Hawaii ignorando o gigante azul. Ele ficava no canto dele, que era bem grande por sinal, e eu me trancava num quarto de hotel vagabundo, dirigia por caminhos mais longos pra evitar a costa, chegava atrasado em cenas de crime e me enfiava sempre no centro da ilha. Até receber a ordem do chefe Tanaka e ir parar naquela garagem. Foi aí que tudo, tudo mudou.
- Não. O que mudou foi conhecer o Steve.
- Danny... Você percebe que o oceano não levou apenas o seu amigo, Billy, mas a sua paz? O que eu quero mesmo perguntar é, o que o Billy era pra você?
Não preciso de mais para entender onde ela quer chegar, eu sou detetive também e estou acostumado a fazer as perguntas, a levar os suspeitos até lá.
- Billy Selway era o meu melhor amigo.
- Só isso? Por que quando perdeu ele, você perdeu a paz. E você era jovem demais para entender o que sentia. Isso justificaria porque viveu tanto tempo uma vida que não era sua. Eu entendo e concordo que você repetiu as atitudes dos seus pais, um casal estável e feliz, um exemplo. Mas o que te roubou de você? Porque parece que a água te roubou o Billy e um pedaço de você junto. Parte essa que o Steve te lembrou que você tinha. O Billy se foi, mas você ainda está aqui. Então, você sentiu a água pela segunda vez e se declarou ao Steve segundos depois? Por quê? A água te devolveu aquele pedaço, Danny?
Saio do consultório pela segunda vez sem dizer adeus ou olhar as horas.
...
É engraçado o que fazemos quando estamos perdidos, dirigimos por aí sem se importar se vamos pra leste ou oeste, jurando que não sabemos aonde ir, mas acabamos naquele lugar exato em que você sabia que precisava chegar.
Ainda estava dentro do carro quando meu telefone tocou e pensei nele.
"Oi mãe. Tudo bem por aí?"
"Oi filho! Sim e como vocês estão? Cadê o Steve?"
"Nós não estamos no mesmo lugar agora, mãe. Ele... foi pegar o Charlie."
"Te liguei porque tem algo que você precisa ver. Vou mandar uma foto."
"Certo, mãe."
Ouço o apito rápido da notificação de mensagem chegando. A foto é de Lara, que conhecemos antes de vir embora, ela está sentada no sofá da sala da casa dos meus pais, que agora me faz pensar em Steve, e ela está de perninhas cruzadas feito um mestre budista, com as costas exageradamente eretas, enquanto segura o pequeno Matthew no colo, tomando muito cuidado como se ele fosse de cristal.
"Recebeu?"
"É a foto mais linda que eu já vi na minha vida, mãe!"
"Danny, precisa agradecer ao Steve de novo. Eu liguei porque estava pensando nele, sem ele nenhum dos dois estaria aqui."
É nesse ponto da conversa que tenho que afastar o telefone do rosto, porque não quero que ela ouça quando eu começar a fungar por causa do choro.
"Mãe... eu vou agradecer. Eu posso perguntar uma coisa?"
"Claro, filho!"
"Se lembra de Billy Selway?"
O silêncio do outro lado é a forma mais clara de dizer que sim.
"Lembro, filho. Vocês eram muito próximos. Os pais dele não moram mais na cidade, mas eles adoravam você, as famílias ficaram amigas na verdade, porque vocês estavam sempre juntos. O que houve com ele foi um acidente horrível, Danny, uma calamidade. Mas você sabe que não foi sua culpa, não sabe?"
"Sei, mãe." - Abafei a palma da minha mão contra a boca.
"Quer saber algo sobre ele, filho? Isso está machucando você?"
Nada como ouvir sua mãe te perguntar se está machucado, para que a dor possa correr dentro de você como se as barreiras tivessem acabado de cair.
"Sim, mãe. O que quer dizer com vocês eram muito próximos?"
"Eu entendo sua pergunta, Danny, mas não sei te responder. Vocês eram próximos, estavam sempre juntos apostando corrida e brigando um com o outro, mas todo mundo sabia que era da boca pra fora. Se eu já cheguei a imaginar que você pudesse gostar dele? Talvez. Se já pensei que você gostasse de garotos? Sim. Mas isso não quer dizer que você era apaixonado por ele. Isso eu não posso dizer."
"Entendi, mãe. Eu tenho que ir... mas obrigado, tá bem? Eu te amo."
Sai do carro e dei de cara com aquela pedra esguia e deformada. Me lembrei da voz do Ross na minha cabeça dizendo que eu era um cara morto, o punho fechado da Catherine no meu rosto, o clique da algema no meu braço, minhas costas batendo no porta malas, o vento passando rápido por mim e a... água.
"É só deixar o ar entrar e tudo vai ficar bem." - Penso.
Minha garganta queima como se a água estivesse invadindo-a de novo, quando isso acontece, cada gota se transforma num estilete sem ponta, rasgando tudo pelo caminho. Eu só precisava de um pouco de ar, minhas narinas queimavam tentando prender o restinho de oxigênio que eu tinha, e minha cabeça começou a doer, um zumbido forte ficando cada vez mais agudo, se entrelaçando no som das ondas e dos meus braços se debatendo inúteis contra o oceano, e tudo ficou escuro e frio e molhado. Até não ter mais nada.
Senti a água no meu rosto, lágrimas malditas com o mesmo gosto do mar.
Me sentei no chão, porque não conseguia encarar a beirada rochosa, então depositei minhas costas nela, e fiquei ali sozinho, expurgando a água de mim.
...
- Danny? - Ouço a voz dele, e ela parece longe demais. - Danny?!
- Steve? - Minha voz salta assustadora pra fora de mim como um chiado.
Levanto o rosto e preciso enxugar os olhos para minha visão voltar a funcionar, vejo o Silverado estacionar e penso em Charlie. Não quero que ele me veja assim.
- Danny! Por que não atende o celular? Eu estava enlouquecendo!
- Cadê o Charlie?
- Pediu pra dormir na casa do Mike. Eu ia perguntar pra você o que achava sobre isso, mas como você desapareceu, achei melhor deixar ele ir pra poder te procurar sem que ele pudesse presumir que algo estava errado.
- Fez bem. Você é bom nisso.
- Você foi até a Doutora Aponi, não foi?
- Parece que você já sabe a resposta, de novo.
- Você sumiu, eu fui até lá.
Ele se senta no chão ao meu lado, os olhos como os meus não gostam de espiar ao redor, são lembranças demais escancaradas por todos os lados.
- Conversaram sobre mim? Ficou sabendo a nova teoria dela?
- Não. Ela não pode falar sobre um paciente com outro.
- Outro? - Levanto o rosto. - Desde quando você é outro paciente?
- Desde que eu percebi que estava sendo um babaca hipócrita com você.
- Como assim?
- Você deitou naquele sofá e fechou os olhos, foi corajoso e eu me senti um idiota, porque eu nunca tive coragem de enfrentar meus medos assim. Eu fujo. É o que eu faço. Por isso aceitei o caso da Melissa, por isso eu fui até a sede. Por isso eu saio tanto com o Charlie. Pra não ter que ver você assim, porque no fundo sei que é minha culpa. Você foi parar naquele porta malas por mim.
- Segundo a Doutora Aponi, o porta malas me lembrou quem eu sou.
- O quê?!
- Pois é. Parece que meus sentimentos pelo Billy estão sendo questionados, ela acha que eu era... apaixonado por ele, então ele morreu e eu oprimi minha sexualidade. Então quando revivi isso, aqui no porto, eu me reencontrei.
- Uau. - Steve parecia chocado, impressionado. Não indignado.
- Peraí. Você acredita nisso?!
- Não sei. O jeito que você falou dele, os olhos dele eram castanhos e você não sabia dizer não pra aposta dele... Eu deveria acreditar?
- É claro que não! Eu me descobri do seu lado, você foi o único homem que eu beijei, que eu me apaixonei, que eu transei, que eu amei! Eu só tive você! - É quando me dou conta. - Você não? Nunca tive coragem de te perguntar.
- Danny... - Quando ele diz meu nome com aquele tom eu me arrependo de ter perguntado. - Você é o homem da minha vida. Você é o primeiro e único homem da minha vida. Eu sabia que era gay desde muito cedo, mas não entendia aquilo, eu não tive uma Lola. O máximo que eu tinha de alguém era Mary e... ela era nova demais pra ouvir sobre o que eu não sabia dizer. Quando fui parar na marinha e ganhei... upgrade de músculos e olhares, eu percebi com clareza o que eu não queria. E... quando eu estava em treinamento, não havia privacidade, não havia conforto, não havia relacionamentos, não havia paredes suficientes. Os sentimentos eram confusos e eu tinha um melhor amigo...
- Freddie Hart. Oh meu Deus, é claro... vocês eram um casal?
Por um segundo me sinto Melissa estática do outro lado da minha porta.
- Não! Mas houve um tempo em que pensei que... alguma coisa pudesse acontecer, mas nada aconteceu. Talvez eu gostasse dele, talvez fosse o confinamento, a lealdade que eu não costumava ter. A gente era obrigado a passar muito tempo juntos, sofrendo juntos e apanhando juntos, entende?
- Como eu e você?
- O quê?! - Ele recusa a ideia imediatamente.
- Eu faço você lembrar dele?
- Danny, eu sei onde você quer chegar e não siga por esse caminho!
- Sabe? Porque eu tenho a impressão de que estamos... tapando buracos na vida um do outro? Porque parece que você perdeu o Freddie, eu, o Billy. E aí a gente se encontrou e nossas histórias de paixões oprimidas foram realizadas!
- Nós não somos substitutos na vida um do outro, Danny. Não diz isso!
- Tem certeza?? Eu falei com a minha mãe, e ela disse que eu e o Billy estávamos sempre juntos, brigando e fazendo apostas, se provocando, mas que todos sabiam que era da boca pra fora. Isso te lembra alguma coisa? Alguém?
