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STEVE ESTAVA dirigindo o nosso carro.
O meu carro.
Porque o dele era um Silverado preto que eu não via há dias. E nem ele via o próprio carro, porque há três dias que Steve não ia até sua própria casa, há três dias que Steve tomava banho na minha ducha quente, há três dias que Steve tomava café da manhã comigo, deixava Charlie na escola e voltava com uma sacola de carboidrato ou qualquer bobagem que ele visse na rua e pensasse “O Danno vai adorar ver isso”, como um disco do Bon Jovi ou um minicamaro.
Exatamente por isso, há três dias que eu ignorava as chamadas de Lola e pensava seriamente no porquê eu havia dado o meu telefone pra minha enfermeira louca e lésbica, fundada na missão de que eu e meu parceiro deveríamos nos entregar a um louco amor e ser felizes para sempre.
Mas agora nada disso interessava, porque recebemos um chamado da sede. Precisamos de vocês. Foi o que Chin disse, eu pude ouvir no viva voz do celular de Steve — que estava deitado ao meu lado na cama — e com uma carinha indisposta de quem preferia ficar ali o dia inteiro, ele me pediu para ficar e descansar, mas com a carinha de quem não ia ceder, eu disse: nada disso.
E lá estávamos nós dois. E Steve dirigia meu carro.
Eu estava tão acostumado com aquela cena que não devia ser tão hipnotizante. Steve dirige o meu carro. É um fato, um sólido e simples fato. Ele dirige quando quer comer, quando quer beber, quando quer prender ou atirar em alguém. Ele apenas dirige, e eu fico do lado dele tentando segurar suas curtas rédeas.
Mas dessa vez era diferente, porque há três dias que Steve era meu e não do mundo, não das pessoas em perigo ou da… Catherine. Mas meu. E depois daquilo, era encantador ver ele dirigir meu carro, hipnotizante, eu olhava pra ele e ouvia “I wanna know what love is” dentro da minha cabeça. Hipnotizante.
Então ele estacionou porque havíamos, certamente, nos teleportado pra sede. E ai ele olhou pra mim e com a feição preocupada — que já fazia parte da mobília da minha vida — ele arrastou as costas da mão pelo meu rosto.
— Você tá bem?
— Tô…
E depois da minha péssima encenação, Steve descarrilhou em preocupações.
— Não devíamos estar aqui. Só tem três dias, Danny… isso é demais pra você! Eu devia ter vindo sozinho e… Danny? — Pulei pra fora do carro antes dele concluir. — Vai me deixar falando sozinho?
— Você fica mais bonito em silêncio.
Caminhei rápido até a sede, boquiaberto e desesperado, e ainda ciente de que atrás de mim, Steve portava um sorriso lindo de quem recebeu um elogio meu. Sei que nos últimos dias não foi o primeiro elogio meu que ele recebeu, na verdade, desde o nosso jantar que o clima mudou e tudo parece mais quente, mais intenso, como se fosse verão entre a gente. Mas as estações mudam dependendo de onde se está, então eu acabei de trazer o instigante verão para fora das quatro paredes da minha casa.
Entrei sozinho no elevador, e fingi indiferença quando Steve correu pra segurar a porta e se enfiar ao meu lado, mas de portas fechadas o pecado se instalava em cada pensamento meu. Havia uma predestinação palpável de que naquele cubículo de metal pesado, eu deveria correr minhas mãos pelo corpo dele.
Meus olhos rolavam como bolinhas de gude na direção dele, vi um sorriso distraído brotar e de repente eu precisava saber o motivo daquela feição.
— Terra chamando o SuperSeal!
— Ah! Oi Danny… eu tava pensando no Charlie…
— No Charlie?! — Questionei já sorrindo me lembrando dos dois juntos.
— Ele tava tão empolgado quando a gente treinou ontem, hoje tem uma corrida importante e… eu tava pensando se ele já está na pista.
Steve era definitivamente encantador e lidei com isso da única forma que sabia.
— É claro que você não é o melhor treinador, mas pra um substituto… até que se saiu muito bem…
— Substituto? E por acaso, Senhor Melhor Treinador, o Charlie adora as recompensas doces depois dos treinos.
O vão surgiu no meio da porta e ela se partiu em duas. Demos os primeiros passos para fora e já pude ver a equipe completa em torno da grande mesa, junto com uma mulher vestindo social que eu nunca havia visto na vida.
— Deu chocolate pro meu filho?
— São barras nutritivas. Repõe a energia dele.
— Por isso a lancheira dele tá voltando vazia?
— Parece que o treinador substituto chegou pra ficar. — Ele me deu uma piscadela desaforada.
— Steve! — Chamei, mas ele já estava apertando a mão da mulher desconhecida.
— Comandante Steve McGarrett. — Ele estendeu a mão para ela.
— Lorna Standall. Eles são perfeitos! — A tal Lorna se animou, olhando para nós dois como se fôssemos um par de sapatos numa vitrine.
— Nós avisamos. — Disse Jerry.
— Detetive Danny Williams. — Falei com meu melhor semblante desconfiado. — E… como é que é?!
— Desculpa! É que eu vim de longe e… é melhor a equipe de vocês explicar.
Como criança que entrega o boletim pros pais e se afasta, Lorna se esquivou.
— Então… — Iniciou Chin com um sorriso tímido no rosto.
— Então? — Incentivei.
— A Detetive Lorna veio de Nova York, seguindo um grupo de traficantes. — Disse Kono, também com uma feição pretensiosa.
— Eles operam de um modo “diferente”, e fica mais difícil rastrear. — Disse Junior.
— Na última vez, um deles cometeu um erro que rendeu uma testemunha. — Adam se juntou a explicação.
— Sarah Davis, dezesseis anos, overdose. — Disse a detetive Lorna com pesar.
— O melhor amigo dela viu quando Sarah se encontrou com o vendedor numa biblioteca local — Completou Adam. — pesquisando sobre Oahu.
— Sabemos quando e onde vão agir. — Disse Tani estralando os dedos.
— E por que estamos aqui botando o papo em dia, e não prendendo esses caras? — Questionei, e vi Steve me recriminar com a cabeça.
— Porque esses caras não usam máscara de esqui nem entram em becos escuros. Eles são uns malditos caras de pau que trabalham a luz do dia, e você esbarra com eles e até aperta as mãos deles em eventos. Sejam feriados nacionais, datas comemorativas ou um dia como hoje… — Respondeu Lou com um sorrisinho pretensioso no rosto.
— Mas não adianta autuar um ou dois, eu preciso de provas, preciso de um flagrante, preciso de um ponto final. E pra isso, preciso de agentes disfarçados. — Concluiu Lorna.
Steve me olhou outra vez como se eu fosse um filhote de poodle numa caixa.
— Lorna, eu sinto muito, mas o meu parceiro acabou de sofrer um trauma, ele não pode se infiltrar agora. — E lá vamos nós de novo! — É muito perigoso! — Explicou Steve.
— Hey, mãe! Eu estou bem aqui! — Retruquei.
— A sua mãe ia adorar uma operação com disfarces. — Ponderou Lou. Revirei os olhos porque ele tinha toda razão.
— Eu sou o chefe, não dê ouvidos a ele. Se precisa de dois de nós, tem várias opções aqui bem na sua frente, exceto o detetive Williams. — Concluiu Steve, o chefe.
— Na verdade, Comandante. O evento será num hotel, um hotel com um fim de semana completo para casais… olha, precisamos de um par de pessoas que convençam que são um casal! — Respondeu a Detetive Lorna.
— Kono e Adam são um casal. — Apontei ainda sem entender quase nada.
— Eu não posso me envolver com contrabando, nem mesmo vindo de outro estado. Ser um Noshimuri ainda tem seu preço.
— Tani e Junior são bem convincentes pra mim. — Meu instinto me fez insistir.
— Seria um prazer, mas… é melhor ouvir o que a detetive ia dizer. — Respondeu Junior, ganhando um olhar surpreso de Tani.
— Como eu ia dizendo é um evento num hotel com um fim de semana completo para casais homoafetivos, hoje é o dia mundial do orgulho LGBTQI+.
— Oh! — Disse Steve, engolindo a seco e me encarando no mesmo momento.
— Então… Kono e Tani? — Questionei vendo Steve ficar mais irritadinho com minhas muitas tentativas de não ser jogado aos tubarões ao lado dele.
— Por que não eu e o Adam? — Perguntou Jerry, como quem não quer absolutamente nada, fazendo a nossa mesa superprofissional de agentes bem treinados soltar risadinhas de ensino médio.
— Comandante McGarrett e Detetive Williams, como eu disse, vocês são perfeitos. — Lorna estava decidida.
— Nós?!! — Questionei com um sorrisinho descontrolado no rosto. Sorriso esse que engoli quando Steve franziu as sobrancelhas e se colocou na minha frente.
— Eu entendo seu ponto. Mas… eu já disse, não posso expor o Danny a esse tipo de risco agora.
Eu só conseguia pensar na primeira parte do que ele disse. Como assim ele entendia o ponto dela?! O que havia pra ser entendido nessa loucura?!!!
