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— O quê? — Pergunto sem conseguir evitar que a empolgação em seu rosto, ilumine o meu. Mesmo que eu só possa, do banco traseiro, ver seus olhos no retrovisor, percebo que eles sorriem tomados por um deslumbramento novo.
— Você tá aqui. — As covinhas espremem seus olhos no espelho pequeno.
— Eu tô aqui com você, meu bem. — Entrego minha mão livre por cima do seu banco. Charlie sempre fica com sono depois de uma viagem de avião, por isso fechei o cinto em torno da sua cintura e acomodei seu rosto em meu colo. Minha mão esquerda o mantém seguro e faz cafuné em seus cabelos. A outra aperta o ombro de Danny, e recebe seus dedos se entrelaçando nos meus.
Não é exatamente a posição mais confortável do mundo. Para ser sincero, parece que entrei num jogo de twister, mas ser a guarida de aconchego dessa família é de longe a melhor e mais prazerosa função que cumpri na vida.
Ele se vira no banco do carona pela primeira vez e sorri fascinado.
— Steve McGarrett em Nova Jersey! Se me contassem, eu duvidaria.
Danny contrai os lábios, fazendo furinhos se formarem em seu queixo.
— Pois é. As loucuras que fazemos por amor... — Eu o provoco.
— Eu sei que em parte você tentou ser romântico, mas pra você isso sai pela tangente. Porque você é completamente dependente de fazer loucuras.
Pelo menos a motorista do Uber deve estar do meu lado, porque ela encara Danny e recua o corpo para a janela, com os olhos em total incompreensão.
— Tá vendo só? — Pergunto em parte para a motorista, em parte para Danny. — Eu viajei quase oito mil quilômetros por sua causa e é assim que você me trata?
— Peraí. — Danny faz aquela cara de quem provou um café amargo. — Oito mil nada! Quatro mil foram para ver a sua irmã. E quatro mil pra ver a minha família. A matemática não mente, meu amor. E eu pelo menos nunca reclamei!
— Eu não tô reclamando! Tô dizendo que te amo e iria até o inferno por você.
Ele sorri por um exato segundo, então repensa.
— Você... acabou de chamar a minha cidade natal de inferno?!
— Não, Danny. É a altitude te deixando paranoico. De novo.
— Ah, Steve. Nem sei porque aceitei me casar com você.
— Porque você me ama. E porque eu sou o homem mais lindo que conhece e acho que não vai querer ouvir as outras coisas que você já me disse, pelo menos não em público. Mas tá tudo aqui. — Aponto o indicador para minha cabeça.
— É, eu te amo. E eu sou bem idiota por isso. — Ele suspira.
— Cara, sabe como é difícil conseguir um homem que vá até na esquina comprar uma caixa de leite pra você?! — Subitamente, pergunta a motorista.
Danny se empertiga e a estuda com os olhos.
— Vocês agora dirigem, dão balas e conselhos matrimoniais por acaso?!
— Daniel! Não seja rude com a moça. — Me direciono a ela. — Perdoe ele, está nervoso porque sou maravilhoso ao ponto de vir pedir a mão dele em casamento para seus pais.
Nem Danny consegue conter o sorriso dessa vez.
— Só pra constar: Eu dei um fígado pra ele. Não um qualquer. O meu fígado. O único fígado que eu tinha.
— Ai meu Deus, já faz quatro anos! Eu vou mesmo ouvir isso pra sempre.
— É isso que significa o “e viveram felizes para sempre” das histórias!
— Se continuar assim, vou te entregar pros seus pais e voltar pro Hawaii.
— Você não faria isso. Não sabe viver sem mim. E além disso, os Williams são conhecidos por sua hospitalidade, então até você vai adorar essa cidade!
— É, tem razão. Eu conheci você com uma arma apontada na minha cara. Muito hospitaleiro mesmo!
— Parece que funcionou. Você me ama e vai se casar comigo.
— E foi assim que um New Jerseyan ganhou o coração de um Hawaiiano!
A motorista do carro se torna ilegível. Não sei se está pensando em pular do carro em movimento ou em pedir conselhos sobre como conquistar um cara.
— Steven?
— Oi, meu amor.
— Eu te amo.
— Te amo também.
...
O carro estacionou de frente para uma casa bonita e grande, do tipo que você consegue imaginar crianças correndo pela grama e luzes de natal nas janelas.
— Desculpe ser rude. Eu espero que encontre um cara que viaje oito mil quilômetros por você. Não use uma arma. — Disse Danny para a motorista.
Abri o cinto de Charlie, enquanto Danny descarregava as malas. O garoto ensaiou a ideia de abrir os olhos, mas se entregou ao sono e eu o levei abraçado sobre meu ombro. Para mim, não importava se Charlie tinha nove meses ou nove anos. Eu não seria capaz de atrapalhar seu sossego daquela maneira.
O carro se afasta pela rua. Danny deposita os olhos no mosaico revestido de madeira da parede externa. São dois andares, cinco janelas espalhadas no de cima, apenas uma janela larga no canto esquerdo do primeiro pavimento, a porta branca da garagem centralizada no muro e a portinha de entrada principal mais para a direita, atrás de meia dúzia de degraus. A grama é extraordinariamente verde e comporta pequenas árvores de cume arredondado.
— Danny... — As palavras escapam da minha boca, açoitadas pelo meu coração esmagado pela angústia do medo. — E se eles não gostarem de mim?
— Hey... — Ele acaricia meu rosto. — É impossível não gostar de você!
— Você não gostou de mim quando me conheceu.
— Roubou meu emprego. Não vai roubar o emprego deles, vai?
Sei que Danny só quer quebrar a tensão, mas a piada passa direto por mim.
— Já batemos juntos em muitas portas, mas você não cresceu do outro lado de nenhuma delas. — Penso em Danny e todas as histórias que já ouvi dele.
— Quando voltei pro hotel, só conseguia pensar em você. Queria te procurar, te dar um soco pelo meu trabalho, descontar tudo em você, ou quem sabe oferecer minhas informações... acho que só queria te ver de novo, pensei em te procurar, mas você foi mais rápido, bateu na minha porta primeiro.
— Pensou em mim? — Dessa vez suas palavras mergulharam em mim.
— Pensei. Gostei de você desde o primeiro segundo, Steven. E vou te amar até o último. Por isso eu quero tanto me casar com você. Faria isso agora.
— Tem razão, Daniel Williams. Eu não sei mesmo viver sem você.
Caminhamos juntos até a porta. Danny toma a frente com as malas. Ele usa uma calça jeans desbotada de cintura baixa, camisa cinza escura e um suéter palha de gola redonda e fica a coisa mais linda que eu já vi. Eu troquei de roupa algumas vezes, até vestir uma camisa preta lisa sob uma jaqueta da mesma cor, calça jeans escuro e os cabelos penteados para cima. Ele diz que estou perfeito.
Danny bate à porta, sinto que ele está batendo no meu próprio peito.
Aperto Charlie contra mim, queria que Grace estivesse aqui, sei que ela seguraria meu braço até me convencer de que eu estava sofrendo à toa.
— Olá- — É Clara, mãe de Danny quem abre a porta. — Danny!!!
— Oi mãe! — Ele se acomoda nos braços da mãe, sinto uma paz radiar daquele abraço. Danny parece contente e sinto que tudo valeu a pena.
— Por que não disse que vinha, meu filho?! E não veio sozinho!  —  Clara abre um largo sorriso ao me ver. — Steve! Que bom ver você aqui, finalmente!
— Obrigado, Clara! Você está muito mais linda que da última vez!
Ela me abraça e deixa um beijo na testa de Charlie, em meu colo.
— Obrigado, querido! Você também, eu devo dizer. Vocês estão bem? O meu netinho está bem? E cadê a Grace?
— Ela veio com a gente, mas deixamos ela na faculdade. — Digo, ansioso.
—  Ela estava ficando louca porque tinha alguns trabalhos e acho que queria fofocar com as amigas. — Completa Danny, inserindo de leve o assunto.
— Fofocar sobre o quê? Quais as novidades?
Danny requisita meu olhar e sinto seu nervosismo. Me aproximo dele.
— Mãe, primeiro, tá tudo bem. Vocês estão bem? O papai tá em casa?
— Tá sim. Gente, é o Danny! E o Steve! — Clara espicha a cabeça rumo a porta e chama por algumas pessoas. Encaro Danny interrogativo. — Vocês ficam com a gente, não ficam?
— S-sim. —  Danny está tão confuso quanto eu agora. Nos nossos planos, só haviam Clara e Eddie em cena.  — Você disse gente?! Quem está aí com vocês?
Ouvimos passos, no plural, se aproximarem antes mesmo de Clara responder. Eddie, pai de Danny, aparece apressado e também sorri ao ver o filho. Bridget, a caçula, aparece logo atrás, seguida por mais uma Williams, que deduzo pelo sorriso idêntico ao de Eric, ser sua mãe, Stella.
Okay, me parece uma boa hora para sair correndo daqui.
— Daniel? Por que não avisou que vinha? Teríamos preparado um jantar. — Diz Eddie. Ele puxa Danny para um abraço. — Aposto que você é o Steve.
— Não tivemos oportunidade de nos conhecer da última vez, Senhor. É um prazer. — Estendo minha mão, e tento não demonstrar que me sinto mole como uma gelatina. Ou que estou suando frio, e provavelmente tremendo.
— Danny!!! Steve!!! Charlie!!! — Bridget vem em nossa direção, com um sorriso que parece um farol de luz, e uma barriga extremamente redonda!
— Uau... você tá linda e você tá muito grávida! — Eu a abraço como posso.
— Obrigada! Você também continua muito gato e nenhum pouco grávido!
Danny sorri atraído por nosso abraço, e troca umas palavras com o pai.
— Steve, essa é a Stella, a mãe do Eric. E Stella, esse é o Steve. Seja boazinha. — Danny balança a cabeça de um lado para o outro. Ele está mesmo tenso.
— É um prazer! — Digo temeroso, depois do que ouvi. — Seu filho é-
— Uma figura. Eu sei. — Ela me estende a mão. — Prazer. Danny, que bom que você apareceu! Na hora certa para pôr um pouco de juízo na cabeça da Bridget! Por favor, diz pra ela que ela não tem que se casar por estar grávida?
— Stella! Por que não arruma a sua própria vida?! — Rebate Bridget.
— Meninas! — Clara chama a atenção. — Ignora elas, meu querido.
Ela se preocupa em me deixar a vontade. Por mais que sempre adorei Clara, além de sempre sentir que ela conhece meus sentimentos por seu filho, sinto uma afeição particularmente substancial e doce por ela nesse momento.
— Então, vamos entrar? — Convida Eddie. — Vai ficar sem os braços! — Ele brinca sobre o peso de Charlie, e só reparo que a carga é realmente pesada quando relaxo o mínimo ao sentir a amabilidade na voz do meu futuro sogro.
— Vamos? — Danny passa a mão de leve em minhas costas, eu tremo.
Enfim, acho que surtei por nada. O recado mental de Grace tinha razão. São pessoas amáveis que nos recebem de braços abertos, e parecem gostar de mim.
— Peraí! — Bridget estaciona no meio do caminho. Todos param. — Eu acho que não sou a única aqui que vai se casar. O que é isso no seu dedo?!
Estou surtando de novo. E suando, tremendo, e talvez perdendo a cor.
Danny engole em seco e procura meus olhos. Eu quero ajudá-lo, apoiá-lo. Talvez segurar sua mão, como ele fez comigo quando foi minha vez. Quero passar por esse momento ao seu lado, afinal é mais do que um aviso de casamento. Sair do armário é como renascer para os outros, mas pra si mesmo a gente não sai verdadeiramente do lugar, só decidimos amar onde estamos.
Me aproximo mais um pouco, faço o que minhas pernas conseguem.
— Então... — Sua voz vibra como uma corda de violão tocada por acaso. — Isso no meu dedo é o motivo de estarmos aqui. Eu vou mesmo... me casar!
Há uma interrupção severa no ar, uma trégua para que compreendam a informação, para que absorvam pelo menos a primeira parte dela. Bridget, por sua vez, desliza os olhos de Danny para mim e acho que já entendeu até o fim.
Mas quem quebra o silêncio é Stella:
— Ah não, você também?!
— Não estraga o momento, Stella! — Ordena Bridget.
— Meu filho... — Clara o toma pelo rosto. — Você vai se casar?
Tem um misto de felicidade e incompreensão dividindo seu rosto.
— Vou, mãe. — Danny aperta os olhos. — E eu nunca estive tão feliz antes!
Meu coração tropeça dentro do peito e meus olhos ardem profundamente.
— Oh, meu amor... — Clara também sente um nó torcer seu coração.
— Como vai se casar? Você nem namora! Nós conhecemos pelo menos?
Stella me parece tão pertinente e objetiva como o próprio filho.
Espero alguém surgir do céu e dizer “okay, isso não é nem tão importante”. Mas é claro que seria mentira, assim como é claro que isso não vai acontecer.
Danny me procura com os olhos assustados e devo dizer, apaixonados.
— Eu acho que a gente não só conhece, como ele tá bem aqui. — Bridget canaliza a luz do forte em seus olhos em mim, e todos a acompanham.
Bridget sorri para Danny, realizada, e ele espelha seu grande sorriso. Mas Danny tem mais com que se preocupar, então corre o olhar apavorado pelo restante da família. Stella faz suas somas mentais e me encara curiosa.
Quando Clara caminha com os olhos por mim, eu sinto que vou derreter. Mas ela termina o movimento em Danny e sim, ela está muito emocionada.
— Meu filho, é verdade?
Danny assente, as lágrimas lhe escapam e eu posso estar a um passo disso.
— Eu vou me casar com... o Steve... e ele foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida... Eu o amo tanto que queria partilhar isso com todos vocês...
Clara o conduz para um abraço de urso, se ursos chorassem aos soluços.
— Eu sei que nem todos vocês me conhecem... mas saibam, eu sou completamente apaixonado pelo Danno e é importante pra mim ter a bênção da família, da Clara e do Sr. Williams para que possamos nos casar. Eu prometo cuidar, proteger e amar o Daniel e as crianças pro resto da minha vida.
— Oh isso é tão... — Bridget abana o rosto com as mãos. — Hormônios malditos!
Clara se direciona pra mim, lágrimas chovendo sobre seu sorriso.
— Seja muito, mas muito bem-vindo à família Williams, Steve, querido!
Suas mãos maternas me seguram pelo rosto e isso me desmonta a chorar.
— Obrigado, Clara... Não faz ideia de como fico feliz em ouvir isso!
— Sempre soube que era você, querido. Uma mãe sempre sabe. E aprecio muito suas palavras e tudo o que eu sei que você já fez por essa família!
— De novo todo mundo sabia, menos a gente. Ótimo. — Resmunga Danny, cobrindo a carinha de choro pertinente com um sorriso doce e muito feliz.
— Vocês são um pouco óbvios, irmãozinho. Parabéns, você se deu bem! — Ouço Bridget o abraçar.
Clara me abraça tão apertado que Charlie desperta.