Vejo o momento exato em que destruo a base sólida que ele manteve até aqui, seus olhos ficam vermelhos e úmidos e seu rosto parece uma flor morta.
- Eu sou um substituto pra você? Um prêmio de consolação pelo Billy?
- Eu não sei... você está falando com o cara que mentiu pra si mesmo por quarenta anos, que disse eu te amo pra mulheres pra manter um disfarce pra si mesmo, eu não sei quem eu sou, eu não sei de mais nada, Steve... eu não sei...
A ruga em seus olhos não consegue mais sorrir, é drástico, parece que não sabem mais como deve ser sorrir, como se nunca tivessem feito isso antes, e seu nariz retorcido, o queixo se enche de furos e ele se desespera como nunca.
- Não tem nem mesmo aquela única certeza mais, tem? O sim acabou?
E de novo, o silêncio dá respostas claras que som algum pode reverter.
...
Naquela noite cheguei em casa e não senti que havia chegado em casa. Eddie não estava mais deitado no sofá, a garrafa de café estava vazia e o cheiro de Steve havia tomado conta dos meus lençóis, da minha cama, do meu corpo.
O que eu havia feito? Que espécie de burrice estúpida me fez dizer que não tinha certeza se tudo o que meu coração pedia era por ele de volta? Onde estavam os braços de Steve agora? Onde estava sua boca que não na minha?
Passei a noite em claro encarando o anel de noivado que eu não tinha coragem de arrancar do meu dedo, vi o sol nascer e quando finalmente senti um pouco de sono por trás dos olhos inchados, alguém bateu na porta da sala.
- Que merda vocês fizeram dessa vez?!
- Ele mandou você?
- Ele pediu, educadamente, como o gentleman que ele é pra eu vir.
- Lola. Corta o papo de "ele é perfeito". Eu já sei que ele é perfeito, okay?
- Uau! Trinta e cinco segundos e meu trabalho já está feito. É um recorde, Nobel da paz, aí vou eu! Vai atrás dele no seu carro ou quer uma carona?
Bufei e me joguei no sofá.
- Eu não vou.
- Era bom demais pra ser verdade. Por isso eu não larguei a enfermagem. No hospital, eu injeto epinefrina e as pessoas voltam a respirar, elas não dizem "oi, você fez um ótimo trabalho" e morrem logo em seguida. As vezes morrem. É um péssimo exemplo. A questão aqui é, eu juntei vocês, não desfaçam isso!
- Desculpa se a minha vida tá atrapalhando o seu currículo como cupida. Mas nesse momento, você é só mais uma na fila das vidas que eu atrapalhei.
- Danny, desde quando a sua autoimagem ficou tão... lixo assim?
- Você tá falando igual a minha psicanalista. Ótimo.
- Por que você foi numa psicanalista, pra começar? Eles são sádicos!
Lola se sentou ao meu lado no sofá e retirou um saquinho de tubetes de balinhas fini cumpridas da bolsa, o que significava que ela estava cansada.
- Você também não dormiu?
- Não. Aceita?
- Isso é nojento.
- Me mantêm acordada quando eu tenho que salvar relacionamentos.
- Quando você me viu no hospital como uma vítima de afogamento, eu era exatamente isso, uma vítima de afogamento. Me prenderam num porta malas, algemado e o carro caiu no mar. Steve me tirou da água sem vida, e eu morri por uns minutos, até ele esmurrar meu peito e eu cuspir a água dos pulmões.
- Meu Deus, Danny... eu não sabia dos detalhes. Sinto muito.
- Odeio quando você fala sério assim, parece que o mundo vai acabar.
- Idiota. E aí? Você parecia ótimo no quarto com o Steve enfiando a língua na sua boca. Por que foi parar numa psicanalista e direto pra essa fossa?
- Eu achei que estava bem, ou eu estava mesmo bem, não sei diferenciar mais. Depois do pedido de casamento... vivemos uma lua de mel antecipada, e tudo estava perfeito, até não estar mais.
- Qual o problema? Ele é ruim de cama?
- Não! Ele é muito bom de cama. Muito bom mesmo! O problema é que... quer o termo médico? TEPT, mais especificamente no meu caso, Hidrofobia.
- Compreensível. Estava tão ruim assim?
- Pânico, crises de ansiedade... piorou depois de uma tempestade em Jersey, tive uma crise há onze mil metros do chão porque podia ver o mar pela janela.
- Muito ruim então.
- Steve marcou a psicanalista. Fiz uma regressão, e minha máquina do tempo parece que tá quebrada. Fui parar há 30 anos atrás em Jersey... quando quase me afoguei, um amigo me salvou, mas não conseguiu escapar da maré.
- E ainda tem gente que diz que um raio não cai 2 vezes no mesmo lugar!
- Pois é. A Freud que me atendeu disse que eu... posso ter oprimido minha sexualidade por ter me apaixonado por esse garoto que morreu afogado. E...
- Que quando você se afogou de novo, você desenterrou isso.
- Exatamente?!
- Ainda não entendi porque você e o Steve não estão mais juntos.
- Porque a minha vida foi uma mentira, Lola. E o Steve não merece outra mentira.
- Essa é a coisa mais idiota que você já disse, e você já disse muitas!
- Eu tô confuso, Lola. E se o Steve for uma espécie de substituto que eu coloquei na minha vida pra tapar o buraco que o Billy deixou?
- Você não disse isso pra ele, disse? - Ela respirou fundo. - Daniel?
- Eu posso ter dito.
- Retiro o que eu disse. Essa sim foi a coisa mais idiota que você já disse.
- Talvez seja mesmo.
- Danny. Vou te contar uma história, então tenta não dormir na metade. - Lola se empertigou no sofá e largou as balinhas, fez parecer que era importante. - Eu tinha uma cafeteira velha e ela era uma droga. A água e o pó simplesmente não funcionavam juntos dentro dela, o café ficava aguado demais ou cheio de granulo dentro. Era velho e não funcionava. Um dia ela quebrou. E eu pensei "sinto muito" e sabe o que eu fiz? Joguei minha cafeteira velha no lixo e comprei uma nova. Porque cafeteiras são substituíveis, Danny. Então, minha nova cafeteira... uau... ela faz coisas que até Deus duvida e o café é tão bom que eu tenho levado duas garrafas pro trabalho, porque ela faz todos os outros cafés da minha vida parecerem água suja. Você está se fazendo um monte de perguntas. É isso que psicanalistas fazem, e você deveria voltar até lá pra que ela soubesse o estrago que causou. Mas voltando ao café, a pergunta que eu acho que você deveria fazer é: Tem alguém na sua vida que é como o café da minha cafeteira, e faz todos os outros cafés da sua vida parecerem água suja?
E dessa vez o silêncio não respondeu sozinho, mas foi acompanhado pelo desespero das lágrimas que se acumularam dentro de mim e caíram juntas.
...
- Posso te pedir uma coisa?
Dessa vez ela usava uma calça social e camiseta preta, sobreposta por um cardigan cinza, os óculos foram largados na escrivaninha porque ela quis olhar nos meus olhos, e a prancheta também havia desaparecido.
- Vai me mandar sumir da sua frente e nunca mais voltar, não vai?
- Não! - É a primeira vez que vejo a Doutora Aponi sorrir para valer. - Eu só ia pedir pra quando eu errar feio na minha abordagem de novo porque acho a história sua e do Steve fascinante, me avisa que está pensando em se levantar e sair correndo, para eu tentar te pedir para ficar, há tempo dessa vez?
- Oh... Claro! - Sorrio também e me sento na poltrona com certa familiaridade dessa vez, minhas pernas não pensam em se trançar uma na outra e meus braços relaxam ao meu redor. - Acha nossa história... fascinante?
A Doutora Aponi tenta colocar a franja curta demais atrás da orelha e sorri.
- Acho. Mas não posso falar sobre um paciente para outro. Então... eu vou me corrigir e dizer que acho a sua história fascinante, e que ela se entrelaça na história do seu companheiro, que coincidentemente, pode ser um paciente.
- Certo. E o que tem de fascinante em dois caras apanhando da vida?
Ela se ajeita na poltrona com o mesmo sorriso que vejo no rosto de Grace quando ela conta pela milésima vez a história de Alexander Hamilton.
- Eu faço isso há dez anos, Danny. Meu trabalho é lembrar para as pessoas que elas devem olhar pra si mesmas de forma amigável e se auto perdoarem.
- Deve ser um trabalho difícil.
- É um pouco parecido com o seu, mas sem a parte emocionante de ação, porque eu investigo mentes. O fascinante é exatamente o que você disse, vocês são dois caras, só isso, duas pessoas comuns, mas com almas enobrecidas, histórias retorcidas como galhos de árvores que passaram por muita coisa, mas são frutíferos. Vocês criaram um sistema onde cuidam um do outro, e entendem um ao outro, e se todo mundo tivesse isso, eu perderia meu emprego.
- Não vai perder o emprego... - Mordo o lábio. - Nós terminamos...
- O anel de noivado está no seu dedo.
- É só um anel de noivado agora.
- Que está no seu dedo.
- Tem razão, não consigo tirar ele de mim, mas não quero decepcioná-lo mais... Não sei o que eu sentia pelo Billy e sinceramente acho isso irrelevante, mas... como eu lido com isso? Hidrofobia... qual é o remédio contra água?
A Doutora Aponi se levantou e foi até o filtro de água mineral, deixou um copo descartável encher e o colocou na mesinha de centro entre nós.
- Sabe o que usam no antídoto de veneno de cobra? Mais veneno de cobra.
- Entendi... o meu remédio é a própria água. Mas vai precisar de uns mil copos desses pra me fazer suar.