— Comandante. Na verdade, vamos cercar o perímetro. Não queremos vocês na ação, só precisamos de olhos e ouvidos do lado de dentro e vocês…
— O que tem a gente? Dá pra todo mundo parar com os sorrisos idiotas?! — Pedi.
— Essa quadrilha não trabalha com qualquer droga, são opioides sintéticos que por onde passam… é um efeito dominó de overdoses! Tem adolescentes morrendo… precisamos de um flagrante, precisamos ser rápidos. E caso a coisa fique feia, você não vai pra cima, você pede reforço. — Disse Lorna à Steve.
Eu sabia que Steve tinha topado aquilo no “efeito dominó de overdoses”, porque eu também tinha. Mas ainda assim, pensar nele pedindo ajuda era insanidade!
— Só um segundinho, minha querida. O Steve não ir pra cima? Pedir reforço? Você sabe quem é esse cara?!!
A detetive novaiorquina abaixou a cabeça quando viu a equipe se entreolhar. Sabiam que eu tinha razão e que a única coisa mais doida do que eu e Steve nos disfarçarmos como um casal, seria McGarrett pedir apoio sem fazer nada.
— Por você, Danny… eu peço reforço. — Respondeu Steve calando minha boca e fazendo os sorrisos idiotas se alastrarem outra vez.
De volta ao Camaro, agora com camisas ligadas a pequenos microfones e apetrechos secretos de vigilância móvel na mala, eu evitava o olhar de Steve. Ele estava surpreendentemente animado dentro daquele carro e a única música na minha cabeça agora era uma trilha de suspense, porque eu sabia que aquele fim de semana sádico do universo era a armadilha perfeita pra tudo dar errado.
Mas Lorna estava desesperada e eu conseguia entender. Pensar nas crianças que morriam, ou que perdiam os pais e a esperança por causa de um bando de pessoas que trocaram a justiça por facilidade, era algo que doía. E sentir aquilo era um sinal de respeito, mas ao mesmo tempo… dizer que eu e Steve convencíamos como um casal, me parecia desespero em excesso ou péssimas habilidades em observação, porque nós dois vivíamos a ponto de nos matar.
A batida dance da balada anos 80, o arco com balões que formavam um imenso arco-íris na entrada do hotel, as pessoas do mesmo sexo de mãos dadas. Eu estava pronto pra gesticular e reclamar e surtar, não nessa ordem mas tudo ao mesmo tempo, mas eu também sabia que pessoas inocentes iam morrer e toda a investigação de anos da detetive Standall ia escorrer pelo ralo.
Agarrei minha mala com a mão esquerda, bem ao lado de Steve, pra que ele não tivesse a estúpida ideia de me dar sua mão. Mas McGarrett é um cara difícil de dobrar. Ele tomou minha mala e carregou junto da sua, pouco antes de segurar minha mão com firmeza e ignorar meu rosto, me deixando louco na confusão de não saber se ele apenas estava investindo no disfarce ou em mim.
Steve tomava a frente o tempo todo, de um modo galante e irritante. Ele apertou a mão do recepcionista que disse “Senhores Steven e Daniel”, recebeu a chave do nosso quarto e só então eu pausei meu surto interno pra perceber que ele parecia tão empolgado que estava prestes a dar gorjeta pro cara que fica sentado apertando os botões do elevador desejando boa tarde!
Pulamos no décimo segundo andar, corri os olhos pelas portas e a única placa que não encontrei foi a do nosso quarto — 128. Mas certamente ela estava ali, entre o 126 e o 130, mas duas adolescentes cada uma com um maço de papéis nas mãos tapavam completamente a nossa visão da plaquinha.
— Boa tarde! Sejam muito bem-vindos ao dia mais colorido do Hawaii! Nós somos Alexa e Hanna, é um prazer! — Disse a garota mais baixa com cabelos chanel rosa claro como os dos desenhos que a Grace gostou um dia.
— Boa tarde garotas! — Mais uma vez Steve tomou a dianteira, colocou as malas no chão e soltou minha mão para apertar as mãos das duas meninas e eu, ainda perdido, fiquei só no aceno de cabeça. — Vocês são muito receptivas!
— Nós temos um roteiro de atividades, e seria legal se vocês aparecessem pro nosso encontro de casais. Quer dizer, vocês são casados, certo? — Questionou a morena com ¼ da cabeça raspada, que eu achava ser Hanna.
Neguei com a cabeça e sorri porque obviamente não tinha outra coisa que eu pudesse fazer, mas Steve havia dito “Sim” e eu tive que mudar bruscamente a direção do meu aceno de cabeça e tossir pra me recompor.
— São ou não são?! — Perguntou quem deveria ser Alexa.
— Namorados.
— Noivos.
Dissemos eu e Steve no mesmo momento.
— Noivos, Steve?! — Perguntei, sem saber se era eu ou meu personagem falando.
— Você sabe que só depende de você. — Ele respondeu num impulso.
— Uau… nossa, isso foi um pedido?! Cara, vocês são fofos!
— Demais! E aí? O nosso encontro de casais? — Perguntou a possível e indobrável Hanna de cabelos escuros e um pedaço da cabeça carequinha.
— A gente vai… tentar aparecer. — Respondi.
— É fim de semana! O que mais vocês têm pra fazer? — Perguntou Hanna num tom de brincadeira que não aliviou quase nada.
— Então… é que tem tempo que a gente não fica sozinhos… se é que me entendem. — Respondeu Steve e eu voltei a tossir com os olhos arregalados porque absolutamente ninguém havia me dito que se infiltrar naquele hotel incluía insinuações verbais de sexo entre mim e Steve para duas adolescentes!
— A gente entende sim…  — Disse Alexa, a mais compreensiva e doce.
— Então a gente se vê por ai. Ah, que tal um beijo pro nosso álbum?! — Hanna agarrou a câmera em seu pescoço, e voltou a nos deixar a beira de um AVC.
E aí eu olhei pro Steve e ele olhou pra mim. E num momento patético eu abri os meus braços moles como tentáculos e tentei deixar claro que “tudo bem Steve, você pode me beijar”, ao mesmo passo em que “se tocar em mim, vou te socar”.
Steve deu um passo impreciso na minha direção e quando vi a câmera ser posicionada, olhei no verde dos olhos dele e vi suas pupilas cheias, que foram abruptamente desprendidas de minha boca pelo toque do celular em seu bolso.
Ele era um Seal e o líder da Five-0, diga-se de passagem, o líder em missão com seu parceiro meio quebrado depois de ser envenenado há uma semana. E ele tinha por instinto e obrigação que checar aquele maldito telefone. Mas quando o brilho do celular alcançou minhas vistas e vi a foto da Catherine no centro da tela, minhas expectativas murcharam como um balão furado, e sem saber onde me esconder, só andei na direção da porta e a atravessei.
Pela velocidade em que ele passou pela porta sei que nem atendeu a ligação, mas isso não diminuía em mim a certeza de que eu era um imbecil monumental e de que até as samambaias do corredor estavam rindo da minha cara agora.
— Hey! Você tá bem?
— É, eu tô bem… bem concentrado no meu trabalho. Você sabe, zero distrações ou vida pessoal. Só… o personagem, né Steven!
— No seu trabalho? E que dia difícil pra você, eu suponho…
— Difícil? — O medo de que esse quarto de hotel fosse uma porta aberta para Steve conhecer meus sentimentos congelou meu corpo. — Qual… seu ponto?
— É tão difícil assim fingir que gosta de mim, Daniel?!
De todas as palavras possíveis, aquela frase era a combinação mais doida que eu poderia ouvir da boca de Steve, que não satisfeito, mantinha os braços cruzados na frente do corpo, um bico nos lábios e só faltou me botar de castigo. No meio dos xingamentos que voavam como caças na minha mente, havia uma nuvem de faíscas me dizendo que ele parecia triste comigo, com minha fuga abrupta daquele corredor, e eu pensava em dizer de uma vez que o amo.
Então seu telefone chamou pela segunda vez.
— Devia atender sua noiva de verdade.
A vida era ridiculamente filha da puta. Havíamos passado três curtos dias dormindo na mesma cama e vivendo como um casal apaixonado, mas agora que nossa vida profissional dependia dessa farsa, parecíamos atores medíocres gravando o novo filme natalino da Hallmark Channel.
Steve havia montado os computadores de última geração na escrivaninha no canto da porta, enquanto ignorava minha existência. Eu me espremia contra o vidro da janela e tentava me enfiar por inteiro no buraquinho do telescópio que, me permitia ver detalhes que meus olhos nem sonhavam alcançar.
Eu queria mesmo era um telescópio que me permitisse dissecar a mente dele. Enxergar o significado pra cada uma das suas atitudes insanas, entender qual o botão que transforma o SuperSeal num homem perfeito ou num ogro irritante. Queria conhecer a fórmula desse feitiço, saber porquê diabos depositar tantos pensamentos na mesma pessoa, e por que me apaixonar justo pelo McGarrett. O mesmo que me faz sentir como se eu valesse mais que os códigos secretos do governo, como se eu fosse mais atraente que qualquer novo modelo de armamento, mas que também resolveu se casar e não foi comigo.