— Vovó!!! — Ele pula e vai abraçá-la.
— Eu tô de olho em você, okay? Se machucar meu irmão vai se ver comigo!
— Stella. O Steve é um SEAL. O que você poderia fazer com ele?
— Bridget, eu sou enfermeira. Conheço medicamentos que derrubam um exército inteiro. — Responde Stella, com um olhar realmente assustador.
— Okay... Pode ficar tranquila que estamos no mesmo time. Time Danno! — Digo e Stella me cumprimenta num aperto de mãos desconfiado.
— Eu... — Ao menor sinal de que o Sr. Williams ia falar nos calávamos. — Eu já ouvi falar muito sobre você, filho. E admiro sua coragem e palavras, mas se quer a minha bênção quanto ao casamento, vai ter a chance de conquistá-la.
Danny me olha apreensivo, sei que ele queria que tudo fosse resolvido ali.
— Uma chance é tudo que preciso. Obrigado Sr. Williams!
Estendo minha mão e ele a aperta com firmeza e avalia a minha própria.
— Gosto disso, filho! Espero que goste mesmo do meu filho.
Sorrio feito um idiota e Danny se aproxima. Ele abraça meu tórax, meio se desmontando sobre mim que também estou caindo à toa, e me finco no chão para abraçá-lo de volta por cima de seus ombros, eu o olho e beijo sua testa. Mas é Danny quem carrega Williams no nome, e ele quer selar nossas bocas.
— Eu te amo, Daniel.
— Eu te amo, Steven.
— Peraí, de novo, mas se o Steve parece ser quem fez a proposta, e o Danny quem usa o anel. Eu posso entender que essa é a dinâmica de casal por aqui, talvez pra tudo? — Bridget nos faz corar, engolir a seco e sorrir desesperados.
...
— Será que alguém aqui consegue adivinhar o que eu tenho na cozinha? — Perguntou Clara para Charlie, como uma espécie de código secreto. Com certeza era algo que ele adorava, e não “uma geladeira, fogão, liquidificador”.
— Biscoito de nozes amanteigado?!! — Ele respondeu em êxtase e correu para a cozinha, enquanto ela tentava em vão acompanhá-lo.
— Você está correndo rápido demais, sabia? — Ouço Clara comentar.
— Eu tenho o melhor treinador de todos os tempos!
Não consegui ouvir mais a partir daí, mas tinha um palpite claro do que aconteceria na cozinha. Biscoitos de nozes amanteigados pra lá, um copo grande de leite pra cá e um pouco de então o que você pensa sobre o casamento do seu pai?
Havia um par de sofás na sala, um conjunto clássico de dois e três lugares, mas num modelo novo, confortável e espaçoso num cinza níquel muito chique. Bridget havia se sentado no maior sofá com as pernas estiradas sobre o colo de Stella, que sobre um bico cumprido de desprezo, lixava as unhas do pé da irmã.
Danny se sentou no sofá menor e literalmente me puxou para ir junto. Eu caí sentado na ponta direita e ele arrancou os sapatos e se enrolou no meu braço.
— Nossa! — Diz Danny com a cabeça apoiada em meu ombro. — Por que parece que entrei num túnel do tempo quando passei pela porta?
Bridget joga a cabeça para trás como se aquela posição fosse horrível.
— Bridget, você precisa ficar quieta! E Danny, nós temos rugas, cabelos brancos e a Bridget parece um planeta. Você que é... — Uma pausa dramática para Stella escolher bem como concluir a frase é feita. — Muito sensível.
— Oh meu Deus! Eu sou gay, isso não faz de mim um cara sensível!
Bridget quase quebra o pescoço dessa vez para conseguir nos enxergar.
— Danny. Você sabe que eu tô do seu lado, mas você é um cara sensível!
— Eu não sou sensível! — O inevitável acontece. — Steve. Eu sou sensível?
Me parece um momento divertido o suficiente para sorrir sem responder.
— Steven!
— Meu amor... — Procuro meu tom de voz amável o suficiente. — Você é um cara sensível, mas isso é uma coisa boa. Uma coisa maravilhosa de ser!
— Se eu ficar olhando pra esse pé e ouvindo toda essa melação, vou acabar vomitando. — Resmunga Stella. — Não fiz quatro mil horas de faculdade pra isso!
— Stella, por isso você não tem namorado. Você está cada dia mais amarga! — Retruca Bridget. — E por favor, tenta lixar só a unha, não o pé inteiro!
— Vocês eram tão adoráveis quando eram crianças. O que aconteceu?! — Danny pergunta com ironia, mas há um ar de nostalgia no fundo. Sensível.
— O que aconteceu é que a sua irmã vai se casar porque está grávida, como se fosse 1912 de novo. E além disso, ela vai se casar com o Ted Bundy!
Danny franze o cenho e endireita a coluna para perguntar.
— Ted Bundy? Você sabe que esse cara foi um serial killer, não sabe?
— Sei. Eu vi o documentário. Tenho tempo para esse tipo de coisa agora que a Bridget tá parecendo que engoliu uma melancia, e o Ted, ele não comparece.
— Bridget, você vai casar com um cara chamado Ted? — Danny pergunta.
— Você já não era casada com um cara chamado Ted? — Completo.
— Brilhante, Detetives. Ela se divorciou de Ted I e vai se casar com Ted II!
— Não escutem a Stella. Eu fui casada com o Ted. Três letras: T E D. E agora vou me casar com o Theodore Smith, mais conhecido como T E D D Y.
— Como o ursinho da boca suja dos filmes? — Pergunta Danny.
— Não. Esse também é com 3 letras. — Responde Bridget.
— Ele parece mais o Bundy. Cabelo enrolado, óculos. Sabe-se lá mais o quê. — Stella alfineta.
— Por que não convida o tal Teddy ou Theodore pra vir aqui mais tarde jantar, e eu posso conhecê-lo pessoalmente? — Sugere Danny.
— Boa ideia! Você acabou de sair do armário, vai se casar com um homem gato e seu chefe. Não vão ter tempo pra pegar no pé do Teddy!
— Bridget, eu me senti um pouco usado nesse momento.
— Sensível, eu disse. — Responde Stella.
— Desculpa. São esses hormônios horríveis.
Danny separa os lábios, mas Eddie surge na sala empurrando um cortador de grama, segurando luvas de jardinagem e algumas ferramentas.
— Pai. O que exatamente você tá fazendo? — Pergunta Bridget.
— Vou aparar a grama. Agora que posso ter ajuda, preciso aproveitar.
— Pai, eu acabei de chegar. A grama não vai fugir durante a noite. — Responde Danny.
— Filho, eu não estava falando de você. Você me ajuda, Comandante?
Danny estreita os olhos alarmados para o pai, enquanto eu tento não parecer um completo idiota.
— Claro, Sr. Williams. Por que não? — Sorrio e Danny aperta minha mão.
— Em hipótese alguma, dê as costas pra ele. — Danny sussurra. — Eu te amo.
— É só grama. — Sussurro, quando ele sela os lábios nos meus. — Te amo.
No fundo eu sabia que não era só grama, era a tal benção do Sr. Williams.
...
Eddie tinha o material necessário para ser um cortador de gramado profissional. Eu apenas me abaixei para recolher um galho caído no chão, e quando me virei ele me olhava de olhos cerrados segurando uma tesoura imensa de grama. Eu realmente comecei a levar as palavras de Danny a sério.
— Eu posso? — Pergunto, me dirigindo ao cortador. Sinto que Eddie vai analisar cada passo que eu der, e isso deixa meus pés desastrados, mas sei que ele quer me ver tomar atitude, então me ofereço para o trabalho de toda forma.
— Claro! Vá em frente. — Ele abriu os braços, mas escondeu as palmas das mãos e seu sorriso não conseguiu conter o olhar altivo. O que me fez soltar um breve lamento de pânico.
— Certo. — Posicionei o cortador de gramas no canto a oeste do gramado, encaixei as mãos na alça e levei a mão em direção ao interruptor.
Eddie grunhiu. Contrai meus movimentos e esperei ele formar uma frase.
— Filho, você se esqueceu de checar as lâminas. Se estiverem afiadas demais vão machucar o gramado. E eu espero que você saiba o que está fazendo. — Ele me deu um sorriso amarelo e eu já não tinha certeza se falávamos da grama. 
— Tem razão, Senhor. Vou cuidar bem da sua grama.
Me abaixo pra checar as lâminas, já me sentindo um incompetente nato.
— Eu não quero ser rude ou inconveniente. Essa não é uma grama qualquer. Se olhar por aí vai encontrar muita grama qualquer, mas essa é especial. Ela levou anos pra desenvolver e eu tenho muito orgulho do resultado, sabe?
Assinto com a cabeça, o coração disparado demais para conversar.
— Sei sim. É realmente a... grama mais incrível que conheço, Senhor.
— É, é sim... — Seus olhos parecem úmidos. Quanto amor pelo gramado!
— As lâminas estão no ponto. Vamos começar antes que fique escuro.
Liguei o interruptor, dessa vez cheguei mesmo a ligar quando ele grunhiu.
Desliguei o interruptor.
— Desculpe interromper, Comandante... mas o que pensa que está fazendo?
Tiro as mãos da alça, as prendo em minha cintura com força e respiro fundo.
— Eu penso que... estou aparando a grama, Senhor. — Sorrio porque não quero parecer antipático, embora talvez eu tenha motivo para fazer isso.
— Você precisa ir na horizontal, para poder alternar a direção do corte. Comece dali, então faça um zigue-zague, exatamente como dançar valsa. Precisa dançar conforme a música, não pode chegar e mudar à canção.
— Tem razão. Eu não sou bom com valsa, estou mais acostumado a armas e bombas. Mas tudo bem, vai descobrir uma coisa sobre mim, Senhor, eu sou dedicado e aprendo rápido. Mais alguma consideração?
— Não. — Ele coça o queixo. — Talvez. É só que... pode parecer que eu sou cuidadoso demais, mas... você não sabe como é horrível quando cria uma... grama com tanto afeto e um dia surgem ervas daninhas e destroem tudo!
— Eu entendo, Senhor. — Só não gosto de pensar em mim como erva daninha.
...
Quando volto para a sala estou suado e com dor no ombro. Danny é observador demais para sentir que minha áurea parece diferente, mas eu finjo que é influência do avião. Tomo um banho morno que em certo momento se torna gelado, e desço na hora do jantar para encontrar a família Williams.
Clara faz um espaguete à moda italiana para agradar Danny. A comida é saborosa e o sorriso de Danny ao ver a mesa cheia e me ver aqui misturado em seu universo, consegue alterar o meu humor drasticamente.
— Clara, esse é o melhor espaguete que já comi na minha vida!
— Ah, querido, você que é muito gentil. Danny tem muita sorte.
— Tem mesmo. — Concorda Bridget. — Ele é gentil e muito gato!
— Obrigado, cunhada. — Sorrio para Bridget. Ela e Clara me adoram.
— Pelo menos o Steve está presente. — Coloca Stella. — Falando nisso...
— Não vamos falar nisso. — Responde Bridget.
— Não, eu fiquei mesmo curiosa. O que foi dessa vez? Ele esqueceu como se dirige o carro ou só esqueceu que tem uma noiva e um filho vindo por aí?
— Meu Deus, Stella. Isso foi cruel! O Teddy só teve uma reunião urgente.
— Sei... — Stella revira os olhos.
— Meninas, não briguem na mesa. — Pede Eddie.
— Nem eu outro lugar. Parem de brigar! Vão assustar o Steve. — Diz Clara.
— Tudo bem, Clara. Eu cresci com uma irmã, não era muito diferente.
— Estamos vindo da casa dela. Ela mora em LA. — Comenta Danny.
— A Tia Mary é muito legal. E a filha dela também, o nome dela é Joan.
Clara aperta o nariz de Charlie como se fosse um botão, porque ele é fofo.
— São só vocês dois, Comandante? — Pergunta Eddie. Danny apoia a mão na minha perna, tentando me dizer para continuar respirando.
— Bom, tem a Dóris, minha mãe... mas ela se dedica muito ao trabalho. — Me arrependo no mesmo segundo, porque sei que alguém vai perguntar.
— O que ela faz? — O próprio Eddie pergunta.
— Ela... trabalha pro governo. — A ideia de falar sobre Dóris me atormenta. Danny tem uma família linda e grande, e eu tenho uma mãe sumida no mundo. — Tem o Eddie também. — Mudo a direção da conversa para ventos melhores.
— Eddie? Como eu? É um irmão ou...
— É o nosso... cachorro.
As garotas soltam risadinhas sobre a mesa e só então percebo que não devia ter dito aquilo também.
— Um cachorro?! — Pergunta Eddie.
— É um ótimo cachorro. — Danny comenta tentando diminuir a tensão.
— Ele é um labrador lindo e adestrado, que já salvou muitas vidas.
— Deram meu nome pra um cachorro. — Comenta Eddie.
Danny sorri para mim, franze o cenho e balança a cabeça. Deixa pra lá.
...
Ao fim do jantar me sinto aliviado, tudo o que quero são paredes e Danny. Danny e eu sozinho atrás de paredes, para ser mais exato.
Mas percebo que isso também não vai acontecer.
— Comandante, sinto muito, mas você se importa de ficar no sofá? — Eddie me pergunta com aquele tom que me faz pensar no quanto quero sua benção.
Danny dobra a coluna e solta uma gargalhada sarcástica.
— Por que o Steve ficaria no sofá? É óbvio que ele vai ficar comigo.
— Filho, os quartos estão ocupados. O seu antigo quarto só tem uma cama de solteiro agora, e como o sofá é retrátil, pensei que ele ia preferir ficar.
— Eu entendi, pai. — Responde Danny ligando o modo detetive. — Acho que você não entendeu. Eu não sou um adolescente, pai. Eu tenho uma filha adolescente. E se não tiver espaço pro Steve aqui, nós vamos para um hotel.
Todos ficam em silêncio absoluto e eu entendo o motivo. Danny é doce, sensível, até sua fala parece feita de açúcar. Vê-lo nervoso é dissonante demais.
— Amor. — Eu o chamo. — Tudo bem. Eu não me importo de ficar no sofá.
— Steve, você não precisa fazer isso! — Danny retruca.
— Foi só uma sugestão. Me desculpem. Vocês decidem o que for melhor. — Eddie me olha de soslaio, não é um olhar de vilania, mas de “pense bem nisso”.
— Vou ficar no sofá. Obrigado, Senhor Williams.
Danny mantem a cabeça em negativa, mas sabe o que eu estou fazendo. Todos trocamos “boa noite” e Clara me abraça se desculpando pelo excesso de zelo do marido, seguido de “vamos providenciar uma cama maior amanhã”. Me sinto um estorvo por algum tempo, mas tudo piora quando me despeço dele.
...
A noite em Jersey é irrequieta. As luzes não se apagam totalmente e carros correm enlouquecidos como se não houvesse amanhã. Massageio meu ombro, que pensei que já estivesse bom o suficiente para jogar uma partida de beisebol. Mas pelo visto ainda não está. As coisas realmente não estão como pensei.