- Isso é bom. Vamos procurar um recipiente maior e lembrar que a água não matou o Billy, nem tentou matar você. A água é só um elemento e eu não sei em que você acredita, destino ou acaso, mas a água foi apenas a ferramenta. Você era só uma criança, e crianças precisam se sentir seguras. Seus pais lhe deram segurança, foram laços sólidos, mas o evento que tirou a vida do Billy colocou isso em xeque, tornou o mundo um lugar inseguro e te deixou reativo a ele. Te levou a um estado de hiper vigilância constante, a sensação de que deve sempre ter medo, a sensação de que algo vai dar errado a qualquer momento. Sente isso, não é? Como se precisasse dormir com o olho aberto?
- Sinto, por isso o anel tá no meu dedo. Ele é o único lugar onde eu consigo dormir com os dois olhos fechados, onde eu sinto que a água é só um elemento.
- Tem razão, Danny. O que sentia pelo seu amigo não é relevante. Olhar pro passado é só uma forma de rastrear nossas pegadas e descobrir por onde passamos, até encontrarmos onde estamos, mas isso não define para onde você está indo. O amor que cuida e que cura é relevante. Você decide qual o caminho.
Aquelas palavras deram corda em algo dormente dentro de mim. Algo que estava esquecido como um soldadinho velho jogado no porão de uma casa.
- Doutora... eu preciso ir, mas não quero sair sem dizer adeus dessa vez.
Ela olhou o relógio de pulso.
- Uma hora exata, Danny. Você conseguiu. Parabéns e... Aloha!
- Aloha.
...
Bati a porta do carro, liguei o rádio num daqueles momentos mágicos onde os sinais se abrem pra você passar e as letras de músicas falam sobre você. Fiz baliza no Camaro e dei bom dia para os funcionários da entrada do Palácio. O Silverado não estava na garagem, mas isso não tinha necessariamente que significar alguma coisa, eu estava há dois dias sem vê-lo, mas não conseguia acreditar que ele ficaria dois dias longe do trabalho, das armas e da ação.
Um soldado está acostumado a ver o mundo pelo cano de um rifle afinal.
Passando pela porta de vidro, encontrei Chin abraçando Kono e Jerry meio que esmagando Adam, que tinha os olhos meio empapados, talvez pela falta de oxigênio já que Jerry adorava um abraço, principalmente quando era em Adam.
- Hey, parece que cheguei a tempo de salvar esse cara. - Disse.
Jerry o soltou finalmente e Adam me olhou com cara de idiota.
- Eu. Vou. Ser. Pai!!!
- Oh meu Deus! - Meus olhos correram para Kono, com aquela sua expressão de quem é forte demais para chorar. - Parabéns!!!
Puxei os dois de uma vez e os abracei.
- Calma, Haole. Ou vai acabar vendo o meu almoço espalhado no chão.
- Eca. Parabéns irmã! Tenho certeza que fizeram a menina ninja mais linda da ilha! Ela vai fazer calendários de roupinhas infantis, vocês são ver!
- Quem disse que vai ser uma menina?
- Eu aposto 20.
Eles sorriram.
- Já sabemos que o McG vai apostar num menino então. - Disse Chin.
- Ele... está aqui? - Perguntei, sentindo o coração derrapar enquanto olhava para a persiana de sua sala.
- Não... - Chin respondeu, um tanto quanto surpreso. - Ele não está com você?
- Não, eu... não estava em casa... Ele deve estar em casa. - Menti.
Não queria que soubessem que eu fui idiota e o deixei escapar dessa forma.
Foi quando desisti de olhar para o escritório dele e percebi movimento no cômodo que costumava ser de Kono.
- Eu... aluguei meu escritório pra eles. - Disse Kono. - Acharam ela.
- A Lindsay?! - Pergunto, percebendo que há uma terceira pessoa no cômodo.
- É. Estava sendo mantida refém por um ex-namorado truculento. Ele está numa cela e ela no hospital agora, estão contando pra Melissa.
- Que horror... - Comentei. - Então ela era mesmo um caso.
- Era. - Disse Chin. - E fizeram um trabalho excelente, se quer saber.
- Vamos acabar perdendo nossos empregos, Haole! - Disse Kono.
Junior abriu a porta do escritório e Tani saiu por ela, consolando Melissa, que me viu assim que colocou os pés pra fora e me olhou conflituosa.
- Danny.
- Acharam sua amiga. Fico feliz! - Comento, e vou em sua direção.
Melissa acena com a cabeça, e todos dão espaço porque percebem que ela precisa de privacidade.
- Ela é uma boa amiga, e boa pessoa, mas tem dedo podre para homens. - Ela responde. E então o clima fica pesado, porque acho que ela me odeia agora.
- Eu tive um... pequeno vislumbre de como você deve ter se sentido e percebi que eu fui um ex-namorado terrível pra você. Eu não dividia meus pensamentos, não deixava você entrar, não estava presente, não estava presente nem pra mim. Mas isso não significa que você não estava lá também... e não tem nada que eu possa dizer para melhorar isso, mas sinto muito.
Noto que Melissa percebe a franqueza em minhas palavras.
- Esse cara é um ex-namorado horrível, Danny. Não você. Você... é gay, não é um agressor, não é um babaca. Tá tudo bem, de verdade. Não é como se você tivesse que saber tudo sobre você, pra facilitar as coisas pra mim. Não é como se eu tivesse sido cem por cento sincera porque sabemos que eu não fui. Você terminou comigo assim que descobriu a verdade. Obrigada por isso.
- É o mínimo que eu podia fazer. Você é uma boa garota, espero que seja feliz.
- Eu também espero que você seja feliz, Danny. E sinceramente... isso não é da minha conta, mas eu espero que seja com o Steve. Eu sempre notei como você olhava pra ele, e ele olha pra você como ninguém, eu ou qualquer pessoa... ele te ama, e é um cara bom de verdade, se não fosse por ele, Linsay...
- Eu sei. Ele é... um cara bom sim. Deseja melhoras pra Linday.
- Aloha. - Ela disse, antes de pegar o elevador. Fiquei com aquela sensação de que nunca mais a veria na vida, e isso não era um problema.
As pessoas entram e saem pelas portas o tempo inteiro, o que importa é o que fazem no caminho que percorrem entre a entrada e a saída.
...
O Camaro estacionou na porta da escola, e Charlie parecia chateado.
- O que houve, garotão? Que carinha é essa?
Ele fez um biquinho de quem queria chorar, mas estava disposto a lutar contra e me olhou nos olhos com as mãozinhas juntas sobre os joelhos.
- Por que o Papai Steve não me busca mais?
Consegui ouvir o barulho do meu coração se despedaçando como vidro.
- Oh, filho... eu prometo que vou pedir pra ele aparecer, tudo bem?
- Vocês prometeram que ficariam juntos pra sempre. Lembra, Danno?
Eu me lembrava sim. E era essa lembrança que me mostrava o caminho.
...
Aquela foi a segunda vez na semana que Charlie foi dormir na casa do Mike. Nada além de um paliativo, enquanto eu tentava consertar minha bagunça, que era grande demais para alguém que não dormia direito há quarenta e oito horas.
Em algum momento eu passei os dedos na superfície onde minhas costas estavam deitadas e senti o piso vinílico do chão do meu quarto, vi a mochila da escola jogada sobre a cadeira e o novo poster do Bon Jovi, recém pregado.
Ouvi a porta da sala batendo, sabia que era meu pai chegando do trabalho, porque logo em seguida minha mãe começava a tagarelar sobre como o boletim de Stella era brilhante, e tive que aumentar o volume da música pra abafar a briga atual de Bridget e Matt sobre quem ia escolher o canal da televisão.
- Eu gosto do barulho. Mas isso não é um tremendo exagero? - Só quando Billy me fez essa pergunta, eu percebo que ele também está ali, esparramado no chão com os olhos revirados e o cabelo todo bagunçado.
- Sorte sua que não tem irmãos. - Faço uma espécie de cuia com as mãos para me concentrar no único som que quero ouvir, a voz do John Bon Jovi.
- Eu não tô falando desse barulho. - Ele apontou a porta com a cabeça. - Tô falando desse barulho. - Agora apontou para o aparelho de som.
- Você não pode chamar uma obra de arte como Always de... barulho!
Ele revirou os olhos como se pudesse arrancá-los do rosto.
- Gosto do... som. Mas a letra? Como alguém pode saber que vai amar outra pessoa pra sempre? E como alguém pode amar alguém pra sempre?
- Billy, você faz perguntas demais. É um nerd, devia namorar a Stella.
- Esse é o ponto, meu caro Daniel. Por que namorar uma única pessoa, se o mundo é enorme e cheio de garotas gostosas de nome Britney e Amber?
- Meu caro Billy, você não entende nada sobre música de qualidade.
- Eu só não entendo todo esse drama sobre "vou te amar para sempre". Isso não existe. Meus pais brigam o dia inteiro, pela decoração nova da cozinha, porque o cachorro fez xixi no tapete. Nem todo mundo é como os seus pais.
- Eu sei, mas eu quero ser. Um dia. Quero amar alguém pra sempre.
- Esse é o seu problema, você pensa demais no futuro, Danny. Você não tem o futuro, sabe disso. Você só tem lembranças do passado e o presente. Eu gosto disso, gosto de ter lembranças, quadros velhos, o passado é... silencioso.
- Nerd.
Ele revirou os olhos outra vez, e eu fiquei pensando no que ele disse.
Acordei sentindo o piso da sala de estar da minha casa adulta em Honolulu.
Passei o restante da tarde pensando em tudo o que aconteceu, e repensando até encontrar as pontas certas daquele novelo emaranhado que eu deveria puxar, as perguntas corretas que eu deveria fazer. Minha mente funcionava como um quebra cabeça com peças demais, desorganizadas, largadas pela sala e eu sabia que tinha que começar pelas pontas. Em algum momento você começa a pegar o jeito e sabe que a peça não vai encaixar mesmo antes de tentar, então o meio é tudo o que resta e as peças são poucas, você já sabe onde aquilo vai te levar, mas precisa ver a imagem completa.