— Adam está verificando a lista dos colaboradores do evento. Tani e Junior estão em contato com a gerência do hotel pra levantar os nomes de todos os hóspedes. O Eric tá tentando conseguir as imagens dos semáforos próximos da biblioteca de Nova York e o Jerry está aguardando um retrato falado do vendedor, que tá sendo feito agora.
— Uh.
— Não vai falar mais comigo?
— Uh… eu sei que não podemos bater de porta em porta sem chamar muita atenção. Então estou focando em como chegaram até aqui, por isso — me afastei do telescópio e apontei para ele — a garagem.
— Certo. — Steve fechou um dos olhos e grudou o outro na lente.
— Tá vendo a Van da Ice Valley? — Ele consentiu e eu continuei. — O único problema dela é que na época que abrimos o restaurante, eu conheci cada revendedor de gelo da cidade. E esse nome não estava no catálogo.
— Parece um caminho, mas… isso já faz mais que um ano, pode ser uma nova empresa.
— Ou os sacos de gelo estão cheios de coca. Só tem um jeito de saber.
A garagem estava abarrotada de carros, e apenas eu e Steve caminhávamos entre eles com passos calculados para não gerar uma onda de alarmes, assim como eu tinha que fazer com as palavras, com os olhares, com os toques. E eu confesso que segurar na mão dele e brincar de casinha desse jeito, fazia vários alarmes despertarem dentro de mim, e agora eu tinha que tomar ainda mais cuidado, eu não podia tocar novos alarmes ou ele acabaria ouvindo a sinfonia.
— Steven, vem! A van tá bem ali e se alguém pegar a gente aqui xeretando o que vamos dizer? Que esquecemos qual é o nosso carro?!
— Não, vamos dizer que estamos fazendo coisas de um casal apaixonado.
— Ou seja, coisas estúpidas.
— Daniel, se apaixonar não é apenas fazer coisas estúpidas! Se bem que… olha só com quem eu tô falando!
— Hey! O que quis dizer com isso?! — Parei na frente dele, impedindo-o de alcançar o carro.
— Ah não… — Ele bufou. — Quer saber? Quero dizer que… qual a última vez que você se apaixonou? Rachel? Amber? Porque pra você parece que se apaixonar realmente é fazer algo muito estúpido.
— Rachel eu até entendo, mas Melissa?!
— Nada Danny, que mal tem em esconder a própria identidade e casualmente você acabar sendo esfaqueado?!
— Wow! — Me virei de costas tentando digerir as palavras de Steve e o tom de voz que ele nunca tinha usado comigo. De repente, parece que ele me odiava e principalmente estava desapontado com meus envolvimentos pessoais. No meio do chute no estômago de suas palavras, vi a Van. — Duas coisas! Primeiro, nossa pista já era porque a Van não é local, então a empresa pode ser real. E segundo, pra sua informação e não que seja da sua conta, mas eu terminei com a Melissa… e você? Gostou de ser capturado por terroristas no Afeganistão?!
Xeque mate.

Depois de destampar aquela granada, fugi dali — e eu estava ficando realmente bom nisso, enquanto Steve estava se tornando PHD em me seguir. Ele não tinha coragem de abrir a boca pra fazer as perguntas escancaradas em seus olhos, e eu tinha certeza que era muito melhor viver assim.
Saindo da garagem, Steve se jogou na primeira cadeira vazia que encontrou no bar ao lado do átrio. Ele já estava fazendo um sinal em V para o garçom quando parei na frente dele com as mãos irritadas apertando minha própria cintura.
— O que significa isso?!
— É fim de semana… mesa de bar, cerveja! — Ele assentiu para o homem de avental que se aproximou já servindo duas taças de cerveja e me encarando com um olhar curioso que me convenceu a sentar logo de uma vez.
Aguardei o garçom se distanciar e voltei a falar.
— Esse é o protocolo pra quando nossos casos naufragam? Porque nós mal temos provas circunstanciais, não podemos fazer alarde com o retrato falado, resumindo, não temos caso. E a detetive Lorna, tá claro que ela está nos escondendo alguma coisa e se você estivesse focado, saberia o que é.
— Danny, escuta. Eu entendo o que você tá falando, tanto que pedi o Jerry pra checar a história dela e… olha só, é ele! Aqui diz que… você tem razão.
— Precisa mesmo do Jerry pra saber que eu tenho razão?!
— Calado, Danny. Advinha só quem deveria estar de férias e nem mesmo é da narcóticos?
— Lorna Standall. Mas… se ela não foi enviada até aqui, por que está aqui?!
— Ah! Eu acho que a resposta tá bem na nossa cara. Olha só o nome dela.
Steve inclinou o celular para mim, onde a ficha dizia:
— Lorna Standall Davis. Por que esse nome é tão familiar?
— Porque o nome da vítima de Nova York é Sarah Davis.
— Mataram alguém próximo, um familiar. Se tornou pessoal pra ela.
— A narcóticos não tinha o suficiente pra seguir pro Hawaii, mas Lorna precisava dar um ponto final. Então ela compra uma passagem e é aí que entramos na história.
— Então não sabemos se estamos atrás de uma gangue ou de um garotinho entediado. Não sabemos se ele está aqui ou quem sabe na Arábia saudita.
Como sinal de meu desânimo, cruzei os braços e vi a expressão irritada de Steve se transformar naquela típica cara de “ninguém me engana”, sempre que ele fazia aquilo de cerrar a boca me lembrava cowboys no deserto, com esporas nos sapatos pontudos e chapéu na cabeça contando até três e apontando suas pistolas enferrujadas. De um lado McGarrett e do outro Lorna Standall.
— Me desculpa… eu sei que isso foi totalmente sem ética, e…  idiota. — Ela dizia dentro da tela do celular dele, era uma chamada de vídeo diretamente pra grande mesa da sede.
— Ética?! Isso está exatamente no meio entre desrespeito e crime. Nós somos profissionais e temos casos de verdade para lidar. Se queria a nossa ajuda, começou muito errado.
— Tem razão. Mas… você pode me denunciar pro meu superior, posso perder meu distintivo e até ir pra cadeira, só por favor… faça isso depois que tudo acabar?
— Defina tudo. — Me intrometi na conversa.
— Eu errei, superestimei informações, mas não inventei elas. Existe um traficante com drogas pesadas que matam adolescentes de dezessete anos. E eu sei que parece pequeno falando assim, mas eu duvido muito. Sinto que tem algo grande por trás disso.
— E por que exatamente devemos confiar em você?
— Não em mim… mas olha só esse mapa. — Vimos Lorna inclinar a câmera para a grande tela plana e nela continha um mapa.
— Eu mesmo tracei o mapa. É o caminho da droga. — Comentou Chin.
— E por que diabos um traficante pequeno viajaria tanto entre uma venda e outra? — Completou Kono.
— Talvez ele viaje junto com alguma excursão ou cruzeiro? — Sugeriu Tani.
— Ou o maldito gosta muito de dirigir por aí. — Acrescentou Lou.
— A questão é que ele esteve sempre um passo a frente. Até agora. Essa noite sabemos onde ele estará e esse pode ser o último rastro dele.
A agente Standall jogou novamente com o coração de Steve, e ele era uma manteiga derretida, que só assentiu antes de desligar o telefone.
— Steve? Não quero ser o cara que diz “não temos um caso”, mas nós…
— Não temos um caso. — Ele completou.
— Obrigado por dizer. Vamos arrumar as malas?
— Ou… — Steve pendeu a cabeça para o lado, como cachorro fazendo por onde merecer uns biscoitinhos de carne processada.
— Ou?
— Ou podemos tirar uma folga. Aproveitar que já estamos aqui e ficar.
— Ficar…?
— Como eu disse é fim de semana! O quarto é incrível, a cerveja tá gelada e olha só essa paisagem! Fora que Lorna Standall pode ter razão.
— Okay, deixando a chantagem emocional de lado por um segundo, você tá falando como um turista agora, mas eu vou falar como um detetive. Por que não quer voltar pra sua casa, Steve? Tá fugindo do quê?
É difícil ser detetive há tanto tempo e ignorar coisas bobas como saber que Steve não aparece em sua própria casa há dias. No começo achei que fosse apenas solidão, afinal ele invadiu minha casa logo depois da Catherine sair em missão. Mas agora ela havia voltado e ele não.
Vi tantos suspeitos engolindo a seco que eu sabia o que significava, eu havia tocado em alguma ferida e quando ele manteve o contato visual por tempo demais, eu sabia que ele estava me escondendo alguma coisa.
— Não acredito! Vocês dois por aqui?! Uau! Já estão assim? E por que diabos você não atende os meus telefonemas hein, Danny?!!
A eletricidade entre nós foi cortada por uma voz familiar, mas precisei olhar por cima do ombro pra ver Lola em um visual praiano, de mãos dadas com outra mulher que com certeza era a tão falada Linda.
— Lola! Tudo bom? — Steve sorriu tanto ao vê-la que quase se ajoelhou pra agradecer por ela ter salvo ele das minhas perguntas.
— Não acredito! Steve e Danny? Agora entendi porque não usa mais o celular!