Ouço passos na escada. Levanto o pescoço e vejo Danny, que sorri ao me descobrir acordado. Ele usa bermuda e uma camisa minha que ele adora, e está enrolado num edredom azul. Percebo que é tudo o que eu precisava agora.
— Não conseguiu dormir? — Pergunto estendendo a mão para ele.
Danny apoia sua mão na minha, contorna o sofá e passa por cima do meu corpo, até se deitar exprimido entre mim e o encosto almofadado.
— Sem você? — Ele abre o edredom sobre nossos corpos, eu ofereço meu braço que não dói, ele se acomoda e me abraça quente como um dia de verão.
Meus dedos se misturam em seu cabelo, o trago para mim pela nuca, resvalo meu nariz em seu rosto, ele beija meu queixo, eu selo nossos lábios demoradamente, sentindo cada trecho da sua pele contra a minha e a eletricidade vibrando em meu peito, a melhor sensação do mundo inteiro.
— Eu entendi direito? Daniel Williams sentiu minha falta na cama?
Ele sorri e envolve as unhas em minha barba por fazer, sabe bem que eu amo quando ele faz isso. E sei imediatamente que ele estava com saudades de mim.
— Vejamos. Eu abandonei a cama no meio da noite, usando uma roupa sua. Qual sua opinião profissional? — Ele arqueia as sobrancelhas.
— Com base nessas pistas, eu diria que você não consegue dormir sem mim.
— Não consigo mesmo. Vai ter que cuidar disso, Comandante McGarrett.
— Eu sou perfeito pra esse trabalho.
— Você é. Mas... meu pai não é seu capitão e eu não sou uma missão, meu amor. Por que tá deixando ele fazer isso com você? Me deixa te proteger?
— Amor, esse sofá é o paraíso! Não sei do que você tá falando.
— Ah, não sabe? E o seu ombro, será que ele sabe do que eu tô falando?! — Danny levanta minha camisa e analisa a cicatriz em formação, que não posso negar, está levemente avermelhada em torno dos pontos que começaram a cair.
— Eu vou ficar bem. Só preciso de carinho, beijos e que se case comigo.
— Mais quatro mil quilômetros e estamos em Vegas. Vamos fugir agora?
— Quer se casar no fundo de um bar qualquer usando minha camisa velha?
— Sinceramente? Eu só quero que você seja meu, não importa onde.
— Você tá mesmo aqui? Ou eu dormi e isso é um sonho e você é fruto da minha imaginação?
— É um sonho. E quando acordar amanhã vai começar a ouvir o seu noivo.
Sorrio. — Você tá tentando me hipnotizar ou algo assim?
— Algo assim. Não tem que provar nada, Steve. Por que tá aceitando isso?
— Porque eu te amo, Danny. Eu te amo. Eu te amo pra caramba, e não ligo se for preciso aparar a grama ou dormir num sofá chique, ou seja lá o que for.
— Tudo bem. Você não vai pra cama, mas eu também não vou pra cama.
— Que bom, eu também não consigo dormir sem seu corpo junto do meu.
— Eu te amo, Steve. Me desculpa por tudo isso, eu prometo que vai passar.
— Oh, um Williams implicando comigo? Não é exatamente novidade.
Eu o beijo.
— Eu posso! Eu sou muito bom nesse trabalho e eu faço valer a pena.
— Faz sim. Você faz tudo valer a pena, meu anjo.
— Não vou te fazer mudar de ideia. Posso pelo menos te beijar a noite toda?
Retiro os fios de cabelo loiro que caem em sua testa e percebo seus olhos.
—  É tudo o que eu quero. Mas, primeiro, essa ruguinha aqui... — Toco sua testa bem no canto esquerdo. — Ela não tava aqui quando você foi pro quarto.
— Tem razão, você é perfeito pra esse trabalho. — Ele me beija.
— Hey... tudo que eu quero é você, mas não vai me dissuadir assim.
— Isso que dá se apaixonar por um SEAL... — Ele resmunga, mas fica sério e se deita em meu ombro, fazendo carinho no meu peito. — Houve um tempo em que o Tio Vito se envolveu em algumas confusões e foi a falência total.
— Tio Vito se metendo em confusão? Nem consigo imaginar isso...
Ele sorri, mas logo sua expressão perde a suavidade de novo.
— Ele passou um tempo aqui com a gente. Ficou no quarto menor, que era do Matt. — Suas sobrancelhas se curvam. — Aí eu dividi meu quarto com ele.
— Entendi. São muitas lembranças, não são?
— As estrelas que colamos no teto ainda estão lá, mas ele não está...
Detesto ver seu rosto esquecer como sorrir, o mundo parece todo errado quando Danny Williams não está esboçando seu sorriso mais extenso.
— Amor, não posso impedir seu coração de se quebrar de vez em quando, mas posso te lembrar que você não tem só esse, tem outro bem aqui... — Aperto sua mão contra meu peito e o beijo até ele se lembrar que eu sou dele.
...
Já fui acordado por despertador, tiros de armas sendo disparadas, alarmes agudos de simulação tática e até pela língua canina de Eddie na minha cara. Mas era a primeira vez na vida que eu despertava ouvindo sussurros escondidos de meus sogros no canto do mesmo cômodo em que eu havia passado a noite com seu filho, que inclusive dormia como um anjo loiro fazendo do meu peito o abrigo inviolável mais seguro que a penitenciária de Alcatraz.
— Eles não te lembram alguém? — Perguntou Clara, suspirando.
— Aqueles cowboys que dividem uma barraca numa montanha de neve?
— Edward Williams! Eu não tô falando disso, estava falando da gente.
— Eu me lembro que você costumava dormir babando em cima de mim.
— Agora estamos falando a mesma língua. O Danny sempre foi igualzinho a mim, não é?
— Até demais. Mas uma coisa tenho que admitir, nunca vi ele tão feliz assim.
— Nem eu. E você tem que admitir outra coisa: O Steve te lembra você, não é?
— O quê? Só porque ele é superprotetor e também está acostumado a usar farda?
— Ai meu Deus... você o adora! Tem que admitir que você também tá feliz, Eddie.
— Tudo o que eu tenho que fazer é ir comprar aqueles brioches antes que acabem!
Acho que estou sorrindo. Eddie gosta de mim? Ele se identifica comigo? Definitivamente, Clara está se iludindo ou Eddie tem um jeito estranho de gostar de alguém. Danny se move antes que meu raciocínio se desenvolva, e eu estreito os olhos para parecer que acabei de abri-los, ele sorri e encara os pais.
— Alguém falou em brioches? Eu adoro brioches. — A primeira vez no dia em que suas pálpebras se separam é um momento de contemplação pra mim, o azul dos seus olhos desabrochando com preguiça e eu me apaixonando por ele.
Sua voz sai rouca e sexy, mas não posso pensar muito nisso, porque Clara e Eddie estão atrás de mim, reagindo como se tivessem sido pegos, embora sei que Danny acabou de acordar, e simulo que estou no mesmo processo.
— Igualzinho a mim. — Sussurra Clara, mas posso ouvi-la como antes. — Bom dia, garotos. Espero que a noite não tenha sido desconfortável.
— Bom dia, mãe. Bom dia, pai. Bom dia, meu amor. — Ele me beija.
— Bom dia a todos! Esse sofá é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. — Respondo. — Depois de você, é claro. — Ele me beija de novo.
— Eu vou comprar brioches. Se acabarem a Clara vai ficar uma fera e não vai ser bonito. — Comenta Eddie, me fazendo pensar em Danny. — Alguém quer ir comigo?
Sei que o convite é para mim, abro a boca para responder, mas Danny intervém.
— Eu quero, pai. Policiais tem preferência em fila de padaria.
— Não tem não. — Nego com a cabeça, me sentando ao lado de Danny.
— Hey, você não tem jurisdição aqui. É meu noivo, não meu chefe.
— Tecnicamente... — Danny me beija antes que eu possa completar a frase.
...
Danny me leva até o quarto para trocarmos de roupa, ele sai às pressas sem que possamos trocar muitas palavras e gastamos o pouco tempo que temos com alguns beijos ardentes atrás da porta, então ele respira fundo por uns segundos e vai encontrar o pai na sala, porque para os Williams brioches é coisa séria.
Vejo pôsteres antigos nas paredes, e sei imediatamente que aquele com um coração em flores, espetado por uma espada com asas foi posto ali por um Danny jovem que já arrumava formas de se apaixonar por tudo ao seu redor. Penso nele enfiado nesse mesmo cômodo, ouvindo discos e sonhando com as histórias românticas que se passavam na vida dos pais, a larga família italiana ao redor da macarronada na mesa, toda a ideologia familiar que eu não tive.
Entendo exatamente como ele se sentiu inclinado a repetir as histórias dos pais, assim como crianças que se vestem de princesas ou de piratas por causa de seus livros de cabeceira. Me jogo na cama pensando nisso, e me deparo com as estrelas no teto, não vai existir sombra que as faça brilhar como antes agora.
Clara canta na cozinha enquanto passa o café pelo coador, Charlie e as meninas ainda estão dormindo e eu me aproximo com um sorriso no rosto.
— Posso ajudar minha sogra linda com alguma coisa? — Faço minha melhor cara de cachorro sem dono, escorado na esquadria da porta.
— Ah não! O Eddie já está abusando de você, pode só me fazer companhia.
Ela aponta uma das cadeiras da mesa da cozinha, e eu obedeço.
— Ele só está protegendo o filho, eu entendo isso. — Sorrio para Clara, ela se senta na minha frente e segura minhas mãos como uma mãe faria.
— Acho que é um pouco mais que isso. — Seus olhos são transparentes como os de Danny e percebo uma pontada de tristeza dentro deles. — Eddie se dedicou muito ao trabalho, você se lembra de quando fui pro Hawaii por causa disso... quando voltamos ele se esforçou pra mudar, a gente até comprou um sítio, um lugar cheio de verde, bom o suficiente pra ocupar o tempo e refrescar a cabeça. Foi maravilhoso por um tempo, mas acho que cuidar de orquídeas não é tão emocionante como apagar incêndios.
— A primeira vez que você tá em campo... é assustador, você pensa “por que eu tô fazendo isso? Podia tá vendendo seguros.” Mas aí você se lembra que alguém tem que fazer esse trabalho ou pessoas se tornam estatísticas tristes. Em algum momento, se arriscar começa a ser tão normal como fazer a barba e quando ela começa a crescer você sente que precisa tirar. Parar é mais assustador que entrar numa casa em chamas, mas o Eddie fez isso por vocês, ele fez a escolha.
— Você o entende tão bem, Steve! Ele fez a escolha sim e aí veio o sítio. Tivemos momento incríveis por lá. Aí quando a Bridget estava com seis meses de gravidez, ela me ligou e disse que precisava de ajuda, eu sugeri que ela viesse, e a Stella apareceu dois dias depois. Eu sentia que tinha minha vida antiga de volta, fazendo comida em panelas grandes e mandando as duas pararem de brigar. Acho que o Eddie começou a sentir falta de fazer a barba de novo... aí vocês apareceram. — Ela sorri, um sorriso genuinamente Williams. — E você deu um motivo pra ele largar as revistas de pesca e parar de assistir aqueles programas de aventura na selva. Fez ele ter vontade de aparar a grama e... por isso eu não mandei ele te deixar em paz, você tá fazendo muito bem pra ele!
— Eu fico feliz em ajudar! — Faço minha melhor cara de bom samaritano. — Sério. Eu faria qualquer coisa pelo Danny e isso se estende a todos vocês.
— Eu sei. — Ela sorri. — Eu sei disso desde que pisei os pés no Hawaii.
— Ah... naquela época nós éramos só amigos... mas, eu já o amava.
— E ele te amava também. Vocês, homens, são muito lentos pra isso.
— Somos mesmo. — Sorrio de nariz franzido. — Como... você sabia?
— O Danny me ligava uma vez por semana, e eu ligava outras duas. Os primeiros meses foram... péssimos. Ele dizia sempre a mesma coisa: eu odeio essa ilha! Ai um dia o discurso mudou pra eu conheci um cara, o nome dele é Steve. E acho que ele nunca mais disse que odiava aquela ilha, só falava do tal Steve.
A ideia de pensar em Danny pendurado no telefone falando de mim nunca havia passado pela minha cabeça, e agora não consigo deixar de pensar nisso.
— Mas você também sabia dos meus sentimentos por ele, não sabia? Sabe que eu o amo, por isso levou dois segundos pra me aceitar como noivo dele?
— Você olha pro meu filho como se olhasse pro universo inteiro, Steve.
— Seu filho é meu universo inteiro, Clara.
Ela sorri com estrelas nos olhos azuis e acaricia as costas das minhas mãos.
Ouço o zumbido de um celular vibrando e logo o toque se torna audível.
— Falando em telefone... — Ela diz ao se levantar para procurar o celular.
Clara alcança o aparelho sobre a bancada, próximo do café fresquinho e sua expressão ao encarar a tela se fecha.
— Tudo bem?
— Tenho que bloquear esse número. Está me ligando há semanas e nunca diz nada quando atendo.
— Posso dar uma olhada?
— Claro. — Ela me entrega o celular.
O prefixo não me é estranho. Com certeza não é local, mas acho que já vi números assim antes. Arrasto a barra esverdeada, atendendo a ligação.
“Oi” — Digo rápido e aguardo algum retorno.
O que ouço de volta são sons abafados, quem sabe uma sirene ou um grito mudo. Uma voz grossa diz algo ao fundo, rápido, mas identifico o idioma. Sinto um arrepio infeliz na nuca ao suspeitar de onde vem a ligação, quando ouço:
“Matt?”
E a ligação é encerrada.
— O que disseram? — Clara se aproxima tomada pela curiosidade.
Seria doloroso demais para ela ouvir a resposta verdadeira.
— Não deu pra ouvir direito... — Leio o número mais uma vez.
...
Danny e Eddie voltaram com os brioches, e com sonhos e rosquinhas, que organizaram em bandejas na mesa de seis cadeiras da cozinha. Me dei conta, quando Charlie apareceu com o Nintendo Switch na mão — porque queria muito me mostrar o novo reino que ele alcançou — que a casa era como um hexágono. Ela era feita para seis pessoas. Cinco quartos, pois havia um casal, e quatro filhos. O buraco que Matt havia deixado era maior do que parecia.
E agora, cinco anos depois, havia alguém telefonando para o celular de sua mãe e procurando por ele. Provavelmente, alguém que não foi avisado de sua morte, alguém que por alguma razão não tem verdadeiro contato com a família, mas tem o número de telefone de Clara. E é claro, usa um prefixo muito estranho, o que faz pensamentos obscuros visitarem minha mente.
Charlie não se incomodou em não encontrar uma cadeira sobrando, ele pulou no meu colo como se aquele fosse seu objetivo desde que desceu as escadas. Bridget estava com dor de coluna, e levantava de cinco em cinco minutos para fazer xixi. Acho que ela devia ter enlouquecido um pouco Stella durante a noite, porque ela não parecia ter dormido. Tinha bolsas escuras abaixo dos olhos e parecia, potencialmente irritada, como se quisesse matar alguém.