Billy adorava mesmo o passado, me lembrei do quarto dele, onde no meu havia pôsteres de banda, o dele era preenchido por imagens em preto e branco. Lembranças e fotos antigas se agrupavam em sua gaveta, porque Billy adorava guardar o passado, o bilhete do cinema do primeiro encontro que ele teve com Cynthia Hill, as bolinhas de gude que trouxeram a sujeira das ruas de Newark, de onde seu pai havia sido transferido antes de Jersey, recortes de jornal velho.
Esse era Billy Selway. Um garoto que adorava o passado. Era justo.
Eu coloquei a última peça no lugar.
Estava usando a camisa cinza de Steve e uma calça de moletom, queria me trocar, quem sabe usar o terno que ele gostava, aquele azul petróleo e comprar algumas tulipas? Seria mais fácil ele me perdoar assim? Se eu vestisse a roupa que ele gostava de arrancar com os dentes? Se as flores que funcionavam como marcadores da nossa história estivessem presentes, ele me perdoaria na hora?
Eu não podia perder mais um segundo. A minha mente estava instável demais, em cinco minutos um vento feroz poderia tirar tudo do lugar. Parei de andar em círculos pela sala de casa, passei a mão nos cabelos despenteados e peguei a chave de casa rezando em silêncio pra que ele não me deixasse.
Abri a porta da sala e quase esbarrei no punho erguido do outro lado da porta, pronto para bater na madeira que eu havia acabado de tirar do lugar.
- Steve?
Seu peito subia e descia leve como um trem descarrilhado, ele também não havia tido tempo para ternos azuis e flores brancas. Por cima da respiração ofegante, apenas uma camiseta de poliéster cinza tão desbotada que podia ser facilmente confundido com branco - se eu não conhecesse seu guarda roupa como a palma da minha mão - jeans escuro e sandálias, seu cabelo caia sobre a testa, isso sempre acontecia quando ele acabava de acordar porque havia passado horas inconsciente demais para colocar os fios no lugar. Eu adorava vê-lo assim, aquele homem maciço que vestia qualquer coisa e parecia um modelo com falso ar despojado, por acaso, adorava as linhas que se formavam no tecido esticado pelos músculos do seu peitoral e bíceps, adorava o caimento em sua cintura e o modo como o jeans cobria suas pernas como se tivesse me implorando para tirá-lo do lugar, eu amava cada trecho dele, sua boca aberta deixando o ar circular rápido demais, os cílios histéricos, olhos bem molhados.
- Não diz nada. - Sua voz se fez presente assim que abri minha boca, junto do som que ele produzia, eu podia sentir as gotas de dor pingando do lábio. - Você tá com raiva. Eu entendo. Tá com medo. Entendo também. Tá confuso. Eu também entendo isso. Sua cabeça tá uma bagunça... mas eu quero você. - Seu rosto se contorceu, os cantos da boca pro chão, os músculos trêmulos, os cílios se apertaram e espremeram lágrimas que correram pelo maxilar e caíram do rosto, a língua entre os lábios que lutavam para continuar.
"Quero o pacote completo, Danny. Posso conviver com isso, com o medo, com a dor, crises num avião, passar a noite em claro quando chover, eu sempre te espero dormir pra ter certeza que não vai ficar acordado e não me importo, eu gosto. Gosto dos seus dedos procurando meu pescoço quando o sono já te pegou, gosto do seu corpo pesando sobre o meu, gosto do cheiro do seu cabelo quando fecho os olhos, é quando te sinto quente e calmo que sei que posso dormir."
"Eu posso lidar com toda a sua bagunça, você não é perfeito? Ótimo, porque eu não quero uma mentira bonita, eu quero você por inteiro, quero as melhores e piores partes, eu quero você assim, quero você quebrado, quero você com medo e com raiva. Eu estou aqui porque quero você, então... briga comigo, Danny! Me chama de idiota, de animal! Da um soco na minha cara se for fazer você se sentir melhor, grita comigo! Mas não me manda embora... por favor, não me faz ficar longe de você, não deixa o tempo me convencer de que é verdade e que eu sou um substituto, não me deixa acreditar que nosso amor não é a coisa mais linda que já aconteceu e que ele é recíproco... porque eu me lembro de tudo."
"Eu lembro que amor não é um anel, é dar tudo de si mesmo quando você pode precisar daquela parte, não é? Saber que quando me cortaram, sua pele também sangrou? Querer você mesmo quando você não quer? Eu lembro de tudo. E eu te quero mesmo se você não quiser, mesmo que quiser desistir da gente, Danny, eu não desisti de você, eu te dou todas as minhas partes, eu tô bem aqui, então pode fazer o que quiser comigo, só não me manda embora..."
Palavras bonitas e sinceras demais... O que fazer com elas? Onde armazenar sem que me façam entrar em combustão? Ele está aqui, não posso perdê-lo.
- Entra, por favor? - Estendo minha mão com o anel de noivado a mostra. Vejo quando ele apara meus dedos no ar, o arrepio que vem dele e se propaga por mim como uma onda que tira cada pelo do meu corpo de ordem. Ele nota o anel, e aperta minha mão, eu retribuo o gesto e o levo pra dentro de casa.
- Você... colocou ele no lugar?
- Eu nunca tirei.
- Estava... de saída?
- Senta. Por favor.
Seu corpo se acomoda sem segurança no sofá, como se ele pudesse se levantar a qualquer momento. Eu só queria empurrar suas costas para trás, colocar as pernas pra cima e poder estudá-lo sabendo que ele não vai embora.
- Você não respondeu... - Seus joelhos apontavam pra frente, as mãos se massageavam equilibradas entre eles. O rosto caído na altura dos ombros.
Me sentei no extremo do mesmo sofá, dobrei as pernas como se fosse fazer ioga e tomei fôlego. Ele deita o pescoço contra o ombro para conseguir me ver.
- Eu ia sair, mas você foi mais rápido.
- Ia me ver?! - Seus olhos saltam esperançosos.
- Ia. Queria conversar com você. - Minha voz sai sussurrada sem querer.
- Sobre o que queria conversar? - Percebo o temor em sua voz.
Passo a mão pelo meu cabelo, manipulo os dedos nervosos, estralando cada nó que consigo e sinto os dedos dos meus pés beliscarem minhas coxas.
- A ilha. - Ele franze o cenho. - Você tinha razão. Tem algo mágico nessa ilha. O lugar verdejante, a turquesa do mar, o calor das praias, as garotas dançando no ritmo da maré... todo esse papo de que a ilha é uma grande casa de veraneio pra tirar férias e relaxar? Besteira. É só um cartão postal. Isso aqui não é um sítio, não é passeio, não tem trégua, Steve. Ela se importa com quem entra, recebe de braços abertos, mas testa um por um. Testa quem merece ficar. Ela não testa quem tem amor, testa quem é capaz de amar. Ela encontrou a gente, duas pessoas sem amor, mas capazes de amar, e lançou seus dados. Apaixonem-se. Amem-se. Nós somos presentes dessa ilha. A mesma ilha que nos destruiu, com fogo nos fez cinzas, e do pó com fogo nos refez em amor.
Percebo suas costas rastejarem para o encosto do sofá, ele está intrigado.
- Poético, mas pensei que... as pessoas inventassem coisas para terem no que acreditar.
Pego no ar a referência, antes mesmo dele terminar de me citar.
- Parece que as pessoas inventam coisas até para não terem no que acreditar.
- Não discordo de você, só estou surpreso. É nisso que acredita agora?
Apoio minhas mãos em meus joelhos, suspiro e busco os seus olhos.
- Qual era o seu medo, Steve? Algo que já devia pensar há um bom tempo?
Ele fungou e me olhou. Sabia que ele tinha a resposta na ponta da língua.
- Eu tinha medo de perder o meu Danno pro velho Danny, aquele que se casa com a garota que bate na traseira do seu carro, que namora com uma vítima de bala perdida, que salva a garota e depois ainda leva pra sua casa.
- Eu tinha medo de perder o meu Steve pro Fuzileiro Naval, aquele que é imprudente, inconsequente, pensa uma jogada por vez e não pensa nem uma vez sequer em quem vai morrer junto com ele se ele não voltar dessa missão.
- Uau... pensei que seu medo fosse o oceano.
- Você é o meu oceano, Steve. E eu sou a sua ilha.
Arrisquei desviar os olhos dos meus dedos nervosos e espiar seus olhos.
- O que isso significa? Que eu amo essa ilha, mas ela me odeia?
- Como eu poderia odiar o que está por todo lado que eu olhar? Meu medo não é do oceano, mas das marés agitadas que podem tirar você de mim.
- O SEAL.
- Você é um SEAL, não dá pra deixar de ser. Mas você não tá em campo. Então onde você está? Num banco de reservas? Esperando a Five-0 ligar, ou pior, Dóris ligar, ou ainda pior, Catherine ligar pra você vestir sua roupa de ninja e dizer adeus a nós dois? Ou deixar só um bilhete e nunca mais voltar?
- Entendi. - Seu corpo é inclinado levemente em minha direção, as pernas juntas dobradas na beira do sofá. - Foi isso mesmo que fiz por anos, Danny. Mas não quero mais me vestir de ninja, não quero bilhete nem adeus. E você? Quer mais um romance de capa de revista? Mais uma donzela pra ser salva?
- Não. Eu não quero uma mentira bonita, não quero nenhuma donzela. Só sobrou o seu Danno aqui agora, o Danno pai de filhos que sentem sua falta.
- Sentem minha falta? - Ele precisou enxugar o rosto com os dedos.