— Olá… é bom ver vocês! Aposto que você é a Linda! Lola só fala de você!
— Sou eu mesma! Não acredito que agora tenho rostos pros nomes que a Lola mais fala em casa nos últimos dias. Danny, o cara envenenado e Steve, aquele que socou os seguranças pra não sair do lado do parceiro! E amor, vejo que você tinha razão!
— Razão sobre o que? — Perguntou Steve. — Posso saber?
— Sobre você beber demais! Vai buscar outra cerveja pra gente comemorar!
— Esse é o protocolo agora, Daniel?
— Anda, Steven!
— Eu vou com você! Assim eles podem botar o papo em dia! — Disse Linda acompanhando Steve até o balcão. Eu estava muito ferrado agora!
E se Linda soltasse algo como “que bom que vocês estão juntos, Lola me disse que seu amigo e padrinho queria roubar você da sua noiva!”?
— Danny! Abre logo o bico! Tá rolando então?
— Não tem nada rolando e pelo amor de Deus fala baixo! Viemos aqui a trabalho!
Lola encarou a mesa com as taças de cerveja.
— O trabalho de vocês parece divertido!
— É uma longa história! E você falou algo do que eu disse pra Linda? É claro que falou. Olha só pra eles dois, estão se entendendo! Ai meu Deus, Lola!
— Danny, não acredito que você ainda não se declarou, e não acredito que vocês estão sozinhos num hotel no dia do orgulho e você nem tirou uma casquinha? O que tem de errado com você?!!!
— Eu não posso fazer isso, Lola. Isso tá sendo uma tortura. Enfiaram a gente nesse lugar, e ele consegue, ele segura minha mão e fala pras pessoas que estamos fazendo coisas de casal e que somos noivos apaixonados. Mas ele pode fazer essas coisas porquê… pra ele é só trabalho, é só um jogo. Mas e pra mim? Não posso brincar com isso e ficar lembrando o tempo todo que não é real…
Meus olhos estavam perdidos nas costas de Steve, parado junto ao balcão. Eu não conseguia ver o rosto dele pra avaliar suas expressões, mas sabia que a minha era triste, devia estar estampado na minha cara como eu era um fracassado e eu quis abraçar Lola bem ali, enquanto tinha dó de mim mesmo.
— Já acabou a choradeira?!
— O quê?!
— Olha só pra aquele homem, Danny. Ele vai se casar, garoto! E depois disso você vai ter o resto da vida pra chorar por ter sido um covarde chorão e não ter tomado nenhuma atitude.
— Ai Lola! Pegou pesado…
— Mas agora? Se recompõe e faz alguma coisa. Não tá na hora de chorar ainda. Você precisa olhar pra essa situação de trás pra frente, vira tudo do avesso. Para de desistir dele porque você acha que ele ama a noiva, pensa no que tá ao seu alcance. Dê a opção e deixe que ele tome a decisão.
— Obrigado pela ajuda, Linda! — Dizia Steve voltando ao nosso encontro.
— Não se preocupa, eu já passei por isso também. — Ela respondeu.
— Posso saber do que estão falando? — Questionei, aterrorizado.
— Querida, ele é ciumento como você. — Disse Lola para sua esposa.
— O Steve foi atender o telefone e acidentalmente derrubou uma pilha de cardápios do balcão.
Ele sorriu para Linda e eu não tinha certeza se aquela era toda a história.
— E… quem era no telefone? A Catherine outra vez? — Eu só pretendia testar o tempo de resposta dele, saber se estavam mentindo. Se Linda havia conversado com Steve, um papo direto de alguém que se casou errado para alguém prestes a se casar também.
— Você não vai acreditar em quem era…

De volta ao quarto 128, me joguei sentado na cama tentando assimilar o que Steve me dizia com tanta urgência.
— Você tá dizendo que Gerard te ligou? Gerard Hirsh?!
— Sim, Danny.  — Respondia Steve de pé na minha frente.
— O mesmo que era facilitador de vendas ilegais de obras de arte e agora limpa cenas de crime?!
— Ele sabe que se tornou uma espécie de contribuinte. E ligou pra dizer que um verdadeiro Vermeer vai ser vendido essa noite em Oahu.
— Então agora temos um caso?!
— Você venceu. Vamos pra sede. — Disse Steve cabisbaixo.
— Pera, Steve. O que mais ele disse?
— Ele não sabe quem ou onde. Apenas que a obra saiu de Nova York e será repassada hoje em… Você não acha que estão interligados, acha?
— Você não queria brincar de casinha mais um pouco? Liga pro Chin.

— Vocês tinham razão. — Dizia Chin no viva voz. — Emparelhei a rota das overdoses com os registros de movimentações de obras de arte roubadas. Temos até agora, três combinações. Não pode ser coincidência.
— É isso! As drogas são apenas um robe, o grande show é o Vermeer.
— Primo, vocês precisam ouvir o que o Gerard tem a dizer.
— Boa tarde, rapazes! Ouvi dizer que vocês estão aproveitando o feriado…
— Qual o ponto, Hirsh?! — O apressei, eu não precisava de mais um curioso dando palpite no meu feriado gay com Steve.
— Okay, ele parece nervoso! Tudo o que vocês precisam saber sobre essa genialidade é que ela é um retângulo perfeito de 44 cm x 39 cm e pra levar essa beleza pra casa, o comprador precisa ter muitos dígitos no bolso.
— Chin, já temos a lista dos hóspedes e colaboradores do evento? — Questionou Steve com uma expressão pensativa que eu adorava no rosto dele.
— Temos dos hóspedes e a de colaboradores vamos conseguir em breve.
— Ótimo! Filtra as listas no banco de dados e vê se o Gerard reconhece alguém. Peça pro Jerry cruzar os dados com os rostos das câmeras de segurança do hotel e ver se conseguimos uma combinação.
— Steve, temos poucas pessoas com ficha e não tem nada além de agressão ou estelionato.
— Certo, temos um quadro de 40 cm, que cabe em qualquer mala de viagem, num hotel com doze andares lotados de pessoas enchendo a cara. Como vamos localizar os contrabandistas?
A pergunta de Kono deu origem a uma onda silenciosa que nos alcançou por completo. A verdade era que não tínhamos resposta, e todas as nossas ideias envolviam tempo, um tempo que nós não tínhamos mais, já que passava das dezoito horas. E no meio da tormenta, as palavras de Lola vieram pra mim.
“Você precisa olhar essa situação de trás para frente, virar do avesso.”
— Steve… não temos o suficiente pra encontrar o vendedor, já tentamos pelo transporte e não deu em nada, o local da venda também pode ser qualquer quarto, mas… podemos olhar a situação às avessas e procurar pelos possíveis compradores.
— É isso, o Gerard disse que a obra é extremamente cara, reduzam a lista de hóspedes e colaboradores para quem teria condições de arcar com uma compra desse porte. Desde empresários milionários a qualquer beneficiário de herança.
— Ligo em cinco minutos. — Ouvimos a voz de Kono responder antes do bip final.
E agora o silêncio que se formava era entre nós dois. Mas Steve se sentou ao meu lado na cama e eu pude sentir que ele estava pronto para abrir a boca.
— Pra quem estava odiando brincar de casinha comigo, parece até que você tá gostando de fazer hora extra por aqui…
— Você tá… ficando louco sabia?! Devia voltar pra terapia logo, antes que precise pagar terapia de casal!
— Terapia de casal? Quer voltar pra terapia de casais comigo? — O sorriso esperançoso que Steve me deu, me causou uns segundos de atraso.
— Muito engraçado, mas é claro que eu tô falando do seu… casamento…
— E você só fala disso, percebeu? Por que não abre logo o jogo e diz que você não quer que eu me case?
— O quê? Eu não tô nem aí pra essa droga de casamento… por mim você pode até fazer um bolo em formato de uma AK47!
— Droga de casamento?
— Ah qual é, Steve?! Sabe minha opinião sobre casamentos desde que… desde que você me conheceu. Não acha que vou passar a amar a ideia agora só porque você quer se casar…
— Não é pra amar a ideia, era pra você… amar a mim.
E de novo aquela sinceridade assustadora nos olhos de McGarrett reviraram meu estômago, como os dedos dele ao volante gostavam de fazer.
— O quê… quis dizer com isso?
— Que era pra você me amar, Danny! Ficar do meu lado, ser sincero, acha que não sei que você tá me escondendo alguma coisa? O que passa por essa sua cabeça dura é importante pra mim… — Ele tocou minha testa duas vezes com o indicador, como se fosse um botão de interfone.
— Okay, Steve. Você venceu…
— Simples assim?
— Simples assim. Vou te falar tudo o que quiser saber, depois que você me contar porque tá fugindo da sua noiva? Não atendeu o telefone hoje e não vai em casa há dias…. E sinceramente, não acho que esteja com pressa de voltar.
— Você é paranoico.
— E você tá mudando de assunto.
— Eu… aprendi com você. — Ele deu de ombros, me deixando possesso.
— Comigo?! Eu tenho palavra, okay? Disse que viria pra esse teatro com você e aqui estou. Mas e você? Como pode me chamar pra ser padrinho de um casamento que as vezes eu nem sei se vai acontecer?