— Stella, você sabe que eu te amo. Por favor faça aquela massagem?
— Bridget, você também quer que eu te abane com folhas de bananeira?
— Isso parece bom.
— Eu não vou fazer isso, só pra ficar claro. Sou enfermeira, não massagista.
Stella diz e revira os olhos, sem se levantar do lugar.
— Bridget, cadê a Sophie e o Lucas? — Pergunta Danny.
— Com o Ted. — Ela massageia o próprio ombro, o que me faz ficar com pena. Stella pode estar surtando e implicando, mas o Teddy deveria mesmo estar ali e fazer a tal massagem pra ela. Danny massageou meu ombro ontem e foi mais que o alívio no músculo que havia sido atingido, eu me senti cuidado e nem tenho uma criança crescendo e nadando dentro da minha barriga.
— O Ted pai? — Ele se certifica.
— O Ted I, porque o Ted II nem sabe a cor favorita deles, não sabe o que o Lucas quer ser quando crescer ou qual o filme da Disney preferido da Sophie. — Responde Stella, fazendo Bridget bufar.
— Você não pode me provocar quando estou com dor. É a nossa regra.
— É uma regra ridícula já que você parece um balão e está sempre com dor.
É a vez de Eddie bufar e enfiar o rosto nas mãos.
O telefone de Clara toca, reconheço o toque que ouvi mais cedo. Ela troca um olhar rápido comigo, pensamos no mesmo número suspeito de antes, mas sua expressão se suaviza ao ler algum nome conhecido na tela.
— Preciso atender essa. Não se matem assim que eu me levantar.
— Não posso prometer nada. — Responde Stella.
Por mais que Stella discorde da regra, ela acata, e na impossibilidade de implicar com o noivo de Bridget, parece que sua mira se voltou para mim.
— Então, Steve... quais suas intenções com o meu irmão?
— Ah não. — Resmunga Danny.
Sinto meu rosto corar e desvio a cabeça de trás de Charlie para responder.
— São as melhores, Stella. Você pode ficar tranquila sobre isso.
— E vocês namoraram todo esse tempo? Quer dizer, são dez anos, certo?
— São, mas não. Nós éramos só amigos na maior parte do tempo.
Me ajeito na cadeira e ela fareja meu desconforto com aquela pergunta.
— Há quanto tempo começaram a namorar?
— Bom... na verdade não faz muito tempo. — Eu fujo da resposta real.
— Um ano? — Ela pergunta. Eu nego com a cabeça. — Um mês?
— Mais ou menos por aí.
Danny olha feio para Stella.
— Por que não começaram a namorar como pessoas normais? Por que se casar tão cedo? Quer dizer... eu acho que você não engravidou o Danny, certo?
— Stella, você tá sendo... inconveniente. E eu tô sendo bem legal com você ao escolher esse adjetivo. — Danny responde.
Por alguma razão, sinto suor escorrendo pela minha testa.
— Porque... — Me lanço logo na conversa pra que saibam que não vou fugir de perguntas difíceis. — Eu perdi muito tempo sentindo medo da dar esse passo, medo de afastar ele de mim, de ser rejeitado. O medo faz isso, paralisa. Mas nós tivemos um empurrãozinho do destino, fomos chamados para nos disfarçar como casal, porque éramos bem... convincentes. — Danny sorri. — Foi quando nos demos conta de que aquilo podia não ser um disfarce, percebemos isso tarde. E por um tempo, pensei ter perdido o Danny... — Sinto meu estômago revirando e meu coração acelerando descompassado. — Não posso correr esse risco de novo. — Danny segura minha mão. — Não suporto a ideia de ficar longe dele, a menos que ele queira isso. — Ele nega veementemente. — Por isso quero me casar com ele. Te amo.
— Aí de você se ficar longe de mim. — Ele estica o corpo e me beija. — Te amo!
Clara aparece com a expressão distraída, de quem recebeu uma notícia.
— O sopão anual foi adiantado pra amanhã, por causa da previsão das chuvas de setembro. — Ela olha direto para Eddie e acho que ele é o único que compreende o que ela está dizendo. — Acham que vai vir antes do que pensaram.
— Você vai fazer esse ano? — Pergunta Danny.
— Vou. Ou ia. Porque não sei mais se consigo a tempo. — Clara parece triste, tento conter minha expressão curiosa, mas Danny percebe.
— A minha mãe faz todo ano pros desabrigados. Uma doação de roupas e cobertores e um sopão totalmente gratuito para os moradores de rua.
— Que legal! — Digo. — Se eu puder ajudar com alguma coisa...
Digo e Stella revira os olhos. Acho que ela realmente me odeia agora.
— Obrigado, querido. O problema é que eu deixei as panelas e os materiais no sítio. A data era pro próximo fim de semana, mas adiantaram de última hora.
— Vamos pro sítio então. — Diz Eddie, com um sorriso nascendo entre os dentes. — Vamos hoje. Pelo menos lá não vamos ouvir elas brigando o tempo todo.
— Pai, você não tá me chamando pra um lugar deserto e com mosquitos, tá? — Pergunta Danny, e eu sei bem como ele é capaz de detestar lugares assim.
Mas Clara parecia feliz com a ideia do sítio, e me lembro da nossa conversa.
— Amor, vai ser legal, eu prometo.
Stella revira os olhos de novo. Acho que é uma reação natural à minha voz.
— Vai mesmo. O encanamento dos fundos estava meio entupido, e tem muito mato ao redor da propriedade precisando ser cortado. É bom aproveitar-
— Agora que você tem a ajuda do Steve, né pai? — Danny interrompe Eddie e completa sua frase.
— Bom, era mais ou menos o que eu ia dizer. — Eddie comenta.
— E o Steve vai dizer que vai adorar ajudar. — Stella pontua, e acho que tentou mesmo imitar a minha voz.
O café da manhã parece a beira de um abismo, e eu sinto vontade de fugir dali. Talvez fingir que meu celular está chamando ou que estou morrendo.
— Ai! — Bridget reclama alto e escancara os olhos. — Ai, ai, ai, ai!
— Bridget, tudo bem? Sua bolsa estourou ou algo assim? — Pergunta Danny, assustado.
— Não... — Ela responde com dificuldade. — Embora a Stella realmente esteja quase estourando minha bolsa de estresse. Mas é câimbraaaaa...
Ela solta um gemido sôfrego no fim da frase.
Stella passou as últimas vinte e quatro horas falando sobre ser enfermeira, mas quando Bridget geme de dor, ela bufa como se fosse puramente drama.
— Vamos até o sofá. Eu posso fazer um alongamento. — Me ofereço e Bridget concorda quase que imediatamente, eu caminho até ela e ela joga o braço sobre meu ombro. Eu a ajudo a chegar até a sala e se deitar no sofá quando ouço Stella ter uma espécie de colapso nervoso na cozinha.
— Ótimo. A Bridget diz Ai e agora eu não tenho mais utilidade por aqui!
— Stella! — Eddie chama sua atenção, e realmente parece farto.
— Você vai defender o Steve? Justo você que tá implicando com isso desde ontem? Quanta hipocrisia. Mas okay, tudo bem trocar de marido todo dia ou decidir aos quarenta que você é gay, acho que o único problema é ficar sozinha!
Ela sai bufando ou quem sabe chorando e ouço a porta de um quarto bater.
...
Danny passa pela sala com os olhos exaustos, ele analisa Bridget, que está deitada com a perna estirada para cima, e acaba com os olhos em mim, que estou segurando seu pé na altura dos meus ombros. O olhar de Danny é solidário, ele parece agradecido e me implora por perdão sem dizer nada.
Eu contraio os lábios e espero que minha expressão possa se comunicar com ele como a sua faz. Dizendo que o amo, que sinto muito e que sou um idiota. Danny sobe as escadas, sei que vai bater na porta do quarto de Stella.
— Melhor? — Pergunto quando vejo Bridget fechar os olhos aliviada.
— Muito! — Ela suspira e joga as pernas sobre o braço do sofá, me dando espaço para me sentar na beira retrátil do mesmo móvel. — Você é meu herói.
— Eu li que é comum ter câimbras no oitavo mês. É onde está, não é? — Pergunto me sentando ao lado de seus calcanhares inchados.
— Sim. Trinta e cinco semanas e contando. Você se deu ao trabalho de ler?
— Li que seu bebê é do tamanho de um melão e algumas coisas um pouco...
— Assustadoras? — Ela pergunta com um sorriso nascendo no rosto.
— Pois é. Você é minha heroína. E eu acho que acabei de começar a terceira guerra mundial por aqui. — Escondo o rosto entre os dedos das mãos.
— Não é sua culpa, Steve. Você tá sendo prestativo e gentil, deixando meu pai usar e abusar da sua boa-fé, é isso que os noivos apaixonados deveriam fazer, não é? Estarem presentes custe o que custar? — Ela me parece um tanto quanto decepcionada, e sei que já não está falando sobre mim.
Me ajeito no sofá e encaro seu rosto por cima do morro em seu ventre.
— Eu não conheço o Theodore, Bridget. Mas conheço você, um pouco. Uns anos atrás percebeu quando seu marido ficou distante, você sabia que merecia mais. Se está com o Teddy agora e ele não tá aqui, talvez tenha um motivo.
— Eu fiquei repetindo pra mim mesma que era porque estar aqui era assustador. O meu pai não pegou muito no pé dele, porque não teve tempo, mas a Stella? Essa cena na cozinha foi só a ponta do iceberg do que ela pode fazer.
— Você tá grávida, Bridget. Tem um melão dentro da sua barriga, não tem que se preocupar com nada disso agora. Conversa com o Teddy, conta como se sente, quem sabe chame ele pro sítio. Diz pra ele que ele não vai ser o único noivo por aqui e que eu e o Danny estamos passando por um momento de dar chances para as pessoas, então não vamos julgá-lo. Eu prometo. Pode ser?
— Vale a pena tentar. Obrigada, Steve. — Ele me puxa, quer um abraço.
Eu me levanto e dobro meu corpo em um U de ponta cabeça para abraça-la sem esmagar a barriga.
— Se precisar de algo, eu estou aqui, combinado?
— Combinado. — Ela corresponde ao meu soquinho e sorri. — Steve? Eu tô muito feliz por você ser o noivo do Danny.
— Eu também. — Sorrio, me esquecendo um pouco da cena na cozinha.
...
Danny ainda está no segundo andar quando Bridget parece bem o suficiente para ficar sozinha, então aproveito para ir a porta fazer aquela ligação.
“Chin. Recebeu minha mensagem?”
“Oi, McGarrett. Recebi sim, deveria fazer algum sentido pra mim?”
“Não. É um número de telefone, e eu preciso saber de quem é.”
“Que número estranho! Vou providenciar.”
“Chin, mantem isso entre a gente por enquanto. Pode ser?”
“Claro. Te ligo assim que conseguir resultado.”
“Mahalo, irmão.”
Desligo o celular e vejo um taxi estacionar na porta da casa. Os últimos acontecimentos me deixaram tenso o bastante para ficar preocupado com um carro estacionando na beira da calçada. Por isso sinto meu coração se desprender do peito quando vejo quem salta do carro.
— Grace!!! — Ela corre e se joga em meus braços. Eu a levanto no ar suspensa por minhas mãos em suas costas até meu ombro reclamar. — Por que não me ligou? Eu podia te buscar na faculdade.
— Porque o seu carro está há oito mil quilômetros daqui.
— Eu teria pego um taxi e buscado minha menininha.
— Ai, Deus. A coisa tá tão feia assim por aqui? O que fizeram com você?
— Nada. — Massageio meu ombro que fisga como um peixe no anzol.
Grace cerra os olhos severos para mim.
— Quem mexeu com meu novo pai? Foi o vovô? Ou a Tia Stella?
Grace faz um semblante assustador, que me faz querer chorar e dizer “foi horrível”.
— O Danno te ligou?
— Não. — Ela reflete. — Mandou mensagem.
— Falando pra você vir me salvar?
— Eu perguntei como estavam recebendo você, ele mandou um emoticon com olhos pra cima.
— Que significam???
— Que o Danno não usa emoticon. E então, eu vim. Posso ficar até amanhã.
— Nunca senti tanto a sua falta na minha vida. Eu juro.
— Como foi? Quando vocês contaram sobre o casamento?
— Bom... A Bridget meio que deduziu a coisa toda e adorou a notícia. A sua avó me adora também. O Eddie tá... com o meu pedido pela mão do seu pai pendente, está... em análise. E a Stella... bom, talvez ela me odeie mesmo.
— É impossível odiar você. Você sabe disso, não sabe?
— Eu já coloquei muita gente atrás das grades. Então me odiar é moda.
— Mas um Williams jamais odiaria Steve McGarrett. É a lei. Nós, e eu falo por todos os Williams nesse momento, somos fadados a amar você.
— Eu gosto dessa lenda urbana.
— Não é lenda, isso está registrado em algum livro imenso e chato escrito em Papiro e todo sujo de poeira, eu aposto.
Passamos pela porta abraçados e Grace não saiu um segundo de perto de mim. Charlie também se ancorou em meu colo enquanto jogava Super Mário Odyssey e eles me escoltavam como policiais treinados pelo pai, que também apareceu e se enfiou entre eles para conseguir acesso aos meus beijos e abraços.
...
Eddie dirigia seu 4x4 com Clara ao seu lado e as filhas no banco de trás, e Clara me passou a chave da sua minivan, para segui-los com Danny, Charlie e Grace. O sítio não ficava longe, mas a estrada gostava de fazer curvas e fazia parecer que estávamos indo direto para a interestadual ou para o fim do mundo.
Não falamos sobre Stella, nem sobre Bridget porque Charlie ficou acordado durante todo o percurso, mas Danny parecia bem chateado com tudo aquilo. Ele teve tantas oportunidades de reclamar, seja da minha direção ou das faixas falhas da estrada, dos buracos provocados pela chuva ou da longa distância.
Mas ele apenas ficou calado, e quando paramos num sinal demorado, entrelaçou seus dedos sobre o meu em minha perna e me mandou um beijo, dizendo baixinho que me ama, e aqueles segundos ficaram se repetindo em minha mente como uma música que eu não estava pronto para passar.
Grace se debruçou entre nós e ligou o rádio, trocando de estação até encontrar a música certa. Ou seja, uma balada romântica animada que ela sabia cantarolar até nos contagiar com o clima vibrante como se tudo fizesse muito sentido de novo, como se houvesse uma poesia bonita para ser escrita pra cada dor que sentíssemos e havia mesmo algo de encantador naquela conformidade.
Pegamos uma trilha de terra ligeiramente escondida pela grama alta e pensei imediatamente em Teddy. Se ele aceitasse vir, teria um longo desafio pela frente. Mas após se deparar com essa estradinha não havia mais mistério. Era apenas pisar no acelerador e se manter em linha reta, algo que Charlie poderia fazer. Estacionando, observei a casa amarela, que parecia ter sido arrancada de um livro infantil. Ela era realmente grande, provavelmente teria espaço para quatro ou cinco gerações da árvore genealógica Williams de uma só vez.