- Prometemos ficar juntos pra sempre. O Charlie me perguntou hoje se eu lembrava disso. E perguntou por que o Papai Steve não o buscava mais?
Steve sai de sintonia por alguns segundos, precisa enxugar o rosto.
- Sinto falta dele também.
- Não é só ele que sente sua falta por aqui...
- Não?
- Não...
Steve depositou os olhos em mim, feliz por ouvir aquilo, mas chateado.
- Ele... tá com o Mike?
- Foi a única coisa que encontrei pra distrair ele por uma noite.
- Pra você me procurar e dizer que a ilha é mágica?!
- Mal descemos do avião e... tinha uma garota batendo na minha porta, e o trabalho te dando uma oportunidade pra fugir de mim. A ilha não dá trégua.
Steve vira o tronco na minha direção, ainda fascinado por minhas palavras.
- Tem razão. Acredito nisso. Mas partindo desse ponto, você disse não para a Melissa, passou no seu teste. Eu disse sim para o trabalho. Falhei com você.
- Não! - Me estico e toco seu joelho. - Não falhou não. Você aceitou o serviço, mas delegou ele, só não queria me ver ser obrigado a aceitá-lo. Você se escondeu no escritório, mas quando te achei, você me levou pra casa, lembra? E depois que a gente seguiu por ruas diferentes, você não voltou a trabalhar.
- Como sabe disso?
- Eu sou detetive.
- O trabalho não faz o menor sentido sem você, nada na minha vida faz...
Rastejo o corpo para o eixo central do sofá. Meus joelhos tocam os dele, procuro suas mãos, ele recebe as minhas e beija as costas dos meus dedos.
- Passamos nesse teste, mas eu fiz o meu Moreno sofrer... - Enxugo as lagrimas que caem no rosto dele. - Não sei como consegui dizer algo tão cruel e estúpido que antes mesmo de concluir a frase eu já havia me arrependido. Você não é um prêmio de consolação, Steve. Você não é substituto de ninguém na minha vida! - Ele aperta minhas mãos. - Pessoas não substituem pessoas. O pequeno Matthew e a Lara não substituem meu irmão Matt, Grace não substituiu a Grace Tilwell. Joan não substituiu o John. Eu não substituo o Freddie, e você com certeza não substituiu o Billy. Pessoas não substituem pessoas. Pessoas transcendem pessoas. Pessoas amam outras pessoas.
- Eu amava o Freddie, Danny. É complicado entender o sentimento por alguém que não está mais aqui. Mas um dia, uma versão antiga de mim o amou. Ele era um homem bom e essa parte dele me lembra você. Só que isso não faz de você, um curativo pra perda dele. O amor que eu sinto por você é tão diferente. É que... o que eu sinto por você não vai passar... Você amava o Billy?
- É. Como uma fotografia antiga, mas muito querida na parede do quarto. Percebi que o passado é o lugar do Billy, ele gostava de lembranças e foi o que a vida o tornou. Não vou arrancar ele da parede, mas aprender a seguir em frente. Ele morreu, eu não morri. Ele tá no meu passado e o Freddie no seu.
- Tem razão quando diz que é minha ilha, porque eu sou louco por essa ilha, é a parte mais bonita e pura do mundo, é o único lugar de onde não quero ir embora. O único que me faz querer buscar a melhor dentro de mim.
- Por isso procurou a Doutora Aponi?
Ele assente.
- Você volta dos confrontos com dois braços e duas pernas, a cabeça encima do pescoço e tem que se sentir um homem de sorte. As pessoas te olham como se você fosse um herói, e dizem "que bom que você não se machucou". Mas elas não conseguem ver, as cicatrizes são internas, e a batalha nunca termina. Ninguém me ensinou a viver, só me ensinaram a sobreviver e eu vivia procurando uma batalha nova pra poder sobreviver, é o que eu fazia até pouco tempo atrás.
- O que mudou, Steve?
- Você. Você é o único que vê minhas cicatrizes, eu consigo ver nos seus olhos. É o único que vê o Steve, e isso faz sobreviver ser pouco demais.
- Eu faço você querer... viver? - Agora sou eu quem saio de sintonia.
- Faz. E só você faz. Por isso eu tenho que saber, o que eu sou pra você?
E aí eu sorri. Porque ele fez exatamente a pergunta que eu precisava.
- Posso? - Pergunto, me aproximando com borboletas no estômago.
- Desde quando você precisa de licença pra subir em cima de mim?
Minhas pernas se encaixam tão bem em torno das dele, e meus dedos não resistem em tocar seus braços enquanto caminham até sua nuca. Ele arfa contra meu corpo, mas continua resistente quanto a me tocar.
- Quer que eu implore pra você tocar minha pele, eu posso fazer isso...
Suas mãos finalmente aparam minhas costas e eu não sei se estou perdendo o fôlego ou voltando a respirar.
- Não sabia se queria, você não respondeu minha pergunta.
- Eu vou responder, mas pra fique claro, esse sou eu te pedindo perdão.
Dessa vez, eu choro junto com ele, no momento em que percebe que eu o quero e não consigo ficar em qualquer lugar em que seus braços não estejam. Ele esconde o rosto no meu peito, como fez no outro dia e respira fundo buscando o meu cheiro, enquanto me abraça apertado contra seu corpo. Estrelas cadentes chovem dentro de mim e eu faço sempre o mesmo pedido.
- E esse sou eu te perdoando, e lutando contra a vontade de te beijar.
E é nesse ponto que eu sugo seu lábio inferior pra dentro da minha boca, e sinto os fogos de artifício explodindo em minha boca, o fogo se espalhando em luzes coloridas dentro de mim, quando ele desiste de lutar contra e me beija.
- Oh que saudade... Se concentra, Daniel. - Digo para mim mesmo e ele sorri. - Quando cheguei nessa ilha, eu a ignorei, ignorei o oceano, ignorei o idioma. Tive que conhecer você para querer abrir os olhos e sabe o que eu fiz? Comprei um dicionário, porque queria muito entender a sua língua, Steve.
- Comprou um dicionário?! - Seus olhos sorriem junto da sua boca.
- Comprei. E Steve, devíamos prender quem escreveu aquilo. A sua língua não pode ser traduzida como francês ou italiano, não existem palavras correspondentes em qualquer outro lugar. Palavras não traduzem sua língua.
- Por exemplo?
- Aloha não é Olá e Tchau. É muito mais que uma saudação ou despedida.
- O que Aloha significa?
- Você. Você é o meu Aloha, seus braços são o meu Aloha, é onde meus dias começam e também onde eles terminam. Quer saber o que mais você é pra mim? Huna. Você é o meu segredo mais oculto, meu desejo de encontrar a parte mais profunda dentro de mim, a representação mais pura de vida que existe, meu motivo de sair da zona de conforto, conhecer detalhes sobre mim que eu não sabia que existiam, essa busca ilimitada por autoconhecimento e equilíbrio, tudo isso vem de você. Toda a paz em mim vem de você. E você também é a minha Uhane, você é minha alma gêmea, Steve, você é meu presente e meu futuro, tudo desagua em você. Você é meu por direito, mas também por escolha. A ilha me deu você, mas também me deu escolha, eu podia ter ido embora, tive dez anos pra fazer isso, mas eu escolhi ficar, escolhi você. Eu quero que você seja meu marido por toda a vida, porque você já é todo o resto, é o amor da minha vida, é aquele que eu amo sem dúvida alguma, aquele que não consigo perder, aquele que não posso pendurar na parede, é onde eu encontro felicidade, significado dentro de mais significado. Você me coloca no lugar. Você é o meu café forte e doce que faz todos os outros parecerem água suja...
- Eu sou tudo isso? Uau...
- Oh, meu amor, você é muito mais que isso, eu só não quero que fique convencido... - Selo nossos lábios e sussurro. - Você é meu dicionário inteiro. Eu aprendi mais uma coisa, espero acertar na pronuncia. Aloha au iã 'oe, Steven.
Ele sorri gradativamente até me entregar a melhor versão do seu sorriso.
- Eu também te amo, Daniel. Nunca mais faz isso comigo... - Ele chora.
- Não chora ainda, eu tenho mais uma pergunta. - Procuro pela caixinha no meu bolso e quando a encontro, ele sorri emocionado. - Casa comigo?
- Agora? - Ele sorri. - Porque eu aceito me casar com você todo dia.
- São de noivado, eu comprei em Hollywood, depois do trauma que foi ver um monte de mulheres chamando o meu noivo lindo de... modelo de cuecas!
- Então quer dizer que isso aqui é você demarcando território em mim?
- É. Você é meu modelo de cuecas, Steve Jack McGarrett.
- Posso fazer uma demonstração pra você agora mesmo, sabia?
- Só de cueca? Parece interessante, mas eu prefiro sem ela.
- Danny, Danny, Danny... você ainda vai me fazer perder o juízo.
- Mas primeiro, vou demarcar território em você. - Peço por sua mão. - Eu prometo te perturbar por todos os dias da minha vida. Prometo beber todo o café que você fizer mesmo com você reclamando que fico chato quando me encho de cafeína, prometo reclamar do seu tempero quando tiver tudo perfeito, prometo de deixar excitado em lugares públicos, prometo atrapalhar o seu sono, prometo não desistir de você e fazer tudo que veio antes valer a pena.
A aliança coube direitinho no dedo dele. Então ele pegou a minha mão e se deparou com o anel de noivado, que ele tirou da mão direita e encaixou na esquerda, para que meu anelar direito ficasse livre para a nossa nova aliança.
- Eu prometo dirigir o seu carro e pisar fundo no acelerador de vez em quando, prometo comprar rosquinha sem glúten e fingir que foi um engano, eu prometo pegar no seu pé sobre coisas idiotas só porque gosto de te provocar, prometo te tirar do sério pelo menos uma vez por semana, soltar de forma aleatória como quem não quer nada que eu quero mais filhos até você saber que eu tô falando sério, prometo lutar por você todo dia e toda noite da nossa vida.