— Vai mesmo se fazer de vítima agora?!
— Não grita comigo, Steve!
— Lembra o que aconteceu da última vez que colocou o dedo na minha cara?!
— Eu te dei um soco. Quer repetir a dose?!
E feito dois galos-de-briga idiotas, nossos rostos estavam próximos de modo que eu podia sentir o hálito de cerveja saindo da sua boca, e em segundos meu corpo se arrepiou, a ventania percorreu meu estômago e eu só conseguia pensar em ensinar a ele uma lição, começando por sua boca.
E o telefone de Steve resolveu tocar outra vez.
— Uh… M—McGarrett.
Meu sorriso vazou quando vi Steve esquecer o próprio nome.
— Chefe. Nossa lista agora só tem três nomes.
— Liga da justiça, eu já estou dando streaming nas câmeras de segurança do hotel, e achei o primeiro da lista, Johnatan Cosco que está no… átrio principal!
A voz de Jerry foi a última voz que ouvimos.
Ao sairmos do elevador, encontramos o átrio fervendo. Havia pessoas demais, mas após alguns esbarrões encontramos uma fila e bem no meio dela estava Johnatan Cosco.
— Ali, Danny. É ele. — Steve reconheceu o sujeito e apressou o passo.
— Espera, Steve. Não pode dizer “oi tudo bom? Pretende comprar obras roubadas hoje?”
— Vamos improvisar.
— A última vez que você sorriu assim a gente pulou de paraquedas. Eu ainda tenho pesadelos sobre isso, sabia?
Ele já estava enfiado na fila. Na mesma fila em que o tal Johnatan.
— Tenho certeza que você tem sonhos bons comigo.
Havia todo um equilíbrio no modo McGarrett de me irritar. Ele dizia algo embaraçoso e torcia o nariz pro outro lado com uma expressão serena de quem não
disse nada.
— É claro. Bons como sonhar com o Freddie Cruger te dilacerando de noite.
Ele sorriu meio de lado, com aquela expressão de quem não acreditava em uma palavra sequer do que eu dizia. E eu procurei os buracos no meu jeans para esconder as mãos. Era um jogo tão calculado como xadrez, esperar o tempo certo para checar a expressão no rosto dele, e eu senti as ondas de calor passarem por mim como se um secador gigantesco estivesse bem na minha cara.
— Vocês vieram!!! — Disse uma voz que parecia vir do além. Mas na verdade, era da moça de cabelo tingido de cor-de-rosa claro. Ela estava sentada atrás da mesa com papéis, e não havia absolutamente ninguém entre eu, meu parceiro, e a mesa de inscrições.
Como tantos casais foram até a mesa, fazendo a fila andar e nós não percebemos mesmo sendo treinados para isso? Tem perguntas que tento ignorar. Mas eu já não podia ignorar Steve pronto para ser inconveniente de novo com Hannah e Alexa.
— Uh… — Ele limpou a garganta. — Agradeça a ele, eu queria ficar no quarto. Não é, amor?
Muita informação para apenas um Danny. O rosto daquelas garotas me fizeram entender que estávamos prestes a entrar num encontro de casais e Steve me chamava de amor com o tom mais casual possível.
— É, meu amor. Ainda bem que sou… persuasivo.
— Bastante… persuasivo. — Disse Steve passando a mão lenta nas minhas costas.
Aquele seria um longo encontro de casais!

O detetive Williams dentro de mim, berrava. Por que diabos estamos perdendo tempo com dinâmicas ao invés de colocar Johnatan Cosco logo contra o concreto da parede? Entretanto o Daniel estava adorando todas aquelas desculpas para ficar há poucos centímetros do seu parceiro.
— Bom, nós sabemos que vocês vieram pelos shows de logo mais, então não vamos tomar mais o tempo de vocês. — Disse Alexa, abrindo espaço para que uma pessoa de cada casal aproveitasse o fechamento do encontro, para confessar um segredo ou dizer algo importante para seu parceiro.
— Eu… não sei se esse é o melhor momento, mas parece uma oportunidade… — Dizia Johnatan a seu parceiro. — Eu não sabia como contar isso, mas você precisa saber… aquele último investimento que fiz… você tinha razão, não tinha valor e agora estou à beira da falência e cheio de dívidas.
Ok. Não era exatamente o tipo de segredo que eu esperava ouvir num encontro de casais, mas foi fundamental para nossa investigação. Tão fundamental que me levantei pensando em ir atrás dos próximos dois nomes em nossa lista.
Mas Steve tinha outros planos.
— Eu tenho algo a dizer…  — Ele disse com o corpo paralisado, enquanto me segurava pelo braço. Ao perceber todos os olhos em nós dois, me sentei pronto para ter uma parada cardíaca. — Eu quero contar pra todos vocês que… há alguns anos eu perdi um amigo, e dias depois perdi o meu pai… eu também achava ter perdido a minha mãe. A verdade é que eu estava sozinho, completamente sozinho e… o mais importante, eu havia me perdido. Eu não tinha planos, casa, porque não tinha expectativa de vida de qualquer forma. Porque eu me entreguei para um… plano de vingança… um plano louco e… que tinha passagem só de ida. — Meu coração acelerou e senti uma tristeza profunda me tomar. Mas ele ainda mantinha o rosto virado para a roda de casais, me evitando a todo custo, evitando ver meu rosto assustado. — Mas… ai alguma coisa aconteceu, eu conheci aquele cara. — Ele se virou de súbito e apontou o indicador para mim, com as sobrancelhas curvadas pro centro do rosto, como quem continha lágrimas que faziam seus olhos brilharem. E eles ficavam lindos quando transpareciam sua alma, tão lindos que me fazia sentir vontade de sequestrá-lo, tapar sua boca com fita e o levar apenas para mim. — Você foi meu bilhete de volta, Danny.
Steve me abraçou e um monte de par de olhos nos encaravam esperando algo mais. Eu estava emocionado também, e me arrisquei a deixar um beijo no rosto dele.

Tínhamos dois nomes e apenas um hotel. Steve não queria que nos dividíssemos, mas nós sabíamos que faltava minutos para a grande atração da noite começar, todos estariam distraídos se divertindo e seria o momento perfeito para que a obra roubada caísse nas mãos do comprador. Como McGarrett estava certo em apostar que a troca seria feita no lugar mais remoto durante aquela noite, dentro de algum quarto do hotel, ele ficou responsável pelo lado interno, enquanto eu me envolvia na aglomeração de pessoas do lado de fora.
Meus dedos correram pra arma na minha cintura com os dois estalos que invadiram meus ouvidos, mas era apenas os primeiros toques da baterista que começava a passar o som. Logo ouvimos outros instrumentos soarem, e a quantidade de pessoas ao redor do palco aumentava rápido demais.
Ouvi a voz de Jerry no ponto em meu ouvido, ele e Eric estavam na sede de olho nas câmeras de segurança do hotel em tempo real. Tenho quase certeza que Jerry confirmava para Steve que um dos nossos possíveis compradores havia acabado de entrar no quarto em que estava hospedado. Não consegui ouvir até o final, porque o mediador do evento subiu ao palco e começou com aquela ladainha de dar boa noite umas vinte e cinco vezes seguidas até que todos gritassem como se quisessem rasgar as cordas vocais.
A cada passo que eu dava era um pedido de desculpa e outro de licença. Foi quando vi um rosto estranhamente familiar, eu não conhecia o cara, mas já havia visto seus traços antes. Há quatro metros de mim o flagrante, vi quando ele apertou a mão de um adolescente, que recebeu uma embalagem do tamanho duma lâmina de barbear, já o outro cara voltou com um rolinho de papel pro bolso do jeans. E então eles se distanciaram, ambos cabisbaixos dispostos a fingir que aquilo jamais aconteceu.
Corri até o garoto e tomei a droga de sua mão sem me preocupar com sua reação. Assustado e já um pouco nervoso ele me encarou, mas antes dele começar a gritar, apontei para minha cintura e descobri o distintivo. Vi suas mãos trêmulas sendo apontadas pra cima, eu não queria chamar atenção naquele momento nem tinha tempo para mandar ele prezar por sua vida. Abaixei seus braços eu mesmo e apontei com a cabeça para que ele desaparecesse, enquanto segui o outro cara, aquele que eu conhecia através do retrato falado que o amigo de Sarah Davis nos proporcionou.
Ele era amador e descuidado, me levou direto pro seu esconderijo, logo abaixo do palco, entre as estruturas de metal que tilintavam com o bumbo da bateria. Me escondi atrás de uma case da largura de um sofá pra dois.
— Onde você foi?! Tá quase na hora! — Disse um outro rapaz. Esse eu nunca havia visto na vida, ele usava camisa de linho preto e se camuflaria fácil no meio das pessoas, era propositalmente discreto e com certeza um líder.
— Eu… só fui fumar um cigarro.
— Você e seus vícios. Se não tivesse voltado a tempo, sabe que ficaria pra trás, não sabe?
— Não seria a primeira vez. Mamãe e papai te ensinaram bem! — Disse o traficante, cuspindo veneno e raiva.