Danny estava parado encarando a piscina. Já conseguia visualizar a cena toda em sua cabeça, alguém ia querer nadar e ele ia ficar tenso com isso, então ficaria sentado perto da borda fingindo que está lendo uma notícia qualquer, quando estava a postos para um possível afogamento, caso esse onde ele não teria a reação necessária de se jogar dentro d’água, mas de me gritar para isso.
Abraço Danny por trás, o obrigando a olhar a casinha amarela.
— Olha que linda! Podíamos morar numa casa assim com nossos filhos.
Danny sorri pela minha dissimulação notória em desviar sua atenção.
— Tenho certeza que nesse momento você até colocaria mais filhos na equação e ia querer readotar o Mr. Pickles.
— Oh! Aquele era um ótimo gato! E eu amo os nossos três filhos, mas não importaria se você quisesse mesmo uma família maior.
Danny gira entre meus braços para se virar pra mim e olhar dentro dos meus olhos, porque está começando a notar que não estou apenas divagando.
— Repete isso.
— Eu te amo e adoraria ter mais filhos com você.
— Uau... Você aperfeiçoou sua arte da mentira ou...
— Ou eu não estava mentindo, Detetive.
Danny fica pensativo, me sinto orgulhoso porque o fiz esquecer da piscina.
— Eu preciso estar na horizontal. — Diz Bridget se apoiando em Clara.
O silêncio sombrio de Stella demonstra que a viagem deles foi longa.
Eddie toma a frente, com a chave em mãos para destrancar a porta. Danny já abriu o porta malas e está pronto para descarregar nossas malas, quando seu pai diz:
— A previsão de chuva é para amanhã, mas olhem pro céu. Não duvido que chova hoje ainda. É o tipo de coisa que acontece em Jersey, Comandante.
— Meu pai acha que é capaz de prever o tempo. — Danny sussurra pra mim.
— Eu ouvi essa, Daniel. — Responde Eddie, quando o filho passa pela porta levando uma mala. A outra vem em minha mão, mas Eddie tem outros planos.
— Me deixe te ajudar com isso, Comandante. — Ele pega a mala em minha mão. Não consigo imaginar nada mais estranho do que isso, até dar de cara com seu sorriso largo de quem estava tramando alguma coisa.
— Eu posso levar, Senhor.
— Pode fazer melhor. — E lá vamos nós. — Quem sabe buscar lenha?
— Pai? — Danny surge pela porta. — Por favor, não manda o Steve fazer nada idiota e perigoso porque eu conheço bem ele, vai sair correndo pra fazer!
— Bom, tem uns ursos pardos pela região, mas acho que ele vai ficar bem indo só até o celeiro. Tem lenha cortada e pronta pro uso estocada lá.
— Eu vou com ele. O Steve não vai te contar essa história, mas ele levou um tiro no ombro. Tentando me salvar de um espião idiota. — Danny toca meu ombro, e sinto o músculo resmungar até reconhecer o seu toque e se acalmar.
— Eu tô bem, meu amor. Fica com as crianças, eu volto em um minuto.
Eddie sorri. Nada melhor como um homem que busca a lenha para o sogro.
— Você precisa de ajuda, Steve! Meu Deus, que homem teimoso!
— Filho, não se preocupe. Ele vai ter ajuda. Stella! Vai ajudar o Steve com a lenha no celeiro! — Algo na voz de Eddie denuncia que não foi um pedido amigável e Stella, que estava atirando pedras na floresta, apenas o obedece.
— Acho que preferia os Ursos agora. — Danny suspira. — Eu te amo!
...
O celeiro possuía o modelo tradicional como o de uma casa rabiscada com cinco traços no formato de uma seta. Embora a construção não parecia ser recente, a tinta vermelha das madeiras estava inteira demais para ser velha. Pensei em Clara dizendo que trabalharam um bom tempo nesse sítio, e consigo imaginar os dois como nos filmes, subindo em escadas e sujando um ao outro de tinta enquanto tentam pintar essas paredes para curtir a aposentadoria.
O lado de dentro também foi tocado pelos Williams. Há um piso de madeira rústica sobre o chão, consideravelmente mais novo que as vigas formando tesouras no alicerce do teto. O lugar foi esvaziado como uma gaveta em desuso, limpo e tudo o que sobrou foram as pilhas de lenha e alguns fardos de feno.
Stella se senta em um deles e suspira, tentando sem sucesso dizer algo.
Eu que não sei esperar o suficiente, me sento no feno ao lado e digo:
— Você é irmã do Danny e eu devia estar tentando fazer você não me odiar. Essa é a regra, eu sei. Mas eu sou muito ruim em seguir regras.
— É, você é uma espécie de lenda na minha família, eu ouvi falar de você.
O tom de voz de Stella se torna meneável, eu a espio por cima do ombro que fisga novamente, e a vejo puxar alguns fiapos do feno onde está e jogá-los fora.
— Apontei uma arma na cara do Danny quando o conheci, tirei o emprego dele, estraguei tudo quando ele tentou voltar pra cá com a Rachel... fiz ele perder metade de um fígado e recentemente ele foi pego por minha causa. — Aperto os olhos com força, e massageio meu próprio ombro ao me lembrar disso. — Não espero que minha reputação seja boa, Stella, mas eu o amo.
— Eu sei. Você também deu um emprego melhor pra ele e outro pro meu filho, que é uma figura. Você ajudou o Danny a lidar com o castelo de mentiras da Rachel, e ficou o tempo todo ao lado dele quando o Matt... — Consigo ouvir quando ela funga baixinho e seu rosto se contorce. — Você tá aqui, não tá?
— Eu tô aqui. Eu sei que a cor preferida do Charlie é azul porque é a cor da farda da polícia, que é o que ele quer ser quando crescer, e sei que a Grace sempre preferiu a Ariel, porque foi ela quem salvou o príncipe e não o contrário, e todo mundo sabe que ela tem o melhor cabelo.
Stella começa a sorrir e aquilo se alastra rápido como fogo pelo seu rosto, como se ela tivesse prendendo aquele riso há meses, mas na mesma velocidade, ele se transforma em um choro compulsório, e ela se esforça para conversar.
— V-você me faz lembrar do meu ex-marido... ele... ele era bom com o Eric como você é com o Charlie, e ele era bom pra mim como você é pro Danny... Ele era bombeiro, iniciante quando o conheci e eu estudava medicina. Não conheço o Hawaii, mas aqui é Jersey, as pessoas se atiram na frente do metrô de vez em quando, e quando fiquei grávida, sabia que não ia conseguir manter o bebê e a faculdade, aí eu fiz a escolha que minhas colegas não fariam. Escolhi meu filho, e me transferi pra enfermagem que exigia menos de mim e do meu tempo. O James entrou pra corporação do meu pai e o Eric nasceu, eu entendia o desejo de querer ajudar outras pessoas, eu entendia mesmo. Mas começava a suar sempre que ele vestia o uniforme amarelo... besteira, ele morreu num acidente ridículo contra uma árvore usando jeans e camiseta... hoje fazem vinte anos... e eu não consegui dormir pensando nisso, aí me levantei e vi você... sendo o marido perfeito bem ali na cozinha, e fiquei com raiva porque não era o James ali... eu não odeio você, Steve, odeio o James por ter morrido tão cedo...
— Eu sinto muito, Stella... — Me agacho na sua frente e seguro suas mãos. — Eu não sabia, não da história toda. Sinto muito pela história toda.
— Eu era boa antes disso. Eu era presente e sabia dizer não quando era necessário. Mas naquela noite... tudo mudou. Eu disse um único não pro James. Ele tava esgotado do trabalho, queria que eu trocasse meu turno, mas eu não queria cometer erros no hospital. Ele ficou irritado, pegou o carro e... eu nunca mais consegui dizer não pro Eric, por isso ele se tornou quem ele se tornou...
— Seu filho é-
— Não, Steve. Não venha me convencer de que ele é um prodígio agora.
— Na semana passada um caso foi reaberto no Tennessee. Um acidente de carro que matou um pai também, o filho de vinte anos foi responsabilizado e carregou a culpa por dezesseis anos. Pela morte do pai e da paralisia da garota que dirigia o outro carro. Mas na semana passada, foi provado que ele não teve culpa e que... o veículo apresentava falha mecânica. Sabe quem reabriu o caso?
— Você? Danny?
— O seu filho. Ele foi sozinho pro meio do nada e periciou tudo sozinho.
— O Eric fez isso?!
— Fez. O seu filho é um homem bom, honesto e o melhor e mais confiável perito criminal que conheço. Você fez uma boa escolha, não se esqueça disso.
— Ai meu Deus... você tá tornando tão difícil a tarefa de te odiar, Steve!
Sorrio e sinto meu ombro reclamar, me sento no feno e massageio de novo.
— Não é sua culpa. A Grace diz que os Williams são fadados a me amar.
Ela sorri e me da um soquinho de leve acima do meu ombro dolorido, me fazendo grunhir de dor e apertar os olhos até sentir as lágrimas na garganta.
— Eu juro que não coloquei nem metade da minha força nesse soco!
Massageio o ombro que parece estar sendo espetado por várias agulhas.
— Não se dê tanto crédito. Não é você, é o meu ombro.
Ela ergue minha manga sem meu consentimento, tenho sorte por não ter rasgado o tecido como os paramédicos adoram fazer. Eles odeiam camisas!
— Isso é um trauma balístico?! Vem comigo, eu vou bancar a enfermeira.
— Perai! Vai me dar aquele remédio que derruba um exército inteiro?
— Talvez, se você ficar bancando o fuzileiro naval.
...
Stella limpou meu ferimento balístico, ou seja, lá como ela o chamou. O limpou com algo que deveria conter um concentrado de molho de pimenta que ardia mais que o próprio tiro. Me mandou fingir que eu só tinha um braço, que eu não deveria usar o outro de forma alguma, nem mesmo para “sacudir” depois do xixi, mas que graças a Deus eu tinha um braço bom e destro pra esse serviço, e tinha meu copiloto — palavras dela, não minha — Danny, que revirava os olhos e tentava tapar os ouvidos de Charlie com as palmas de suas mãos.
Imaginei que Chin havia tentado me ligar, mas o sítio tinha um péssimo sinal. Sai andando com o aparelho em mãos e vi a barrinha trepidar quanto mais eu me aproximava do fundo da casa, onde havia uma espécie de sacada com cadeiras que pareciam de praia, só que com uma camada extra de pano.
Bridget estava afundada em uma delas com o celular preso no ouvido.
“Teddy, você disse que vinha e vamos ser honestos, você não está aqui. Eu sei que mereço mais que isso, Teddy, mereço mais que promessas que não são cumpridas, e mereço mais que ficar conversando com uma caixa postal. Eu terminei um casamento por isso e acho que não posso começar outro assim.”
Passei direto pela sacada, eu acho que já havia interferido demais por ali. Fui eu quem disse à Bridget sobre merecimento, e fui eu quem sugeri que ela convidasse Teddy. Além disso, meu celular vibrou. Mensagem de Chin Ho.
“O número é colombiano. Devia estar desativado, mas costumava pertencer a uma mulher de nome Talia Del Pilar. E McG, ela foi presa há um mês atrás.”
“Chin, preciso que descubra a ligação entre Talia e Matt Williams.”
...
Encontrei Danny sozinho no quarto e não queria lhe contar uma história em que o nome Matt fosse protagonista e que estivesse redigida pela metade, mas também não podia esconder aquele manuscrito incompleto dele e sabia que não haveria grandes oportunidades de ficar a sós dali pra frente.
— Meu amor... — Eu o chamei, mas ele vasculhava minha mala e parecia intrigado o suficiente com minhas roupas para não olhar na minha cara.
— Você mexeu aqui depois que chegamos? Viu aquela camisa cinza?
— Como é que é?! — Fui sugado para um mundo onde existiam camisas.
— Oh! Desculpem me intrometer, mas estão falando de uma camisa cinza velha com a costura se desfazendo nos ombros? — Pergunta Eddie da porta.
— Exatamente. — Danny abre os braços. — Cadê a camisa, pai?!
Seu tom é ameaçador.
— Então, ela não era pra doação? — Pergunta Eddie, em seu tom astucioso e eu entendo que ganhei todos os Williams da casa, menos seu progenitor.
— Pai, você tá falando como se a camisa tivesse jogada pelo chão e como se eu tivesse quinze anos de idade, de novo. A camisa tava na mala, eu coloquei!
— Mas essa não é a mala do Steve? — Ele pergunta, se incriminando.
Por isso ele queria tanto me ajudar com a mala! Ótimo. Eu era um idiota.
— Fui eu, Danny. — Intervenho. Não suporto gerar mais uma briga no dia de hoje. — A camisa tava velha... eu queria ajudar na doação e entreguei ela pro seu pai... — Troquei um olhar disfarçado com meu sogro. Um ponto pra mim.
— Steve! — Ou talvez não. — Primeiro: Você não sabe mentir pra mim. E segundo: Eu adorava aquela camisa, não o Steve! Então pai, obrigado por isso! — Os olhos de Danny estavam indignados e levemente possessos.
— Meu bem, é só uma camisa. Tenho outras dezenas delas pra você...
— Só uma camisa?! — Seus olhos perdem a cor. — Você usou ela no Hilton.
Ah, Deus! Eu usei mesmo aquela camisa no Hilton, agora consigo me lembrar. Ela rasgou quando os capangas me pegaram abaixo do palco, pouco antes do primeiro beijo que eu e Danny trocamos. Eu era mesmo um idiota!
Danny saiu bufando. Eddie e eu trocamos um olhar coberto de lástima.
...
Eu entendia a preocupação excessiva de Eddie. Entendia mesmo. Danny era a pessoa mais pura que eu conhecia, era como um anjo que havia cortado as asas para se misturar entre nós, mas não tinha botão pra desligar seu brilho. Entendia também o que Clara havia me dito mais cedo nesse mesmo dia, eu era o novo brinquedo militar de um bombeiro aposentado, e devia ser um tanto quanto divertido torturar o novo genro que ele sabia que não ia reclamar.
Mas é como uma fonte onde as pessoas jogam moedas e pedidos inconcebíveis o tempo inteiro, e ela continua ali, mas se você jogar algo pesado demais, ela se racha. E foi o que aconteceu com a camisa. Meu único motivo por ficar ali era Danny e vê-lo perder não apenas uma lembrança do nosso primeiro toque, mas uma extensão da proteção que eu representava pra ele, um lugar seguro onde ele poderia enfrentar cada noite de insônia, medo e trauma?
A história com a camisa não havia sido nada legal. E só eu, Danny e Eddie parecíamos saber do ocorrido. Clara havia passado o dia inteiro na cozinha, Grace a estava ajudando, Charlie estava auxiliando Eddie nos consertos que ele não me pediu para fazer porque sabia que meu ombro estava ferrado. E Bridget havia ficado horas no quarto dizendo para Stella que estava com dor nas costas, mas eu acho que era mais que isso, era o seu coração que havia se machucado.