Ainda estou pensando no que ele disse sobre filhos quando ele segura minha mão e coloca a aliança no anelar direito, e depois a beija uma, duas, três vezes.
- Eu te amo, Steven. Eu te amo sem medo de dizer que é "pra sempre".
- Eu também te amo, Daniel. "Pra sempre" foi feito pensando na gente, meu amor. Mas agora... me passa seu celular? Precisamos fazer algo antes que eu comece a te beijar porque eu sei que não vou mais conseguir parar.
Entrego meu celular em sua mão e o beijo do mesmo jeito.
- Que saudade de você, Amor... - Suspiro, e ele me abraça.
- Você tem dormido? - Ele pergunta, enquanto digita no telefone.
- Sem você?
- Eu também não, Anjo. Não vou mais sair do seu lado, eu prometo.
- Não vai mesmo, eu tenho um par de algemas na gaveta.
Ele sorri e faz uma chamada de vídeo para Charlie.
"Danno?" - Charlie usa seu pijama coberto por carros de todos os tipos.
"Oi, garotão. Tem alguém aqui querendo falar com você, tudo bem?"
"Quem é, Danno?"
"Oi, campeão!"
"Papai Steve! Você voltou! Eu senti tanta saudade!"
"Eu tô morrendo de saudades de você, Campeão. Prometo que amanhã vou pegar você na escola e a gente vai montar o quarto mais legal do mundo inteiro. O que você acha?"
"Que demais! Eu vou adorar! Você... vai ficar com a gente, não vai?"
"Eu não saio de perto de vocês de jeito nenhum. Eu amo você, filho."
"Também te amo, Papai. E diz pro Danno que amo ele."
"O Danno também ama você!"
"Até amanhã, Campeão."
Ele desligou a chamada, trocamos um sorriso apaixonado e sua boca veio até a minha, seus dedos se segurando em meu rosto com firmeza e carinho, como só ele sabia fazer. Nossas bocas se conheciam tão bem e sabiam como trabalhar juntas, meu corpo já estava pulsando quando sua língua procurou pela minha.
Minhas mãos correram por baixo de sua camisa, e eu a tirei com pressa e beijei seu ombro onde a cicatriz já começava a parecer apenas uma lembrança. Meus dedos caminharam junto com meus olhos pelo seu peitoral.
- Você é um noivo lindo, Steve.
- O seu noivo lindo. - Ele completou com um sorriso no rosto.
- O meu noivo lindo. - Disse. Desatei o botão de sua calça e a empurrei para baixo, ele me abraçou para que eu não caísse enquanto ele erguia a coluna e forçava o jeans até que ele caísse embolado na poção mais próxima do chão.
Steve agarrou minha cintura com seus dedos famintos, e tirou minha camisa da sua frente até a pele do meu peito pulsar contra a sua, sem tecido entre nós.
- Você quer aqui ou na cama? - Perguntou Steve, sorrindo e escorrendo as mãos pelas minhas costas enquanto empurrava a barra da minha calça.
- Eu quero aqui e quero na cama.
Mordi os lábios quando senti a fisgada por baixo de sua box, e não resisti em passar meus dedos em sua cintura vacilando pelo cós da sua cueca box, recolhi minhas pernas e me ajoelhei no tapete da sala, puxando seu corpo pelo tecido da box, ele veio de bom grado para a beirada do sofá, onde beijei o desenho perfeito que delimitava todo o seu contorno.
Só precisei tender o indicador contra o elástico grosso para o que eu queria acontecer, e seu pênis saltar procurando pelo carinho dos meus lábios. Contornei meus dedos em torno da sua pele macia e quente e o estimulei uma, duas vezes, na terceira beijei sua glande observando as veias que pulsavam, era impossível não perceber o quanto ele me queria tanto quanto eu o queria na minha boca.
- Você gosta dele, Babe?
Sua voz rouca só acelerava o processo que eu tanto queria efetuar, minha língua encontrou sua pele na parte funda do seu tronco e subiu por toda a sua longa extensão, como um pincel deslizando o primeiro toque pela tela.
- Isso responde sua pergunta, Amor?
Steve mordia o lábio inferior, adorava aquele jogo, o pênis como uma rocha inflexível pronta para invadir minha boca.
- Uh... você pode ser mais claro?
Segurei pela base do tronco como se empunha um sorvete de casquinha e envolvi a ponta em minha língua para que não deixasse a calda escorrer por meus dedos.
- Isso foi claro pra você?
- Oh... ainda tenho algumas dúvidas, Amor...
- E se eu fizer isso?
Mordi meu lábio e ergui a coluna até ficar na altura exata para trazer seu pênis pelos meus lábios e o deixar afundar fazendo minha língua de cama, meus olhos presos aos dele num vínculo direto que nenhum dos dois estava disposto a quebrar.
- Oh amor...
Ele gemeu na primeira vez que seu pênis alcançou fundo minha boca. E nas próximas vezes em que fui e voltei com minhas mãos afiveladas em sua cintura, ele enfiou os dedos entre meus cabelos e estocou minha boca gemendo rouco e crescendo entre meus lábios.
- Porra... que delícia, Danny... eu não vou aguentar mais, eu preciso.... preciso vir, Amor...
Ele esperava que eu o interrompesse, mas eu queria vê-lo gozar exatamente daquele ângulo, e só aumentei a intensidade com que minha boca o engolia e o deixava, sentindo o pré-gozo umedecendo minha língua que brincava em sua glande. Senti seu pênis ricochetear em minha boca, seus músculos se contraindo, seus dedos agarrando o tecido do sofá quando ele gemeu alto e rouco e eu senti seu gosto se derramando na minha boca, tudo nele era mais gostoso do que eu esperava, mais gostoso do que deveria e seu jeito de gozar na minha boca não era diferente, minha língua varreu o líquido branco e viscoso que escorria pelos meus lábios enquanto seu gemido ia cedendo aos poucos.
- Era isso que queria, não era?
- Você gozando na minha boca?
Ele tenciona o corpo num último espasmo de tesão ao som da minha voz.
- É, eu gozando na sua boca.
- Eu estava com saudades do seu gosto.
- Tem um pouco aqui... - Ele toca meu lábio. - Vem cá, deixa eu te beijar.
Sinto uma fisgada imediata em minha box quando Steve prova do seu próprio gozo escorrendo pela minha boca.
- Oh, amor... fala pra mim, isso não é gostoso?
- É, mas eu prefiro o seu. Vem, vou cuidar de você agora na cama.
- Vamos fazer amor agora?
- Vamos transar e fazer amor e eu vou te foder bem gostoso se for o que você quiser.
- E foi assim que um Hawaiano ganhou o coração de um New Jersyan!
- Com uma noite de sexo quente?
- Eu sei o que está fazendo, Steven. Não é necessário, eu tô por um fio aqui.
- Bom saber. Se eu te pedir, você deita de lado pra mim?
- Na posição que você quiser, eu só quero você, Steve.
- Você é gostoso demais pra me querer assim, Danny. - Disse Steve, enquanto se desfazia da minha cueca com os olhos fixos em meu pênis pronto para entrar em combustão.
- Você nem me provou hoje ainda...
- O que você disse, Babe?
Ele esgueirou o corpo, se deitando de lado com o rosto na altura da minha cintura, deixando minha perna se enrolar em seu abdômen e sem mais conversa me encaixou todo dentro da sua boca.
- Oh, porra...
O mais gostoso em sentir sua boca sugando meu pênis era perceber o quanto ele sentia prazer em fazer isso, seu olhar ficava atrevido e sua boca não se importava em ir cada vez mais rápido. Dessa vez, ele resolveu dividir sua atenção e enquanto me chupava, me apalpou por trás, levou o dedo médio até minha boca, eu entendi o recado e o chupei para deixá-lo lubrificado, e ele roçou o dedo molhado em minha entrada que cedeu para ele como sempre fazia.
- Oh, Steve... isso é tão gostoso...
Seu toque rapidamente se tornou determinado e enérgico, e eu quis gozar no mesmo momento, mas lutei contra enquanto ele passava de um para dois dedos e o meu tesão aumentava junto com a velocidade de seus movimentos, ondas se propagavam dentro do meu corpo, vindo da ponta dos seus dedos e dos seus lábios.
- Oh, Amor... me deixa... sentar em você?
Ele se desfez da minha boca com certa enrolação, deixou um beijo carinhoso na minha glande e retirou os dedos de dentro de mim. Se sentou no meio da cama com o pênis já ereto, eu o lubrifiquei com a língua e passei as pernas em torno das suas.
- Você me quer dentro de você, Amor?
- Não fala assim, eu tô me segurando aqui...
- Não precisa segurar... eu vou te fazer gozar de novo de qualquer jeito.
O empurrei contra a cama e levei meu pênis até o seu rosto de lábios vermelhos.
- Eu sei o que você quer, sabia?
Ele mordeu o lábio e abriu a boca me olhando como um convite, deitei o meu pênis contra seu rosto e invadi sua boca enquanto já sentia o primeiro espasmo.
- Oh, porra... que gostoso, Amor... ohhh.... que delícia gozar na sua boca, Steeeve...
Eu ainda gemia me despedindo do orgasmo quando ele lambeu o lábio e eu beijei sua boca, enquanto sua coluna se levantava e eu me encaixava sobre suas pernas, sentindo o seu pênis roçando despreocupado em meu corpo quente.
- Posso, meu Lindo? - Ele me olhou apaixonado e me pediu licença.
- Eu tô sempre pronto pra você, Amor.
Senti sua glande me penetrar, adorava o modo como ele deixava o meu corpo deslizar sobre seu pênis e não o contrário.