— Doug, irmãozinho, não é que eu não me importe com laços familiares. Mas o trabalho me obriga a ter, você sabe… prioridades. Se eu fosse você parava com essas voltinhas suspeitas. Não vou te deixar estragar o legado da família.
Quanta honra e lealdade profissional, pensei. Quase me fez esquecer que ele estava falando muito provavelmente de algo criminoso e sujo. Mas eu me lembrei a tempo, quando vi aquele homem de andar impaciente caminhar até os dois irmãos. Retirei o celular do bolso e tive a confirmação que precisava, aquele sujeito apressado era Todd Smith, dono de uma lista de concessionárias e ainda o terceiro nome na nossa lista de compradores em potencial. Bingo!
Além das novidades, encontrei uma mensagem efusiva de Steve. Em letras garrafais ele perguntava onde diabos eu havia me metido. Com certeza a batida que ele fez não deu em nada, porque eu podia ver o irmão mais velho sinalizar pra um de seus capangas trazer a case de fivelas douradas. Todd até inclinou a coluna pra apreciar quando o irmão mais jovem, recentemente descoberto como Doug, se abaixou e desabotoou a case que surpreendentemente não comportava nenhum instrumento musical, mas sim uma pintura. O verdadeiro Vermeer era tão valioso que sua exposição dispersava qualquer som e movimento, tudo parecia congelado em torno dele. O irmão mais velho tocou o ombro de Doug, que entendeu o recado e fechou a case bem na cara do empresário Smith/comprador do verdadeiro Vermeer. Claramente era uma preliminar, deixou ele sentir o gostinho e ponto.
É claro que naquela altura eu já havia discado pra Steve, mas sem sucesso porque a ligação nem sonhava em completar, já que abaixo do palco eu não tinha sinal algum. Então a solução foi me arrastar suplicando por uma barrinha retangular vertical no telefone. A notícia boa foi que eu consegui duas delas e a má é que na minha onda de azar — coisa que eu definitivamente tenho — meu celular chamou antes que eu conseguisse discar e no mesmo maldito momento a banda no palco resolveu que aquele era um bom intervalo prolongado entre uma música e outra. Com pesar recusei a chamada de Steve, mas sabe como é, já era tarde demais. Os tubarões sentiram o cheiro do sangue na água. Fui descoberto.
Contei quatro armas ligeiramente apontadas para meus órgãos vitais.
— Opa! Eu bebi demais, acho que… errei o caminho pro banheiro.
É claro que eles não caíram naquela. Mas eu caí no chão e tudo ficou escuro.
Acordei talvez alguns minutos depois, o comprador já tinha a case em mãos, então com certeza o dinheiro fora entregue. Minha cabeça doía e os irmãos se entreolhavam, provavelmente elaborando um bom lugar para desovarem meu corpo.
— Agora vamos cuidar do segundo pacote. — Disse o irmão assustador, olhando para mim. Realmente eles estavam pensando em um bom lugar para minha desova.
Foi quando ouvi mais um infeliz errar o caminho para o banheiro.
— Meu amor, finalmente te encontrei. Você bebeu demais, sabia que ia acabar se machucando.
Às vezes eu ficava incrivelmente feliz em ver Steve, mas não sei até que ponto essa era uma dessas vezes. Ele não trouxe reforço, não sacou arma, nem mostrou o distintivo. Ele apenas… se entregou para ser outro refém e sermos desovados romanticamente na mesma vala imunda e dolorosamente funda.
Um dos capangas o trouxe para perto de mim, lógico que depois de deixá-lo com um olho roxo e um corte no lábio. Foram mais cruéis com Steve, acho que o tamanho dele influenciou na dosagem da punição. Vi nos olhos de Steve que ele não pretendia ficar até a festa acabar. A nossa deixa foi Todd Smith que após agarrar a case de fivela dourada, não tinha mais motivos para ficar.
— Foi bom fazer negócios com você. — Disse Smith ao irmão mais velho de Doug.
Antes que o vendedor pudesse responder, percebi a contagem regressiva que Steve fazia com a cabeça e soube a hora exata de jogar meu corpo contra o do capanga da direita e fazê-lo tropeçar até seu indicador se perder do gatilho. E mesmo McGarrett que adorava ser o Indiana Jones sabia que não havia tempo para grand finalle. Até tomarmos as armas dos capangas, os irmãos já teriam sujado suas mãos com o nosso sangue, então junto de Todd Smith, fugimos apressados para dentro da multidão. O que não era uma grande ideia, já que não queríamos pânico e chacina.
Steve puxou meu braço, me jogando em sua frente enquanto corríamos para o público. No meio de tantas pessoas, correr era bobagem, chamaria mais atenção que ficar quieto. Então diminuímos o passo, porém continuamos nos afastando.
— VOCÊ FICOU MALUCO DE SE ENTREGAR DAQUELE JEITO?!
— DE NADA POR TER SALVO SUA VIDA!
— VOCÊ PODIA TER MORRIDO, SEU ANIMAL LOUCO INCONSEQUENTE!
— Da próxima te deixo lá. — Ele sibilou.
No meio da minha crise, a vocalista da banda teve uma ideia realmente brilhante. Era um daqueles momentos em que a luz fica baixa, e os refletores tocam a plateia. Ótimo! Mais um sinal claro de meu sólido azar. No microfone ela desejou felicidade aos casais e disse que já podiam se beijar. Hitler gostaria de ter tido soldados tão obedientes assim. Dezenas de casais homoafetivos começaram a se beijar ao nosso redor e nosso disfarce se tornava cada segundo mais frágil. Vi a careca de um dos capangas se aproximar e puxei Steve pelo braço, ainda resmungando com ele.
Steve retomou a dianteira, me guiou para a maior aglomeração de pessoas que conseguiu e segurou meu corpo para que eu ficasse parado. De costas eu não podia ver se tínhamos visibilidade dos capangas ou eles de nós dois. Só me restava reclamar.
— QUAL O PLANO AGORA? TEM BOMBA DE FUMAÇA NESSA SUA CALÇA CARGO? STEVE? O PLANO?!
Paramos de correr. De novo. Steve deu dois passos pra longe de mim, e então dois passos pra perto de mim. Seus punhos estavam cerrados a ponto de suas unhas perfurarem as palmas das mãos. Por um segundo, achei que ele fosse me socar, ou passar por cima de mim e socar os caras que nos perseguiam armados até os dentes.
A nossa vantagem era que, os capangas não queriam roubar a cena do grande show, eles também tentavam ser discretos e isso evitava que todos se tornassem reféns.
Ainda impaciente e parado feito estátua na minha frente, McGarrett fez aquela cara. Essa havia sido catalogada há muito tempo. Foi a cara que eu vi antes de ser baleado, a mesma cara que vi antes de uma bomba de urânio explodir no nosso carro, antes de jogarmos uma ogiva nuclear no mar e outras tantas insanidades vindas dele.
Portanto, não era vergonha confessar que aquele olhar me dava arrepios.
— STEVE? NÃO FAZ ESSA CARA! QUAL A COISA ESTÚPIDA VOCÊ TÁ PENSANDO EM FAZER? STEVE? QUAL É O PLANO? O PLANO! STEVEN?
Rapidamente vi Steve espreitar por cima da minha cabeça. O jeito que ele deu um último passo com urgência na minha direção me fez pensar que ele viu os capangas se aproximarem. Suas bochechas inflaram e ele bufou como quem acaba de perder uma guerra, enquanto balançava a cabeça negativamente. Seu olhar conclusivo correu de volta pra mim, e se tornou mais sóbrio nos segundos antes dele partir pra cima de mim.

Eu tentava organizar minhas ideias em tempo real, mais perdido que âncora de jornal com um péssimo sinal da transmissão.
Steve me olhava como se eu fosse um alvo. Mas também como se eu fosse um prato de camarão aparentemente delicioso que ele nunca provou. Sua mão grudou meu pescoço com força, mas nada que pudesse me machucar, não era uma guilhotina, só dedos que pareciam saber o que tinham que fazer. Então seu rosto ficou perto de um jeito novo, suas pálpebras se fecharam pela metade, porque tudo que ele queria ver estava abaixo do nível deles, eram os meus olhos que, com certeza tinham pupilas de alguém muito chapado, e então minha boca. Seu nariz resvalou no meu com um ar de indecisão, talvez medo de levar um soco na cara, mas ele não desistiu. Num golpe único e sutil sugou meu lábio inferior e foi se desfazendo dele devagar, como uma boa degustação deve ser, seus olhos abertos focaram os meus e tivemos uns dois segundos silenciosos de espera. Fale agora ou cale-se para sempre. Mil coisas na minha cabeça, mas nenhuma delas me fez recuar. E parece que ele também não. Como um juiz pronto pra bater o martelo, ele me olhou, quase sorrindo com o olhar meio embriagado por algo que eu não conhecia, e aí eu fui sentenciado. O último golpe foi intrépido, seus dedos se ajeitaram em minha nuca, e a outra mão foi parar na covinha em minhas costas. Decidido e sem desvios ou preliminares bobas, ele meteu a boca na minha, corpos colados, dedos escorregadios, calor, a umidade, a língua dele, a minha língua, os lábios dele em todos os ângulos possíveis, e uma mordidinha sacana e leve, segundos antes dele me soltar.