Com todos dispersos, Danny e eu fomos esquecidos no sofá da sala.
— Anjo, sinto muito pela camisa, mas você não vai precisar dela.
Seguro o rosto de Danny entre as mãos e caímos deitados no sofá, que não é espaçoso como o da casa da cidade, o que se torna algo bom porque ele precisa ficar de lado e enrolar a perna na minha para nos encaixarmos no móvel.
— Não vou? E por que não? — Ele apoia o rosto na palma da mão.
— Porque quando precisar de uma lembrança do Hilton, eu posso fazer.
— Como, exatamente, você faria isso?
Seguro Danny pelo pescoço e o trago pra mim, meus olhos presos em seus lábios e penso na primeira vez que fiz isso, o quanto eu tinha medo dele recuar, medo de ser rejeitado quando resvalei meu nariz no dele e invadido por um desejo incontrolável suguei seu lábio inferior para mim, deixando esclarecido as minhas intenções. O toque quente do seu lábio contra minha pele foi tão intenso como fogos de artifício explodindo no meu estômago, subindo pelo peito a certeza palpável do quanto eu o queria e o amava, e ele não recuou. Então eu me enchi de coragem e o tomei por inteiro, como agora, eu coloquei minha língua dentro da sua boca, procurando a sua, pedindo por ela e ela veio.
— Steve... — Ele gemeu contra meu ouvido, escondendo o rosto contra o meu e respirando fundo com o coração palpitando deitado em meu peito.
— Daniel, não faz isso comigo... porque eu tô morrendo de saudade...
Eu sabia que só estava jogando mais lenha naquela fogueira, mas tinha algo em Danny que não me deixava parar. Seus olhos irradiavam aquilo, a chama azul tomava conta de mim, adorava ver ele perder as boas maneiras, e não me colocar numa taça curvilínea, mas ter sede suficiente pra beber no gargalo.
— Saudade de quê? Eu tô bem aqui... — Ele beijou a poção de pele bem abaixo do lóbulo da minha orelha e decidiu separar os lábios molhados bem ali.
— Amor...
— Responde!
— Saudade de você na cama, de tirar sua roupa toda...
— E fazer o quê depois?
Oh, Deus... por que ele tinha que ser tão sexy?
— O que você quiser, meu amor...
— E se eu quiser... chupar você? — Ele sussurrou com toda a naturalidade do mundo e sugou meu pescoço e eu perdi a capacidade de respirar normalmente.
— Meu pescoço? Porque parece que você já tá fazendo isso...
Ele levantou o rosto, segurando o lábio inferior entre os dentes.
— Não... — Ele negou com a cabeça, com libido desperta no olhar.
— Onde? — Meus lábios rasparam nos dele, era gostoso conversar assim.
Eu sabia que ia me arrepender de perguntar.
Danny deixou os dedinhos perdidos em meu pescoço descerem acompanhando os botões da minha camisa, e quando acabaram, ele continuou descendo até esbarrar com o filete de pele da minha cintura que a barra dobrada da camisa não alcançava, seus dedos foram sorrateiros e rápidos e desviaram do botão da minha calça, quando o senti ele já estava desenhando com firmeza no toque, a minha ereção sobre o jeans que se tornou apertado.
— Que desperdício, meu amor...
— Oh, Danny... o que quer dizer com isso, hein? 
— Um desperdício desse tamanho, Amor... já pensou o que eu poderia fazer com todo esse... material?
Varro a sala com os olhos. Ninguém. Espero que permaneça assim.
— Se eu disser que não, será mentira.
— Imagina só a minha língua brincando daqui... até aqui... — Seus dedos subiram por toda a minha extensão.
— Oh, Deus...
— E quem sabe o que ela faria bem aqui? — Ele toca minha glande sobre o jeans, meu corpo vibra como se eu tivesse recebido uma carga elétrica.
— O que você faria, meu amor? — Acaricio seus cabelos e consigo visualizar exatamente cada detalhe que Danny lança sobre mim.
— Eu começaria colocando essa parte na minha boca, então um pouco mais...
— E... — A parte mais difícil de ser seduzido por ele, é que Danny se alimentava do tom displicente de estar numa casa cheia de gente, ele tinha confiança necessária pra colocar na minha mente a imagem da sua boca absorvendo o meu corpo, e eu ainda precisava ficar de olho no perímetro.
— Você sabe que eu gosto... todo, não sabe?
— Ah, eu sei sim... eu me lembro...
Danny envolve minha ereção em seus dedos e os move em direções opostas.
— E você... gostaria de foder minha boca?
— Danny... — Tento me controlar, mas é impossível. — Com força...
— E você... gozaria bem na minha língua?
— Meu amor... eu poderia fazer isso agora mesmo...
— Eu sei que sim... eu adoro te deixar com tesão.
— Conseguiu... mas por que tá me torturando assim?
— Porque você é gostoso, Amor... — Ele pausa o beijo. — E fode gostoso também...
— Me dê um único motivo pra não te levar pro quarto agora mesmo.
Danny sorri com a feição convencida de quem pensa “eu posso fazer você ter um orgasmo sem encostar um dedo em você”. E ele estava cheio de razão.
— Oi meninos. — Eddie surgiu na sala, graças a Deus ele soltou a voz antes de erguer o olhar até nós, e Danny teve tempo para se deitar enrolado a mim.
— Oi, pai. — Danny resmungou de má vontade.
— Tô atrapalhando alguma coisa? — Eddie pergunta sacando o clima de interrupção sólido no ar.
— Uh... — Danny sacode a cabeça para os lados.
Algo mais sutil do que dizer “sim, pai, eu estava brincando de deixar meu noivo perigosamente excitado”, que seria a versão resumida do que estava acontecendo.
— Não tá atrapalhando, Eddie. Pode falar. — Respondo.
— Preciso de todos aqui. Tenho uma surpresa que vai te fazer esquecer aquela camisa, meu filho. — Diz Eddie, saindo para chamar todos até a sala.
Eu já estava fazendo isso, mas acho que não devo mencionar meu modus operandi. Clara aparece com as crianças e as meninas surgem da direção dos quartos, eu e Danny nos sentados meios desconfortáveis e Stella nos encara de olhos cerrados, captando de alguma forma nossa áurea de quem queria privacidade. Mal tenho coragem de olhar para baixo e checar como estou. Bridget é a última a aparecer com o rosto amassado pelas estrias do travesseiro.
— Então, pai... qual surpresa incrível você preparou? — Pergunta Danny desanimado. Acho que eu estava fazendo um trabalho melhor com ele.
— Um jantar no Mangia Brick Oven essa noite. O que me diz?
Eddie abre os braços, satisfeito consigo mesmo, e Danny não consegue demonstrar indiferença ao que acabou de ouvir.
— Pizza siciliana?! — Danny sorri, por um segundo me sinto trocado.
— Pizza siciliana. — Eddie responde. — Só tem um pormenor.
Danny revira os olhos. Acho que já sabe o que vem por aí.
— O que foi dessa vez, pai?
— É que você conhece o lugar, está sempre lotado. Os lugares são marcados, consegui uma reserva de desistência e não tenho entradas para todos.
Entendi.
— Eddie! Que horror! — Comenta Clara. — Vamos outro dia então.
— Vão hoje. Eu não vou. — Diz Bridget. — Se eu ficar olhando aquele monte de gente mastigando pizza como uns selvagens, vou vomitar.
— Temos seis lugares e de qualquer forma alguém precisa ficar de olho na Bridget. Se decidam. Vamos trazer pizza pra quem ficar. — Completa Eddie.
— Okay, pelas minhas contas, eu me dei muito mal. — Diz Stella. — Se dois precisam ficar, e a Bridget não vai, a babá barra enfermeira também não.
Eddie me olha e o recado fica cada segundo mais explícito. Não devo ir.
— Vai com eles, Stella. Eu fico de olho na Bridget.
E Stella leva tipo... dois segundos para me responder.
— Eu já disse que você é um cunhado maravilhoso, Steve? Vou me arrumar antes que se arrependa disso.
Ela literalmente me abraça. E Bridget com os olhos úmidos me abraça do outro lado, talvez por eu ter me oferecido para cuidar dela, ou porque ela está triste, ou são apenas os hormônios.
Mas Danny está cerrando os olhos para o pai, não vai deixar barato.
— Pai. — Danny se empertiga, não gosto quando ele faz isso. — Eu vou ser bem direto. Essa brincadeira de Meet the Parents com o Steve já ficou chata. Já deu. O que mais você quer dele? Esse homem salvou a minha vida mais vezes do que eu consigo me lembrar, e ele inclusive fez isso há menos de um mês, e se não fosse por ele eu nem estaria respirando, muito menos estaria aqui. Então eu te pergunto, quantas provas mais você precisa de que o Steve me ama?
— O que aconteceu com você há menos de um mês, Danny? — Eddie pergunta, a coluna já se endireitando como se estivesse pronto para voltar a ser um bombeiro militar e salvar o próprio filho de seus olhos assustados.
Caminho até as crianças, pego Charlie no braço bom e Grace compreende meu olhar, segurando em minha mão. Caminhamos juntos até a beira da piscina.
Mas ainda posso ouvir Danny, quando contorno a porta da sala.
— Você não vai querer saber. — Danny responde com os olhos aturdidos. — Só precisa saber que eu fui parar longe demais, e o Steve foi quem lutou por mim, e ele me trouxe de volta. Porque ele não desiste, pai. Ele não desiste de mim, nunca desistiu. E não vai ser dessa vez que ele vai começar a desistir, então para, por favor, porque alguém tem que fazer isso, e ele não vai parar.
— Papai Steve. Do que o Danno estava falando? — Charlie me pergunta quando nos sentamos no chão, encarando a água azul esmeralda se agitar com o balanço do vento.
— Nada que você precise se preocupar, Campeão. Era só um dia difícil no trabalho. Mas o Danno... ele é um cara durão. O mais forte que conheço!
Faço uma cara brava e Charlie sorri.
— Vocês dois são. — Ele diz, se apoiando nos cotovelos estirados para trás.
— O Charlie tem razão. Os dois são. — Grace me olha profundamente, e eu entendo seus recados mentais de novo. Ela esfrega meu braço, como costuma fazer quando sabe que eu preciso de apoio. E eles são tudo o que preciso agora.
...
— As crianças amam você. O segundo pai deles. — Bridget sorri, meio sentada, meio deitada no sofá em que estive com Danny mais cedo, ela se apoia no forte de travesseiros e almofadas que montei até sua coluna se moldar encaixada entre eles e recebe o copo de água que trago para ela.
— Eles são maravilhosos! — Acho que estou sorrindo feito um idiota.
— Você é um pai babão, Steve! — Ela joga uma das almofadas em mim.
— Hey! — Reclamo, mas acabo sorrindo. — Eu sou, eu amo aqueles dois!
— A Grace me lembra você, e não me peça pra explicar. Ela só me lembra você.
— O Danno diz que ela me puxou.
— Exatamente isso. Eles não parecem nada com a mãe que tem. — A voz de Bridget fica pesada. — Desculpa a sinceridade excessiva de uma mulher grávida, mas eu não suporto aquela vaca.
— Eu não julgo você. Acredite! Nem um pouco! Mas e a Sophie e o Lucas, quando vou conhecer?
— Assim que o pequeno Matthew aqui nascer, daqui um mês, eu espero.
Sinto que meus olhos brilham enquanto administro aquela informação.
— O pequeno Matthew?
— Oh! Ele sabe que estamos falando dele ele! Vem cá, anda, põe a mão!!!
Me agacho no carpete, até debruçar na beira do sofá e esticar o braço.
— Oi Matthew... aqui é o Tio Steve. Você sabia que tem uma família linda e um pouco barulhenta também... mas que te ama muito te esperando aqui, não sabia?
— Um pouco barulhenta é elogio!
— Sim, essa foi a mamãe. Ela é ótima, Matthew, você tem muita sorte, garotão!
— Sentiu isso?
— Ai, meu Deus! Eu senti... — E posso estar um pouco emocionado agora.
Uma pausa sonora se faz e meu pensamento voa pra muito longe.
— Ele não veio, Steve. Fui quantas vezes meu corpo permitiu até a varanda e enfiei a cara na janela da frente procurando o Volvo prateado, e ele não veio.
— Hey, talvez ele tenha tentado, mas aqui é um pouco... muito escondido! Não fica preocupada não, porque o Matthew sente tudo o que você sentir.
— Leu isso também? — Ela sorri. Pelo menos ainda sirvo para diverti-la.
— Na verdade eu li sim. Você vai ficar bem, se eu for na varanda um minuto?
— Vou sim. Se o Danny ligar, lembra ele que eu como por dois humanos.
— Combinado. Se precisar, me grita. Eu venho correndo.
— Combinado. — Ela repete o soquinho, que está se tornando “algo nosso”.
Mal cheguei na sacada e meu celular já começou a vibrar feito louco.
“Chin? O que descobriu?”
“Steve, espero que esteja sentado. Eu fiz o que pediu, na verdade fiz mais.”
Chin começou a falar e não parou mais por cinco minutos. O que significava que reduzindo o tempo gasto repetindo as palavras entrecortadas pelo sinal péssimo que piorava consideravelmente com a chuva que se tornava tórrida antes mesmo que eu pudesse notar sua presença, Chin devia estar falando há cerca de três minutos inteiros, no mínimo.
Os músculos do meu rosto estarrecido já começavam a reclamar, mas eu não conseguia suavizar a expressão e precisava ouvir cada palavra da investigação relâmpago, mas reveladora e eficaz que provavelmente tinha tomado seu dia.
Ouvi um apito agudo se misturar à voz de Chin, encarei o celular e não parecia ser nada nas dependências do Hawaii. Ouvi uma segunda vez e compreendi, era Bridget, e quando eu disse para ela me gritar caso houvesse qualquer problema, acho que não imaginei nem por um segundo que aconteceria. Corri derrapando no corredor até chegar à sala.
Bridget parecia estar na mesma posição que a deixei, os olhos me encaravam estatelados e ela ficava repetindo que havia água, água e água. Rolei os olhos pela sala e percebi que a casa estava mesmo precisando de vários reparos, porque haviam goteiras notáveis nos cantos do cômodo. E havia mesmo água.
— Oh, vou procurar toalhas. Não se preocupe, vamos ficar bem.
— Não, Steve! Água... — Ela repetiu, mas dessa vez seus olhos assustados correram para suas pernas que estavam ensopadas, mas não havia goteira por ali. Foi quando a minha ficha não caiu, mas despencou na minha cabeça.
— Oh, Deus!
— Steve. Diz que não tá acontecendo. Não aqui. Não agora. Não sem a Stella. Nem o Teddy. Nem um médico. Nem analgésicos. DIZ PRA MIM!
— Hey! — Segurei as mãos de Bridget, que estavam frias e empapadas de suor, além de não conseguirem ficar estáticas por causa da tremedeira constante. — Eu tô aqui com você, e vai dar tudo certo. Vou cuidar de você, vou te levar pro hospital e vocês dois vão ficar bem. Confia em mim, tá bom?