- Oh... como é gostoso... te sentir assim...
- Oh, porra... - Meus dedos se fecham em torno do seu cabelo, meu peitoral escorre pelo seu, quente e levemente suado, meu corpo se abre mais um pouco. - Não tem... sensação melhor... que sentir você entrando dentro de mim... Meu amor...
Senti Steve tomar conta de todo o espaço dentro de mim quando sentei de vez em seu colo e ele me abraçou contra seu corpo de modo que não existia um espaço sequer entre nós dois, e não havia nada no mundo que fizesse mais sentido do que ele preenchendo o meu corpo, e a sensação física do que nós já éramos em alma.
Beijei sua boca sentindo nossos sabores se misturando, meu corpo subia e descia escorregando na pele quente de todo o seu corpo, sua boca molhada contra a minha urgente como os dedos que me requisitavam na base da minha coluna, pouco acima de onde meu corpo cedia para que ele pudesse se acomodar por inteiro, o que não era lá uma tarefa fácil, mas um desafio delicioso que eu adorava realizar.
Empurrei seu peitoral pela cama, o derrubando deitado para que eu pudesse fazer o que bem entendesse sobre ele e sabia pessoalmente como Steve adorava isso, ele adorava estar no controle, mas nada o excitava mais que me ver roubando o volante de suas mãos por puro prazer.
- Oh, Amor... oooh, oooh. - Ele gemia rouco e compassado, isso me deixava louco.
- Ah... ah... ah... me fode, Amor? Me fode... daquele jeito que você sabe que eu gosto?
- Oh, Babe. Amo quando me pede por isso...
Steve me deitou na cama, fincando seus joelhos no colchão, e segurou seu pênis junto do meu, nos masturbando juntos, o que me fez estremecer de tesão.
- Ooooooh... - Gemi alto quando ele me penetrou sem rodeios dessa vez e me estocou cada vez mais forte, meus dedos se enrolaram no lençol e Steve segurava minhas pernas pelas coxas enquanto sua virilha era pressionada contra a minha pele. E cada vez que seu corpo se contraia dentro do meu, ficava ainda mais gostoso.
- Ahn... ahn... ahn... - Seus gemidos se tornaram cadenciados, e ele ia e vinha dentro de mim com a feição de quem poderia gozar a qualquer momento, seus dedos agarraram meu pênis e ele me masturbou enquanto me fodia.
- Isso é.... tão gostoso, Amor... você vai... tão fundo assim...
- Eu amo ir fundo... em você, Amor... você gosta?
- Não tem ideia de como eu gosto... mas se continuar... vai me fazer... gozar na sua mão...
- Não quero que... se segure hoje... eu quero te dar prazer... quantas vezes você quiser...
- Quer gozar... bem fundo... em mim, Steve?
- Quero, mas quero gozar te vendo gozar...
- É só continuar... me fodendo... ooh... forte assim... que eu gozo.... ooh Deus... Como você é gostoso...
- Assim... meu amor? Porra, Danny...
Ele gemeu quando contrai meu corpo contra seu pênis, deixando seu caminho mais apertado porque sabia que isso o deixaria louco de tesão.
- Oh, Steve... goza dentro de mim?
- Oooooh... ahnnn... aahhhh... tô gozando, amor... consegue sentir? Aaahhh...
- Simmm... eu vou... ooooh porra... isso é tão quente... Ooohh... Por que você é tão gostoso...
Senti meu pênis vibrar escorregadio entre seus dedos, o jato veio mais forte do que eu podia imaginar e fiz uma bagunça tremenda em seu peitoral. Mas Steve não se importou, ele jogou o corpo deitado ao meu lado, enroscou nossas pernas, nossos pênis se tocaram ainda reverberando os orgasmos recentes, e ele me beijou, ainda era sexy, ainda tinha gosto de sexo e ainda me dava tesão, mesmo quando não devia.
- Porque eu te amo, e porque você é muito, mas muito gostoso mesmo.
- Eu também te amo, meu amor. Nunca mais vamos vestir roupas, okay?
- Quer mesmo que eu vá assim buscar a pizza na porta?
- Não! Não mesmo. E pede logo essa pizza, eu tô morrendo de fome.
- Você sempre fica morrendo de fome depois do sexo, meu amor.
- Ah, você me conhece tão bem. Eu já disse que te amo hoje?
- Uh... acho que não...
- Eu sou completamente apaixonado por você, Steven. Te amo.
- Eu te amo, Daniel. Você não faz ideia do que faz comigo, meu Loirinho.
- Não, mas você vai me contar agora.
- Adoro ficar assim com você, te sentir por inteiro sem roupa nenhuma, e o tesão que você provoca em mim... É surreal, Danny. Simplesmente só aumenta... Você é tão sexy em tudo que faz, sua fala mansa, seus olhos intensos, seu corpo todo, eu amo cada detalhe seu, e tudo junto, é demais... eu sou louco por você, Amor.
- Interessante ouvir isso.
- É? Posso saber por que?
- Porque o meu tesão por você também só aumenta, eu amo os seus gemidos rouco, amo o seu corpo, as tatuagens, Steve... oh Deus, como você é lindo, eu amo o seu maxilar... bem aqui... - Eu o beijo, minha boca aberta provando a curva em seu rosto.
- E eu amo sua língua em mim... - Ele arfa, fechando os olhos e me sentindo.
- Ama? - Passo a pontinha da minha língua em seus lábios, contornando-os.
- Oh, Danny... - Ele lambe minha língua, da forma mais sexy que existe.
Eu sugo sua língua, meu rosto caminha em sua direção até sua língua entrar em minha boca, e eu afasto de leve e repito o movimento, sua língua entrando e saindo da minha boca como seu pênis adora fazer.
- Oh, porra... quer mais? Ou quer pizza?
- A pizza pode esperar um pouquinho... Eu não posso. Quero ficar de quatro, Steve.
- Oh, Danny, eu já estou duro pra você.
...
Bateram na porta da sala e a gente ainda estava se beijando na cama.
- Oh, pausa pra colocar calça e comer pizza. - Digo, e o beijo de novo.
- Você pega a chave e eu o cartão. - Ele sela nossos lábios de novo.
- SÓ UM MINUTO! - Grito ainda de dentro do quarto, visto uma calça de moletom cinza e jogo uma preta para Steve, que segura o cartão entre os dentes.
- Bai lá. - Ele tenta dizer enquanto veste a calça. Eu pego o cartão entre seus dentes e deixo um beijo nos seus lábios.
Então corro até a porta, porque entregadores não entendem o que é estar apaixonado por Steve, muito menos sabem como é andar depois de tê-lo dentro de você por horas deliciosas.
- Boa noite! - Abro a porta com a cartão em mãos.
- Que estranho! - Responde Lola do outro lado.
Ela passa pela porta e estica o pescoço com o nariz franzido.
- O que é estranho?
- Sua casa tem cheiro de quartinho de descanso de hospital. Perai, você tá mancando?
- Amor, recebeu a piz- - Steve aparece usando minha calça e percebe que Lola está na sala de estar cheia de sacolas nos braços.
- Ah, sexo de reconciliação! - Ela assente. - Isso explica tudo.
- Sexo de reconciliação. - Confirmo.
- Não repete. Quando você concorda, é nojento! - Ela comenta. Eu já estou verificando como meu moletom fica um pouco apertado no corpo dele.
- Oi Lola! Tudo bem? - Steve vai até ela e tenta cumprimentá-la.
- Tudo. Nem vou perguntar como estão porque está óbvio. Eu amo vocês, mas não vou pegar nas suas mãos, porque vocês estão cheirando sexo e eu não tô brincando quando digo que tem algo estranho no seu peito. Oh, isso é...? Ah, que nojo! Eu volto outro dia.
- Hey, não fala assim do meu noivo. Olha isso, fala se não é lindo? - Abraço Steve por trás e exibo a aliança em seu dedo para Lola.
- Olha só! Anel de noivado e aliança de noivado, vocês são surpreendentemente gays de vez em quando. Eu vou indo, bom sexo, meninos!
- Obrigado! - Respondo. - Nós amamos você.
- Obrigado mesmo, Lola! - Steve grita, acho que não é pelo mesmo motivo que eu. - Nós te amamos.
- Ah, vocês ficam tão sentimentais quando estão sexualmente satisfeitos!
Lola resmungou e passou pela porta, trombando no entregador de pizza.
- Opa! Boa noite, Steve McGarrett?
- Eu tenho cara de Steve, meu amigo? - Lola perguntou. - Quer saber, me dá isso, você não vai querer ver o que eu vi. Vai me agradecer depois. - Ela bateu na porta semiaberta. -Meninos, pizza. Venham pagar. Eu tô tentando poupar esse pobre homem de testemunhar o mesmo que eu! - Ela colocou a cabeça pela porta junto da mão que segurava nossa pizza.
- Quanto drama, hein Lola? E eu que sou sentimental, não é? - Recebo a pizza, e passo o cartão de Steve pela máquina.
O rapaz que faz a entrega nos encara totalmente confuso.
- Você é sentimental. E eu estou orgulhosa. Boa pizza e bom... você sabe, café!
Lola caminha até seu carro com um sorriso resplandecente no rosto.
- Pizza com café?!! - Perguntou o entregador.
- Café é uma gíria para outra palavra de quatro letras. - Respondi.
Steve colocou a cabeça pela porta.
- Pronto, meu Amor?
- Oh! - O rapaz ligou, finalmente, os pontos.
...
Levamos dois dias para transformar o quartinho antigo e desabitado num quarto digno de ser postado no Pinterest. Steve achou melhor não pintarmos a parede ou teríamos que esperar o cheiro da tinta desaparecer para nos mudar. É claro que eu reclamei e disse que ele só queria economizar, mas não era isso. Ele queria que nos mudássemos logo, e eu também queria isso.