Aturdido.
Pisquei um milhão de vezes esperando acordar suado na minha cama.
Mas não acordei.
E Steve continuava na minha frente. Apenas de pé, piscando também.
O peito dele inflando rápido, o ar saindo pela boca aberta.
Parecia que ele tinha acabado de sair de um triatlo.
Eu devia estar daquilo pra pior. Talvez pálido, ofegante e deslumbrado. Exatamente como quem acabava de sair do momento mais excitante de sua vida.
Percebi, finalmente, que não tinha mais música vindo das caixas de som, nem todas aquelas pessoas ao nosso redor. Luzes azuis e vermelhas coloriam o rosto de Steve, e foi ele quem respirou fundo e quebrou nossa extensa conexão visual.
— Só assim pra fazer você calar a boca.
Apesar da rispidez de suas palavras, sua voz era aveludada e doce como mel, amaciado, como um cão que tentava latir com a boca amordaçada. Suas palavras não me atingiram como ele tentou fazer.
Steve passou por mim, levando os lábios ligeiramente inchados e vermelhos para longe, e eu me permiti levar os dedos até minha boca e me arrepiar relembrando.
Ouvi vozes familiares, e isso me trouxe de volta à coisa toda.
Me virei e encontrei um cenário muito diferente do que imaginei. Havia policiais pra todo lado, uma barricada improvisada e os civis se escondendo curiosos atrás dela. Os dois capangas que nos intimidaram estavam caídos no chão com as mãos amarradas por Junior e Adam. Chin tinha Todd Smith de mãos atadas sob seu domínio. Lou mantinha o irmão mais velho de Doug imprensado contra um pilar de sustentação do palco. Kono abria as fivelas douradas da case e Tani trazia Gerard para fazer o reconhecimento. Ele sorriu embasbacado.
— Definitivamente, é um verdadeiro Vermeer entre nós, pessoal.
De repente me lembrei do que nos trouxe até ali.
— E o traficante? — Perguntou Steve, sincronizado com meus pensamentos.
A detetive Lorna apareceu. Saindo da névoa que restava de gelo seco de debaixo do palco com Doug sob a mira de sua arma.
— Lorna, não! — Gritei.
— Não é justo… esse desgraçado matou minha sobrinha!
— Calma, dona… eu nem sei do que você tá falando…
— PARA DE FALAR!
— Doug, seu infeliz. — Cuspiu o irmão mais velho, percebendo que teve seu esquema exposto pela infantilidade do irmão. — Atira nele logo de uma vez!
— Hey, levanta o dedo quando quiser falar. E a propósito a resposta é não.  — Lou deu uma prensa no contrabandista.
— Ah, agora você notou que eu existo, Seth?! Olha só que engraçado, tive que ficar com a esmola da família e agora você vai cair junto comigo, irmãozinho!
— Para de sorrir, seu desgraçado! — Lorna voltou a ameaçá-lo.
— Lorna, confia em mim. — Caminhei na direção dela.
— Danny… — Steve me chamou, mas ignorei. Ele veio em minha direção.
— Meter uma bala no meio da testa dele não vai fazer você se sentir melhor. Eu juro. Nada disso vai trazer a Sarah de volta.
Na menção ao nome da sobrinha, os olhos dela se inundaram.
— Ela era… brilhante. Só estava ansiosa com as provas da faculdade de direito e cansada do longo divórcio entre os pais…
Olhei para Steve e me lembrei do conforto que só ele me proporcionava.
— Um dia você vai perceber que fez tudo o que pôde por ela. Sinto muito. — Abracei Lorna, tomando posse de forma cautelosa, de sua arma.
Steve já estava ao meu lado e aparou Doug, antes que ele pensasse em escapar.
— Obrigada… vocês dois. — Disse ela, alguns segundos depois. — Todos vocês.
— Afinal de contas, como vocês chegaram tão rápido? — Perguntei, assim que pareceu seguro me desvencilhar da detetive Lorna.
— Eu… chamei o reforço. — Respondeu Steve.

Normalmente, quando há uma festa e uma viatura da polícia aparece, ela chega ao fim. Mas naquela noite não. Apenas os supersticiosos foram dormir mais cedo, alguns até devem ter abandonado o hotel com a diária paga. A banda voltou ao palco com muito mais gás, parece que eles acharam meio incrível ter uma grande apreensão bem abaixo dos seus solos de guitarra, eu não me surpreenderia se em breve gravassem um clipe com essa temática.
Não foram apenas os hóspedes que decidiram estender a noite, mas toda a nossa equipe considerou o dia digno de uma confraternização. Se eu tivesse com cabeça pra pensar em qualquer coisa banal, provavelmente concordaria com eles.
Eu estava mesmo era em busca do significado de tudo aquilo. Não apenas a parte quente e molhada, mas depois. Quando todos foram até as viaturas entregar os quatro bandidos ao Duke, apenas eu e Steve restamos no local onde tudo aconteceu.
— Você tá bem? — Ele me checou, com a palma da mão em meu rosto.
— Tô bem. E você?
Ele me abraçou. Apertado, quente, aconchegante e rápido demais.

Juntamos duas mesas.
Steve bem na ponta, na cabeceira principal com aquela pose de dono-da-porra-toda. À esquerda dele, eu, seguido por Kono, Adam, Junior e Tani. Então, sim. Eu estava duplamente de vela daquele lado da mesa. Do outro, Lorna Standall bem na minha frente, agora já não tinha mais o semblante transtornado, ela havia conseguido o ponto final que precisava, agora apenas estava constrangida e levemente com medo do que viria a seguir. Ao lado dela, quebrando qualquer clima de preocupação, Lou Groover dissertava sobre como se cozinha um bom peixe em Chicago. Depois dele, Chin balançava a cabeça impressionado com a simplicidade daquela receita.
Eu estava pensando em sair na pontinha do pé e me sentar na cadeira vazia ao lado de Chin, mas Abby apareceu dizendo que Duke a liberou mais cedo naquela noite e dando um selinho rápido no marido. Mais um casal. Vinte pontos para algum cupido. E então, Lola e Linda surgiram do nada, feito duas stalkers. Antes de Steve convidá-las para ficar com a gente, Jerry, Eric, Max e Noelani apareceram.
Juntamos mais uma mesa.
Eric e Jerry se sentaram depois de Tani, e apostaram quem conseguiria fazer um tsuru de guardanapo em menos tempo. Max, o grande juiz da competição, e Noelani se sentaram bem ao lado de Abby. Lola e Linda aceitaram o convite de bom grado e puxaram duas cadeiras pro extremo da última mesa.
Noelani e Linda levaram dois segundos pra se reconhecer. Haviam estudado na mesma faculdade pelo que entendi. Lola estava meio distraída embaixo da mesa e então meu celular vibrou. Entendi.
Vocês estão estranhos. O QUE ACONTECEU?
Sorri feito uma adolescente. Eu queria mesmo ver a cara dela quando descobrisse o que tinha acontecido, mas também queria guardar aquele momento apenas para mim e Steve.
O garçom apareceu com um monte de garrafinhas de cerveja.
— Eu queria propor um brinde por tudo o que fizeram por mim, mesmo sabendo que… — Dizia Lorna.
— Que você é uma excelente policial. Fez o que tinha que fazer. — Concluiu Steve.
Ele foi o primeiro a encostar a taça na dela. E então todos se juntaram a eles.
— À Five-O! — Sugeriu Abby.
— E ao amor. — Completou Chin.
— Wont. — Disse Kono seguindo o exemplo do primo e abraçando seu marido.
— Peraí! Não podemos esquecer. Um brinde ao casal que levou esse fim de semana muito a sério!! — Eric ergueu sua taça e levou uma cotovelada de Jerry.
É. Nosso segredo não era tão nosso assim. Eles haviam visto a coisa toda. É claro que sim, estavam de olho nas câmeras, e só com a ajuda deles, Steve me encontraria.
— Um brinde ao casal! — Kono botou pilha, me deixando bem confuso. Será que ela também havia visto? Será que todos viram?
— Muito profissionais mesmo! — Completou Tani.
Todos uniram suas taças, inclusive Steve que sorriu para mim.
Eu estava tão orgulhoso dele. Num só dia, ele chamou o reforço, salvou nossas vidas e ainda perdoou as atitudes desesperadas de Lorna. Fora aquele momento que não saia da minha cabeça, a sede e a urgência quando ele me tomou para si.
Limpa a baba. E não me ignora quando tô bem na sua frente.
Era Lola novamente. Cliquei em responder.
Ele me beijou. Me beijou. ME BEIJOU. Entendeu que ele me BEIJOU?
Lola bebericava a garrafa de cerveja, mas agora tossia, quase se engasgando com minha mensagem. Soltou a garrafa de forma estabanada na mesa e pigarreou.
— Eu tô bem… — Ela tinha um sorrisinho arrogante no rosto. “Eu te avisei.”