— Tá bom. Tudo bem. Você tá aqui. Vamos ficar bem. Obrigada...
Ela não disse mais nada. Chequei o celular e não havia sinal, eu precisava voltar até a sacada, pedir ajuda, pegar as chaves da minivan, acomodar Bridget dentro dela e levá-la para o hospital. Era um plano, um ponto de partida.
Corri até a sacada, mas a chuva se tornava violenta e eu não conseguia sinal, foi quando as contrações começaram e eu precisei partir direto pra ideia do carro. Vasculhei a calça que vesti a caminho daqui e a de Danny, nada. Ele devia ter entregado a chave para Clara, óbvio, o carro é dela. Corri até o quarto dos meus sogros, revirei as gavetas da cômoda, nada. Bridget gemia de dor. Pensei no celular de Clara chamando mais cedo na cozinha, é uma chance. Corri até o cômodo, e lá estava o chaveiro, perto dos outros molhos.
— Eu tô com a chave do carro, vou pegar agasalhos pra você! — Corri até o quarto, apanhei a mala de Bridget, toalhas e cobertores. Corri até a entrada, e quando abri a porta, parecia que tinha convidado o céu para entrar no sítio e se sentar conosco. O vento soprava forte e trazia consigo gotas geladas para a sala que já se parecia com um regador gigantesco por causa das goteiras.
Joguei uma toalha na cabeça e enfiei os cobertos debaixo do braço ruim. Stella iria entender. A mala de Bridget ia em minha mão boa, me enfiei debaixo da água, que parecia super refrigerada, e não consegui deixar de pensar em como só agora eu entendia o que Clara quis dizer sobre temporada de chuvas de setembro, parece que adiar o sopão para amanhã não vai ser suficiente.
Finalmente chego até o carro, destranco a porta e jogo a mala no banco do carona com os cobertores e toalhas já afetados pela chuva, mas em condições melhores que minhas roupas que estão encharcadas e pingando em bicas. Me sento no banco do motorista, sinto meu corpo molhar pegajoso o tecido do banco, coloco a chave na ignição e faço o giro o mais rápido que consigo.
Nada.
Tento de novo. Nada.
Não pode ser. Nada outra vez.
Poderia ficar ali esmurrando o volante como um homem das cavernas, mas penso no meu pai e em como ele sempre sabia o que fazer sobre mecânica. Me lembro da chuva gelada e não quero admitir em voz alta, mas sei o que houve.
Sei que tenho mais algumas tentativas antes da bateria descarregar de vez, caso o carro não responda. A quantidade exagerada de água nessa temperatura tão baixa, com certeza gerou um destemperamento no motor e ele não responde. Tudo o que ouço é a chuva açoitando a janela do carro, e alguns gemidos mais altos de dentro da casa, o que me deixa ainda mais aflito.
Faço uma oração mental, concentro toda a minha energia na garota chorando de dor no cômodo próximo. Tem que funcionar! O carro precisa pegar! Engato o ponto morto, dou partida e piso no acelerador. Nada.
Insisto mais algumas vezes, porque sei que o carro pode resolver pegar a qualquer momento, como alguém que dormiu demais e perdeu a hora. Em alguma tentativa a soneca do seu celular vai fazer efeito. O carro tem que pegar. Repito o processo e nada. Faço isso até a bateria morrer de vez.
O choro angustiado na sala e os gritos de dor se transformam no meu nome. Pego toda a bagagem e os tecidos e volto correndo para o sítio, as gotas ainda mais grossas e gélidas que no caminho até o carro. Bato a porta da sala.
— Steve... — Bridget tem olhos apavorados em direção ao chão.
A chuva provavelmente está cuspindo no chão e rindo da minha cara agora. O gotejamento já não pode ser chamado assim, porque as gotas se tornaram jatos como se uma cachoeira tivesse engolindo a casa, e o telhado não parece preparado para nem metade dessa chuva, que se acumula no piso e já alcança os tornozelos. Preciso tirar Bridget daqui, mas não posso enfiá-la num carro que não pega, ela precisa de um hospital e eu preciso pensar com clareza.
A casa não vai aguentar. O telhado não é forte o suficiente. É isso. O celeiro!
Me lembro da construção antiga, mas complexa do celeiro, as madeiras entesouradas que formam o alicerce da cobertura daquele galpão.
— Bridget, vai ter que confiar em mim. Preciso te tirar daqui.
Ela assente com a cabeça, talvez ainda pensando que vamos até o carro, mas minha voz não quer sair para desencorajar aquela garota. Então não digo mais nada, apenas vou até o sofá, me abaixo e passo as mãos por baixo do seu corpo. Deixo a cabeça de Bridget repousar em meu ombro ruim, encaixo minha mão na base de sua coxa, lhe entrego os cobertores que ela abraça, a alça da mala continua presa em meu punho e Bridget abre uma toalha sobre nossas cabeças. Que começa a despencar quando ela precisa abrir a maçaneta da sala, de novo a chuva parece ainda mais furiosa, e os pingos parecem pedras de gelo afiadas.
Corro até o celeiro, meu corpo pedindo para fazer uma pausa, Bridget realmente está valendo por dois, a mala é corpulenta e está bem carregada, e nesse momento com a respiração ofegante, até minha roupa parece pesada. Mas eu nunca pararia, nunca desistiria de Bridget antes ou depois do celeiro.
Entramos finalmente pela porta de madeira alta, respiro aliviado ao ver que o local por dentro está consideravelmente seco. Preciso colocar Bridget no chão, e a peço para se segurar no canto da parede. Junto alguns fenos até se parecer com um retângulo da largura de uma cama de solteiro, e forro os cobertores, levo Bridget em meus braços de novo e a acomodo com cuidado, para que os fenos não se separem no impacto com o seu corpo em batalha.
— Steve... — Ela se contorce de dor e sei que as contrações pioraram. — Na Marinha, eles ensinam a fazer partos de emergência com 35 semanas? — Ela chora aos soluços ao som da possibilidade trazida por sua própria voz.
— Hey! Eu prometi que ia cuidar de você, eu nunca volto atrás numa promessa. Sou o cara mais teimoso que você vai conhecer. Vamos dar um jeito.
Bridget faz o possível para respirar num compasso aceitável, checo o celular e sinto vontade de jogá-lo contra a parede no mesmo minuto. Nada de sinal. Mas não estou surpreso. Preciso fazer alguma coisa, e se não tenho como tirar Bridget desse celeiro, preciso cuidar dela eu mesmo, aqui, dentro desse celeiro.
Stella havia usado um kit de primeiros socorros quando cuidou do meu ombro, por isso atravesso de novo o caminho do celeiro até a casa principal, encontro o kit no armário embutido do banheiro, e volto com os pés submersos dentro d’água ao atravessar a sala. Penso imediatamente em Danny, com trauma de grandes quantidades de água, como ele deve estar agora? Como ele vai se sentir se conseguir chegar até aqui? Tomara que o restaurante tenha um teto melhor. Infelizmente não posso ficar pensando no meu noivo agora, preciso cuidar de Bridget. Pego água pura e panos que parecem virgens.
Quando chego até o celeiro, a respiração de Bridget está em frangalhos.
— Steve... minhas.... contrações estão demorando cerca... de 15 segundos e o intervalo entre elas está diminuindo... isso significa que...
— Eu sei... eu entendi. Vou precisar dar uma olhada lá em baixo, pode ser?
Bridget resmunga de dor, outra contração. E assente chorosa com a cabeça.
— Fico feliz... por você... ser completamente... gay... agora...
Aquilo nos faz gargalhar de verdade, pelo menos até a próxima contração.
— Certo. Eu não sou ginecologista, não entendo disso aqui, sabe... — Digo e Bridget ri, porque seu senso de humor é extremamente mágico. — Mas acho que temos um tempinho ainda, podemos fazer exercícios de respiração agora.
— Okay... Um, dois, três, quatro... —Ela toma fôlego. — Um, dois...
E ela começa a chorar de novo. Me ajoelho no chão e seguro sua mão.
— Sabe o que o seu irmão faz, quando fica ansioso e perde o controle?
— Ele beija você? Porque o Teddy não veio.  — Ela chora mais um pouco.
— Não, ele conversa. O Danno adora falar, e ele fala sem parar. Beisebol, escalação de jogadores, por ano. Então, você quer falar alguma coisa, Bridget?
— O Matt... — Ela respira fundo, e isso parece ferir ainda mais seu corpo.
— É um garoto forte e vai ficar bem.
— Não, o outro... Matt. Ele... faz... falta... A Stella... era a sabichona... adorava se gabar... o Danny... o garoto perfeito... o orgulho da família... eu... era a eterna adolescente, a menininha... e o Matt... ele era... um bom-vivant... sempre sorrindo... o equilíbrio... ele trazia paz... Sem ele... tudo perdeu o controle... nós perdemos o controle... começamos a cuidar demais um do outro... e passamos do limite... tentei cuidar dos meus pais... e dos meus filhos... acho que ajudei o Ted... a se afastar... me afastei também... demorei pra ver isso... o Danny adotou o Eric... foi o jeito de cuidar da Stella... e acho que foi ele que pediu pra Stella... tomar conta de mim... depois que apareci no Hawaii e disse pra ele que eu queria sumir... que eu tava sozinha demais... Eu só queria restabelecer... a paz... Steve... devolver um Matt Williams... pro mundo...
— Hey, vocês são uma família incrível...
— Não me tapeia, Steve... tem uma cabeça tentando sair de dentro de mim...
— Não é tapeação. A minha mãe é uma agente da CIA, e eu cresci sem saber disso, assim como minha irmã e até o meu pai. E com dezesseis anos, nós enterramos a minha mãe depois de um acidente de carro, que anos mais tarde descobri que foi um atentado a bomba, e que veio a ser uma queima de arquivo que fracassou, porque a minha estava viva, tinha forjado a própria morte. E no meio dessa mentira o meu pai foi assassinado, por causa dela e ela não apareceu nem mesmo assim. Eu fui despachado pra marinha sem atingir a maior idade, e minha irmã foi mandada pra casa da minha tia, que é ótima, mas também morreu. Eu não vou dizer que minha família é uma bagunça, é muito pior que isso, sinto que minha família nem exista, tenha sido só um disfarce bem convincente. A minha estrutura familiar é tão boa quanto o teto do sítio, mas a sua? É como esse alicerce aqui. É forte e resistente, e aguenta tempestades difíceis. Você vai conseguir trazer a paz, Bridget, vocês juntos vão fazer isso.
— Você... tem família... agora... Steve... você é um Williams... combinado?
Ela me oferece o punho fechado. Eu aceito e seguro sua mão.
Rezamos silenciosamente por um milagre, enquanto organizo minhas forças, me tornando disposto a ajudar Bridget e trazermos o Matthew para o mundo.
Já havíamos quase desistido do tal milagre, quando ele aconteceu.
A chuva não cedeu, mas um raio de luz invadiu a fresta da porta do celeiro.
Sorri com lágrimas de esperança presas em meus cílios, embaçando a visão.
Corri até a porta. O farol estava alto, mas eu acabei reconhecendo o carro.
— Um Volvo prata, Bridget! Ele veio! — Corri até Teddy. — Você veio!
O abracei chorando, ele me olhou confuso por trás dos óculos e do cabelo enrolado. Abri a porta de trás do carro e lhe tomei as chaves de suas mãos.
— Seu filho está nascendo. Vamos pegar a Bridget, e eu... eu dirijo.
— Ai meu Deus! — Ele respondeu. Corremos até o celeiro.
— Vamos logo! — Dizia Bridget. — O Matt não quer nascer como Jesus!
— Bridget, meu amor. Eu fiquei perdido há horas. Me perdoa, eu amo você!
— Você veio. É o que importa... Esse é o Steve... ele é da família agora... e o seu filho... acabou de marcar uma reunião inadiável pra essa noite, Teddy...
...
Jersey tinha um senso de mobilidade diferente do Hawaii, as pessoas pareciam sempre ligeiramente atrasadas e estavam acostumadas a falarem rápido e alto para serem ouvidas. Mas um hospital era sempre um hospital. Corredores brancos e azuis, passos moderadamente apressados, sussurros assustadores, e o mais mórbido, a densa tentativa de não gerar pânico.
Eu podia sentar em cadeiras de sala de espera de uma emergência uma vez por semana, que continuaria sendo o lugar mais desesperador do mundo. Não conseguia sequer me acomodar na cadeira, trocava de posição há cada cinco segundos e nenhuma parecia boa o suficiente para esperar notícias.
Quando ouvi uma voz familiar dizer “Williams” desatei os nós dos dedos cruzados entre minhas pernas espaçadas, e levantei o rosto até encontrá-lo. Danny me viu no mesmo momento e desistiu da recepcionista, suas sobrancelhas já despencaram, a boca não conseguia fechar de tanta aflição. Ele caminhou depressa e eu me levantei, voltei a respirar quando senti seu cheiro, minhas mãos seguraram seu rosto, senti seu pulso acelerado reverberando, a pele fria, os cabelos úmidos, e o moletom vermelho que parecia vinho agora. Ele havia se molhado e isso explicava o pavor que acompanhava a preocupação original em seus olhos. Estava preocupado com a irmã, o bebê, e... a água.
Puxo seu rosto para mim, beijo sua testa e trago sua face para o meu peito, onde o abraço com força, uma mão firme em suas costas e a outra no cabelo. Sua respiração fica mais acelerada, antes de começar a neutralizar. Levo alguns segundos pra perceber o restante da família se acumulando ao nosso redor, assustados, não entendem o que está acontecendo, não sabem sobre o mar.
— O que aconteceu? — Pergunta Stella. — Eu não devia ter ido. Tinha que estar lá com ela. Como ela tá? E o bebê? A bolsa estourou? Sabe algo mais?
Stella caminhava de um lado para o outro com os braços pra todo lado.
— A bolsa estourou, as contrações estavam progredindo rápido, mas chegamos aqui a tempo. Os sinais vitais estavam bons, mas ela estava em trabalho de parto. Teddy está com ela, faz uns quarenta minutos...
Danny se senta numa cadeira acolchoada mais próxima, as crianças se aproximam, beijo a testa de Charlie e abraço Grace que observa o pai. Clara e Eddie também o observam, o pai sabe que ele está em estado de choque, sabe que tem algo mais do que o trabalho de parto de Bridget na cabeça dele.
Me sento ao seu lado e seguro sua mão, Danny aconchega a cabeça ao meu ombro, o que deveria me causar dor, mas só consigo sentir o quanto o amo.
Os ponteiros do relógio da parede se arrastam sem a mínima vontade de seguir em frente. Já é quase vinte e duas horas e Charlie cochila sobre o colo de Clara, o que parece bom porque ela tem um motivo para manter a calma, diferente de Stella, que já pediu informações privilegiadas do parto para metade do hospital. Tudo o que sabemos continua sendo que ela está em trabalho de parto, o que pode realmente levar horas para chegar em algum lugar. Eddie ainda não consegue desprender os olhos de mim e Danny, ele está preocupado com a filha no bloco cirúrgico e com o filho apático na sala de espera. Grace com seu radar sempre afiado para meus pensamentos, distrai o avô para me dar privacidade.