Steve colou um papel de parede em preto e branco atrás da cama, onde um avião charmoso parecido com o barão vermelho planava entre uma grande e rechonchuda nuvem. Aos pés da cama, uma estante vertical vermelha com quatro degraus organizava alguns livros e bonecos queridos, como um Mickey que compramos na nossa visita recente aos Ratos Gigantes em Los Angeles.
Paralelo a cama, um tapete shaggy cor de pele, onde Steve montou um trilho orbicular, onde uma locomotiva, que cabe na palma da mão, rodava sem parar. E ao fim do tapete, uma escrivaninha em MDF azul cobalto para os deveres, com uma espécie de gaveta secreta que servia de organizador para quadrinhos, e é claro, a parte preferida do Charlie, o X Box One e a TV instalada em seu quarto. Steve não estava brincando quando disse que não queria decepcionar o Charlie, e eu também não estava quando disse que ia ter que colocar os dois de castigo.
Não posso levar o crédito pela decoração, mas não nego que foi divertido ver Steve se empenhar tanto em um quarto, enquanto o resto da casa está abarrotado de caixas de papelão etiquetadas, mas a reação de Charlie fez tudo valer a pena, os gritinhos abafados pelos dedos na bochecha e os abraços não tem mesmo preço. Ele correu por cada canto do quarto e testou a TV nova, até cair na cama com as pálpebras moles sobre os olhos.
- Boa noite, garoto. - Disse, enquanto beijava a testa de Charlie.
- Boa noite, Danno. Boa noite, Papai Steve!
O sono fazia sua voz soar como se ele voltasse a ter cinco anos de novo.
- Boa noite, Campeão! - Steve o beijou sobre o cabelo loiro bagunçado.
- Uau! Dois pais, dois beijos de boa noite, você tem tudo em dobro, é?!!
Charlie sorriu, enquanto Steve ajeitava outra vez o edredom sobre ele.
- Posso ter sorvete em dobro também? - Perguntou Charlie.
- O quê? Quem te ensinou a negociar desse jeito?!
- Provavelmente o tio Kamekona. - Respondeu Steve, antes que a conversa sobrasse pra ele.
- Hey, eu vi essa piscadinha aí! - Comentei. E vi mesmo a piscadinha.
- Foi um cisco, Danno. - Comentou Steve.
- Eu amo... - Charlie fechou os olhos antes de completar a frase.
- Nós também te amamos. - Respondeu Steve.
- Tenho certeza que ele ia dizer que amou o quarto.
Steve revirou os olhos, segurou minha mão e me levou pro andar de baixo.
A sala de estar mais parecia um depósito de mercadorias e eu não sabia o que Steve estava tramando quando ele me disse para esperar bem quietinho ali. Ele sumiu na direção da cozinha, ouvi o som de tampinhas de garrafa de vidro sendo arrancadas e ele voltou com duas cerveja geladas e destampadas.
- Fizemos um bom trabalho. - Digo, recebendo minha cerveja no sofá.
- Você quer dizer que eu fiz um bom trabalho e você acompanhou tudo com seus lindos olhinhos azuis, certo?! - Steve se senta ao meu lado e passa o braço sobre meu ombro.
- Isso é tão injusto. Eu estava me despedindo emocionalmente da minha ex-casa. Foram anos ali, havia uma conexão. Como você é insensível, McGarrett.
- Uma conexão?! Se você quiser posso te levar lá e te deixar uns minutos a sós com aquela casa.
- Oh, não vai ser necessário. Ela é madura, entendeu que o amor acabou.
- O amor acabou? Ou você... não sei, talvez...se apaixonou por outra... casa?
- Bom, essa casa é maior, sabe? Tem mais cômodos, uma bela vista.
- Hun... o que mais?
- O que mais... vejamos... eu adoro aquele balcão da cozinha, sabia?
- O balcão da cozinha?! Foi o que te trouxe até aqui?
-Então... me deixa concluir. Eu adoro me sentar naquele balcão... não sei se você já pensou nisso, mas... ele é bem espaçoso e a altura é interessante...
Steve não conseguiu mais prender um sorriso sexy, então me beijou.
- A gente tem uma criança no andar de cima, você se lembra disso, né?
Faço minha melhor expressão ofendida e indignada.
- Eu só disse que gosto do balcão. Sabe, pra fazer... salada ou... café?!
- Café? Isso não é um código para "eu quero transar na cozinha"?
- Talvez seja. Talvez não. Quer descobrir? - Seguro seu queixo.
- É claro que eu quero.
Seu rosto muda de quem estava observando as caixas para quem está observando a cor dos meus olhos e o formato da minha boca. Ele fica sóbrio e ao mesmo tempo parece dormente, preso em meu rosto como se estivesse diante de uma cadente que caiu do espaço no meio de sua sala.
- O que foi, Amor?
- Você é lindo.
Eu selo nossos lábios, mas não consigo fechar os olhos e deixar de vê-lo.
- Isso foi... intenso. - Sinto meus braços se arrepiando com seu beijo.
- Vem. Nós vamos comemorar.
- O quê?!
Steve se levanta e vai até um toca-discos empoeirado que eu tinha plena certeza de que não funcionava mais. Ele tira um vinil de aspecto estranhamente novo da capa creme com um coração turquesa, e encaixa o disco abaixo do braço achatado do tocador, de onde um piano suave começa a cantarolar.

(https://youtu.be/Yjr4TlK53HI)

- Pois é, isso funciona. - Ele me olha por fim, lendo meus pensamentos.
- O vinil é novo, por mais que pareça que entramos numa máquina do tempo, posso ler o 2019 daqui.
- Desliga o detetive por um segundo, e vem dançar comigo?
Ele me estende a palma de sua mão em formato de cuia, sorrio ao ver a aliança de noivado brilhar como um lembrete de que isso não é um sonho.
- Mas... o quê?! A gente não dança.
- Dançamos no casamento da Kono. - Ele deu de ombros.
- É, dançamos mesmo. - Eu o entrego minha mão. - Mas desde quando você dança?
- Oh, eu não danço.
- Ótimo, eu também não. - Concluo.
Ele passa o braço pelas minhas costas, é mais como um abraço, e eu me penduro em seu pescoço porque adoro ter uma desculpa pra fazer isso, nossas pernas se misturam um pouco, mas ele decide pra onde quer me levar e eu o acompanho e em algum momento me sinto balançando como um barco no mar e aquilo é bom!
- Foi no aeroporto em Jersey. - Meu rosto está deitado em seu ombro, que não levou um tiro, quando ele começa a me contar a história do vinil. - Deixei vocês na lanchonete e fui buscar as malas na esteira, tinha um senhor, um ambulante, vendendo vinis, o que é estranho porque é 2020. Mas dava pra perceber como ele é apaixonado por discos, e você sabe como as pessoas de Jersey adoram falar e falar...
- Hey! Somos comunicativos, ta bom? Não tagarelas.
- Claro! Você é incapaz de tagarelar, meu amor. - Ele pigarreia de mentira e eu sorrio contra seu ombro quando ele me abraça ainda mais forte.
- Então, Amor, você ficou com pena dele e comprou o vinil?
- Não. Eu fui buscar as malas. - Ele sorri. - Mas quando cheguei na esteira, essa música começou a tocar num toca-fitas portátil e "vermelho e amarelo dançando sob nossos olhos", tudo isso sobre circo... me fez resgatar uma lembrança. Meu pai, minha mãe, Mary e eu. Era quatro de julho, eles nos levaram num circo e estava cheio demais, ficamos andando de mãos dadas, os quatro, como se assim a gente nunca fosse se perder um do outro.
- Então, voltou e comprou o disco?
- Foi. O senhor ficou dizendo que essa cantora foi criada em Jersey, então eu pensei que você fosse adorar.
- Eu adorei. Posso ficar me balançando com você o dia inteiro, Amor.
Ele sorri contra meu pescoço, e preciso ver como seus olhos estão.
- Eu passei a vida pensando em família como algo transitório, como um calendário, que chega no fim do ano e simplesmente... não funciona mais, sabe? Meus pais largaram a mão em algum momento, talvez nunca tenha sido real. Mas ai chegamos em Jersey e a sua família? Tem tanto amor naquela casa que parece que vai sair escorrendo pela porta... e eu percebi que... nem todo mundo solta as mãos em algum momento. Existem mesmo casais que... tem tanto amor entre si que é só virar a página e começar um novo ano juntos... faz sentido?
- Claro que faz. Olha só pra gente dançando no meio dessas caixas? Acha mesmo que um dia meu coração vai parar de saltar só de olhar pro seu rosto?
Ele sorri e tropeça o nariz no meu.
- Espero que não. Ainda nem me acostumei com a ideia de você me amar.
- E com a ideia de encher essa casa de amor até ele escorrer pela porta?
- Posso me acostumar com isso. Essa casa precisa mesmo de amor.
- Podemos fazer isso. Nós dois juntos podemos fazer qualquer coisa.
- Como virar as páginas por anos e continuar sendo felizes pra sempre?
- É, exatamente isso. Quer saber? Eu nunca vou soltar sua mão, Steve.
- Ótimo. Porque eu também nunca vou soltar sua mão, Danny.
Continuamos nos balançando entre caixas e mais caixas etiquetadas com a minha letra no chão da sala onde ele cresceu, onde um dia ele foi um garoto como Charlie é hoje. Nossas vidas estão mesmo entrelaçadas e nada nunca pareceu tão certo. Novos planos passam pela minha mente e sei que não estão só ali porque posso ver nos olhos dele que ele está pensando o mesmo que eu.
- Amor? Eu tô muito, muito feliz por estar em casa agora com você.
- Eu. - Ele me beija. - Amo. - Outro beijo. - Você. - Mais um.

***

mas o gosto da sua boca ...Where stories live. Discover now