Acaricio o rosto de Danny, que parece ter sido feito sob medida para se acomodar entre meus dedos, sinto os fios curtos e macios de sua barba por fazer e olho em seus olhos, absurdamente azuis e ainda alheios.
— Meu Loirinho... me deixa ouvir sua voz? — Sussurro em seu ouvido.
Tenho que rastejar a ponta do nariz contra seu rosto para ele reagir, começar a levantar a cabeça sem soltar meu ombro, me olhar acanhado e tentar mover os lábios que travaram por duas vezes, na terceira ele suspirou e eu o ouvi.
— Toms River... é o nome da rua onde fica a pizzaria. A Toms River fica no Condado de Ocean... e sabe quantos metros fica acima do mar?
Nego com a cabeça, sinto alívio por ouvir sua voz e pânico por como ela sai soprada pra mim como se ele mesmo não quisesse poder ouvir suas palavras.
— Zero metros acima do mar, que por acaso... não fica longe. Eu fiquei tão bravo por você não estar no carro... bravo com meu pai e um pouco bravo com você... que não pensei nisso, a área é litorânea... e a tempestade deve ter feito o nível subir... o som... eu conseguia ouvir... tinha água dentro da pizzaria, e de repente eu sentia que tava dentro dele... de novo... sentia as ondas por todo lado... sentia meu corpo perdendo a força...
Esfrego os olhos entre meu polegar e o indicador, não preciso que ele saiba que estou chorando, que fico apavorado por ver seus olhos distantes de mim.
— Meu anjo. — Faço carinho em seu cabelo e abraço seu corpo com minha mão livre, sublinhando a pele do seu braço até que ele sinta meu calor. — Eu poderia te dizer “vamos pro deserto do Atacama agora mesmo”, porque lá não chove.
— Ter filhos que fazem anjos de neve na areia árida do deserto?
— Foi exatamente o que eu pensei. E eu iria mesmo. Até o inferno com você.
— Eu sei que iria. E ia ser o primeiro a passar pela porta, não ia?
— Sempre, Danny.
— Mas?
— Mas a gente não vai fugir.
— Não? Eu tava gostando da ideia de criar camelos.
— Eu tenho uma casa à beira-mar, Amor. E eu não vou perder você pra água. Vou te dizer como eu vejo as coisas. Não importa o quanto as ondas te puxem, eu vou te levar pra mim. Não importa o quanto pareça difícil respirar, eu te dou o meu oxigênio e eu não desisto. Não importa o quanto a água queira você, eu sempre vou querer mais. E não importa o tamanho do oceano, meu amor por você é imensuravelmente maior.
Seus olhos estão úmidos, mas a boca esboça um sorriso apaixonado.
— Você tá mesmo aqui, Steve? Ou é só uma miragem da minha mente doida?
— Eu tô aqui em Nova Jersey com você, Danno. E o doido é que eu gosto daqui.
E assim, Danny iluminou minha vida inteira com um sorriso breve e lindo.
— Nasceu! O pequeno Matthew Williams acabou de nascer e ele é perfeito e lindo! Ele e a Bridget estão seguros. Vão ficar bem! — Disse o homem desajeitado vestindo o traje cirúrgico azul, com alguns cachos fugindo da touca e chorando, potencialmente, mais que todos os bebês do prédio. Ele trocou passos confusos como se alguém tivesse invertido suas pernas do lugar original, veio até mim, me puxou pelo colarinho e me abraçou com força.
— Parabéns, Teddy! Parabéns! — Acabei chorando junto com ele.
Abracei Danny logo em seguida com alívio em nossos sorrisos largos, e vi Stella correr até Teddy e o abraçar. A felicidade que sentiam os uniu bem ali. Os outros Williams também trocaram abraços, e Matt Williams veio ao mundo espalhando como pétalas de flor jogadas ao ar; paz, equilíbrio e sorrisos.
...
Teddy não quis ir embora do hospital, e Stella fingiu estar de plantão, até deu um trato no meu ombro para reforçar o álibi, mas sem a história do copiloto dessa vez. Fomos pra casa dos Williams, a casa com mosaico de madeira na parede, portão de garagem, telhado seguro e chão seco. Eddie e Clara já haviam ido dormir quando coloquei as crianças na cama e fui até Danny, que já me esperava deitado e lindo na cama de uma Bridget grávida.
— Não vai ficar me olhando de longe, vai? Tô morrendo de frio...
Danny se encolhe abaixo das cobertas e me olha com certa expectativa.
— Quer mais um cobertor? Um agasalho? Que eu mexa no termostato?
— Eu quero você, seu bobo! — Ele vira o corpo na direção contrária, como se pudesse me convencer de que está chateado e não me olhando de soslaio.
Levanto a coberta e deixo meu corpo contornar o seu até ele suspirar.
— Eu te amo, Danny. — Beijo seu maxilar.
Ele percebe meu tom sóbrio, como um presságio se propagando no ar.
— Eu também te amo. — Ele ainda não se vira, acho que está com medo dos meus olhos. — Eu... não preciso nem te olhar pra saber que você ficou sério.
— Você conhece até o desenho das linhas nas minhas mãos, não é?
— Conheço seu corpo todo, Steve. Me diz que não tô perdendo você...
— Não vai se livrar de mim tão fácil assim. — Beijo abaixo da sua orelha.
— Eu não sei se quero... — Ele sorri e resgata algum tipo de lembrança.
— Sei que foram emoções demais para um só dia, mas tenho mais uma. E eu nunca vou desistir de você, de mim, muito menos da gente, meu Loirinho.
Danny suspira aliviado.
— Pode falar, eu aguento tudo se for do lado do meu Moreno.
Selo nossas bocas rapidamente, de olhos fechados, tomo fôlego.
— Hoje de manhã eu estava com a Clara na cozinha e ela recebeu uma ligação de um número estranho, ela disse que não foi a primeira vez. Atendi o celular no lugar dela, e ouvi um idioma que reconheci na hora, era castelhano.
Danny se senta, sei que as lembranças que perpassam sua cabeça são as piores, e me sento com as pernas em torno do seu corpo, o abraçando.
— Castelhano? Tipo... aquele castelhano da américa latina?
— Tipo castelhano da Colômbia. O número era de lá, eu rastreei.
— Falaram alguma coisa na ligação? — Ele me olha. — É claro que sim...
— Chamaram pelo nome do... — Não consigo dizer. Acaricio seus braços.
O bom de falar com alguém que te conhece tanto é que não preciso dizer.
— Do Matt? Era o que ia dizer, não era?
Seu rosto se contorce, querendo chorar. Mas ele prende, segura firme.
— O nome da mulher que o procurava é Talia Del Pilar.
— Acha que a história não acabou? Ele devia dinheiro pra mais alguém?
— Foi a primeira coisa que pensei. Então pedi pro Chin investigar.
— E você já sabe a resposta. Só está com medo da minha reação.
— Acho que se conheceram em uma das negociações em que o Matt se envolveu, mas eles não trabalhavam juntos, Danny. Estavam apaixonados.
Danny estreita os olhos. Pela primeira vez não sabia o que eu ia dizer.
— Meu irmão tinha... uma namorada? Por que eu nunca ouvi esse nome?
— Porque ela tem ficha. Não é exatamente a pessoa que você leva pra conhecer a família. Ela foi presa a um mês, foi quando conseguiu o contato da sua mãe.
— Eles estão em perigo?
Nego com a cabeça.
— Não. — Seguro suas mãos entre as minhas. — O Chin falou com ela, Amor. Ela não quer dinheiro, ela só queria contar quem era e contar ao Matt que ela teve uma filha... dele. — Seus olhos se apertam e as lágrimas vieram. — O nome dela é Lara. Cinco anos. Ele não sabia que ela estava grávida...
— O Matt tem uma filha? — Seu rosto é engolido pelas lágrimas. Ele arrasta os dedos trêmulos pelas bochechas, tentando varrer a água.  — Ela... está bem? Sem pai e com a mãe presa... Onde ela está agora, nesse momento, Steve?
— Ela está bem. Está com uma tia, e se sua família concordar, a Talia está disposta a assinar o que for preciso para que ela seja mandada pra cá.
— Por isso ela ligou... Eles vão concordar. Ela é uma Williams...
— O Chin disse que pode ajudar. Ele tem uns contatos que contribuíram muito na adoção da Sarah, e disse que com a Lara vai ser mais fácil porque seus pais são os responsáveis legais, uma vez que a mãe está sob regime fechado.
— Nossa... Depois de cinco anos! Lara... é um nome lindo, não é?
— É sim, meu amor. Me desculpa por te dar um motivo pra não dormir.
— Não... é estranho e vai ser difícil me acostumar, mas é incrível também!
— Eu sei... eu acho que não fazia ideia da falta que ele fazia até eu chegar aqui... Cada um de vocês deu um jeito de se culpar pessoalmente pelo que aconteceu com o Matt, e eu entendo isso, Amor. Eu entendo muito bem, você sabe. Mas a Lara aparecer hoje? Junto com o nascimento do Matthew? Isso é um sinal de que coisas boas nascem durante tempestades difíceis...
— Como as flores-de-Lotus do Echo Park? — Danny sorri. Sempre entende minhas mensagens deixadas no caminho. Sempre catando uma por uma.
— Exatamente como as flores-de-Lotus. Vocês já sofreram demais, já se questionaram demais, já se protegeram demais, talvez seja hora de achar paz.
— Eu acho que acabei de achar a minha. — Ele passa os dedos por minha barba e sela nossos lábios. — Nunca vou saber agradecer tudo o que você fez pela nossa família. Cuidou de todos eles... e eu te amo tanto por tudo isso!
— Nossa família. Eu adoro essas palavras juntas saindo da sua boca.
— Eu também adoro... Amor, você tem uma foto dela, não tem?
— Tenho, eu sabia que você ia pedir. — Retiro o celular do bolso.
Danny respira fundo e solta o ar pela boca. Eu beijo sua testa.
— Eu... tô pronto.
Lhe entrego meu celular, e ele recomeça a chorar outra vez, mas também há um sorriso. Ela tem traços latinos, mas os olhos, eles são muito familiares. Inconfundíveis. São os olhos do Matt. E Danny passa os dedos pela tela.
— Ela é linda...
— É sim, meu anjo.
Ficamos olhando aquela garotinha enquanto a noite caía. Depois nos deitamos abraçados e eu o beijava cada vez que uma lágrima caia. Passamos horas acordados, até ele se enrolar sobre meu peito e seus olhos pesarem. Só então eu permiti que os meus repetissem o ato. Ele sussurrou que me ama e eu respondi que o amava também, ciente de que real ou não, era um sonho bom.
...
Depois de contarmos a notícia para todos os Williams, recebemos uma ligação por chamada de vídeo de Stella, onde vimos o pequeno Matthew no colo da mãe. Bridget me pediu para ser o padrinho da criança e eu não consegui dizer apenas sim, sem fazer um discurso e chorar meia dúzia de vezes.
Com toda a família reunida na sala, Eddie pediu desculpas a Danny e o entregou um embrulho. Desconfiado, Danny abriu o pacote e encontrou a camisa que eu usei no Hilton durante o nosso primeiro beijo. Ele sorriu procurando pelos furos na costura, cheirou a camisa e a abraçou em seu colo.
— Me desculpa também, Comandante? — Ele pediu de pé em minha frente, enquanto meu queixo caia no chão com sua tamanha sinceridade. — Eu sempre soube que você amava meu filho, porque a Clara só falava disso desde que chegou da viagem. O Steve é um partidão, e está caidinho pelo Danny!
— Tudo bem, Senhor Williams. Eu entendo. É uma grama muito especial.
— Não, não entende tudo. Todos aqui sentimos muita falta do Matt. E era ele que ficava mais tempo em casa, era ele quem cortava a grama comigo, era ele quem me ajudava a consertar o carro quando aparecia qualquer problema. Eu sei que o Danny me diria pra jogar fora e comprar um novo, e as meninas não sabem diferenciar um carburador de uma máquina de shopp, então...
— Eu sei sim, pai! — Stella resmungou do outro lado da chamada de vídeo.
— Stella, não estraga o momento! Pshiu! — Pediu Bridget e Stella sorriu.
— O que eu quero dizer... Steve, e por favor me chame de Eddie, como o seu cachorro. — Ele sorri. — É que... você não é uma erva daninha. Não você. O Danny tem esse coração puro e ele nunca me deu trabalho, então eu também não pegava no pé dele. Quando ele se casou pela primeira vez, eu só apoiei. E... queria ter certeza dessa vez, assim como meu sogro fez comigo, de que você lutaria e ficaria por ele, mesmo quando as coisas ficassem difíceis, certeza de que o coração do meu filho não seria machucado.
— Pai... — Danny se emociona.
— Eu jamais faria isso... Eddie. — O nome sai engasgado ainda.
— Eu não acabei, garotos. Me deixem concluir. — Nós dois ficamos calados e assentimos pedindo desculpa pela interrupção. — Eu sei que você jamais faria isso, o que eu quero mesmo dizer é... seja muito bem-vindo à família, filho. Você é um verdadeiro Williams, você é parte dessa família agora e provou que merece o seu lugar. Você tem a minha benção para se casar com o meu filho.
— Obrigado, Eddie... — Me levanto num pulo e abraço meu sogro provavelmente da mesma forma que Teddy havia feito comigo. De forma urgente, com lágrimas pra todo lado e até o meu ombro doer. — Obrigado mesmo! Eu... costumava consertar carros com meu pai, sinto falta disso também... e seria ótimo se pudéssemos consertar juntos a minivan da Clara.
— Eu gosto disso, filho. Só tem um pormenor... — Ele diz e eu me afasto.
— Pai! — Danny chama sua atenção e todos o olhamos apreensivos.
— Eu quero levar meu filho até o altar e entregar a mão dele, pessoalmente pra você.
Todos sorriem aliviados.
— Ah, pai. Eu te amo.
— Te amo também, meu filho. E tenho muito orgulho de quem você é e de quem você trouxe para dentro de casa!
Danny se levanta, abraça o pai. Ambos emocionados, assim como eu.
Logo depois seus olhos acabam em mim, como sempre, apaixonados.
— Acho que você já pode beijar o noivo, meu amor.
— Eu te amo tanto, Daniel...
— Eu também, Steven!
Entrelaçamos nossos corpos, trocamos um olhar cúmplice e nos beijamos exatamente como num casamento, com pares de olhos emocionados sobre nós.
— A gente vai casar, meu Loirinho!
— E não vai ser no Atacama, meu Moreno.
— Nem nos fundos de um bar em Vegas! — Junto minhas mãos em suas costas e o levanto do chão, sua boca escorregando sobre a minha.
— Hey! O ombro! — Stella resmunga. — Vou ter que pôr uma tala!


***






mas o gosto da sua boca ...Where stories live. Discover now