MEU DEUS DANNY! E COMO FOI? (EU QUERO DETALHES)
Acabei relembrando cada segundo e as borboletas no meu estômago se reviravam só de pensar no gosto dele. Um pouco de sal marinho, cerveja e bala de menta.
Foi…!!!!!!!!!!!!!!!!
Eu disse detalhes, Danny. LÍNGUA? AMASSOS? ELE FICOU DURO?
MEU DEUS LOLA
RESPONDE DANIEL
Língua? Confere. Amassos? Confere… Se ele ficou… bom, eu não sei…
APOSTO QUE SIM. Então, parece idiota perguntar, mas você gostou né?
Se eu gostei?! Foi maravilhoso. Eu podia beijar ele pro resto da minha vida!
Depois de enviar, minhas últimas palavras formaram uma espiral na minha cabeça. Beijar Steve pro resto da minha vida. Eu podia me mudar pra casa dele, levar Charlie comigo, ele adora aquela casa, ia surtar se tivesse um quarto nela. A gente podia ver filme junto no sofá da sala, e quando Charlie pegasse no sono, seria só eu e Steve…
— Hey. Tá pensando no quê? — Perguntou Steve se esticando em direção à tela do meu celular.
— Uh… Nada específico…
Ele sorriu. Podia ser um sorriso qualquer. Um sorriso social. Mas não era. Era um sorriso prepotente de “não consegue parar de pensar no beijo que te dei, né?”.
Não. Eu não consigo parar de pensar no beijo dele.
Principalmente agora que uma música romântica se espalhava pela mesa. Os casais se olhavam apaixonados e quem não tinha par grudava na garrafa de cerveja.
Steve me olhou. — Sei… — Disse ele, arrastando a minha cadeira para a cabeceira da mesa, bem ao lado da sua. Nos colocando de frente para Lola e Linda. — Já chega de beber por hoje. Você foi envenenado, sabia?
— Algo me diz que você não vai me deixar esquecer isso.
— Por favor, uma soda. — Pediu Steve, preocupado comigo.
— E gelo, por favor. — Completei.
— Parabéns. Tá se comportando! — Ele zombou.
— Obrigado. Daddy! — Só depois que ele me olhou da cabeça aos pés com aquele ar sensual, percebi o que eu tinha acabado de dizer. — Mas o gelo não é pra mim não.
O garçom trouxe nosso pedido. A soda com uma rodela farta de limão espetada no vidro do copo foi colocada na frente dele, que deu um gole na bebida e me entregou.
Aparentemente agora dividíamos o mesmo copo.
Sei lá, mas aquilo era sexy. A ideia de botar os lábios onde os dele estavam há cinco segundos atrás, num bar cheio de outros copos disponíveis no balcão? Sexy.
Peguei um punhado de cubos de gelo e coloquei no centro de uma das toalhas de pano do restaurante, enrolei até parecer uma coxinha e pressionei o pano gelado sobre a lateral da cabeça de Steve. Onde o olho já começava a demonstrar sinais de que ficaria roxo, e o corte na sobrancelha ainda não estava 100% estancado.
— Ai! — Resmungou Steve.
— Você tem cinco anos, Steve?!
— Você sabe que odeio coisas geladas!
— Então deixa a cerveja esquentar.
— Engraçadinho. Aposto que meu olho tá ótimo, você só tá sendo… você.
— Primeiro que, você tá horrível. E segundo que… o que quer dizer com isso?
Steve fez uso daquela típica cara ofendida de quando ele fazia macarronada ou outro prato com cara de restaurante chique, com duas salsinhas bem verdes no topo e queijo ralado na medida esteticamente perfeita, e me olhava com as sobrancelhas arqueadas esperando que eu me desmanchasse em cima da mesa, mas eu dizia que ele havia errado um pouquinho a mão no tempero, mas estava okay, enquanto na verdade o prato estava maravilhoso mas eu não resistia quando o assunto era provocá-lo. Depois ele sorriu, como sempre fazia porque no fundo sabia que era mentira, que eu queria repetir o prato e me casar com ele pra comer aquilo todo dia.
— Peraí. Eu tô… horrível? Nossa.
E naquela altura toda a mesa já havia revirado os olhos, num efeito dominó.
— Com horrível, ele quis dizer lindo. — Disse, Lola, incansavelmente disposta a me expor.
— Aê irmã, você não mentiu. — Disse Kono, fazendo um high-five a distância com Lola.
— Não escute elas. Ou você vai ser um cara lindo com um olho bem roxo.
Steve deu um daqueles sorrisos dignos de um comercial de creme dental.
— Oh, Deus. Será que eles sabem o quanto são fofos? — Perguntou Tani.
Steve debruçou a cabeça em minha direção e eu voltei a pressionar o gelo. Ele me olhou, não apenas me olhou, mas colocou seus olhos em mim, nos meus olhos e depois na minha boca, com um sorrisinho que parecia dizer que ele gostava de mim.
É estranho como os olhos dele começam a falar pelos cotovelos depois de algumas cervejas. E em algum momento Lou disse vão para um quarto, então eu soube que eu não era o único a sentir aquela vibração constante no ar.
Algum tempo se passou, os pratos com petiscos estavam mais vazios do que cheios e as garrafas se amontoavam embaixo da mesa. O evento no palco já havia terminado e as mesas ao nosso redor começavam a ficar vagas, os garçons ficavam parados tempo demais, acho que apostavam uns com os outros quem seriam os folgados que ficariam até tarde impedindo que eles pudessem ir pra casa dormir. O clima mudou, quase como se o bar tivesse acabado de virar a placa de “Open” para “Close”, exatamente como o nosso organismo faz quando está cansado de ficar com febre na cama e começa a reagir expelindo as bactérias novas. Vão embora daqui!
Todos começaram a falar sobre estarem cansados, ou com sono e logo pedimos a conta. Eu sentia que era uma espécie de anfitrião, já que tinha um quarto no décimo segundo andar reservado com o meu nome na ficha, mas a essa altura do campeonato não fazia ideia de onde eu dormiria aquela noite, porque além do meu nome tinha o de Steve, e ele provavelmente juntaria sua mala e iria finalmente para casa. Afinal, não havia sentido em passar a noite naquele hotel já que os bandidos estavam presos.
— Eu amo todos vocês, mas preciso dormir. — Disse Steve, encerrando meus pensamentos com o timing perfeito que só ele tinha. — Paga a minha parte, mas nada de acréscimos, okay? — Completou ele em minha direção deixando um cartão de crédito com seu nome em minhas mãos.
— Olha só quem está pagando a conta! — Disse, sacudindo o cartão no ar e recebendo uma fuzilada do Steve.
— Boa noite, Chefe. Melhoras pro olho roxo.
— Que ele não estrague seu rostinho lindo. — Lola completou Kono.
— Durma com os anjos. — Disse Tani. — Anjos loiros com olhos azuis.
Elas pareciam um exército agora.
Todos estavam rindo tanto, aqueles malditos bêbados que eu amava, e Steve aproveitou para cochichar.
— Eu pego a chave reserva na recepção. Dei gorjeta pro recepcionista. — E ele me deu a chave do nosso quarto, bem discretamente, junto de um sorriso empolgado.
A farsa acabou. Nossa novelinha não tinha mais porquê continuar. Mas Steve continuava sorrindo mais do que deveria, e abrindo a carteira mais que de costume.
Eu queria dizer “okay, de repente notei que estou por um fio, preciso dormir”, mas já chega de deixar todos acharem que vamos subir pro quarto e reencenar 50 tons de cinza versão policias gays do Hawaii. Então, eu apenas fico torcendo pra todos irem embora logo. Mas Lola pula mil cadeiras e se senta do meu lado, com as pernas abertas, os cotovelos nas coxas, as mãos segurando as bochechas e os olhos em mim.
— E aí? — A voz dela sai abafada porque suas palmas pressionam as maçãs do rosto, e de repente sinto que estou conversando com um baiacu.
— E aí o quê?
— Vão dormir juntos? Está preparado? Precisa de dicas? Camisinha?
— Lola, pelo-amor-de-Deus!
— Okay, não use proteção. Vocês se conhecem a muito tempo, deve ser seguro.
— Lola!
— O quê?
— Só… para de falar.
— Isso é chato. Eu gosto de falar! — Ela cruzou os braços, emburrada.
— Jura?! Eu não tinha notado! E caso você não tenha percebido, eu trabalho com essas pessoas. Tenho uma reputação.
— Caso você não tenha percebido eles são detetives. Já sabem sobre vocês.
Revirei os olhos. Ela não estava totalmente errada, mas era irritante.
— O que… — Me aproximei e abaixei o tom. — o que acha que devo fazer?
— Preliminares ou penetração?
— Não dá pra conversar com você.
— Ah, desculpa. Não estamos falando sobre sexo, então?
— Não! Estamos falando sobre eu ter uma casa e uma cama. Eu não devia ir embora? Ele não devia ir embora? Por que diabos ele me deu essa chave do nosso quarto se nós temos casas e camas individuais e não somos um casal?!!!!
— Só tem um jeito de descobrir. Não seja covarde.
— Eu não sou covarde! Eu sou… cauteloso.
— Cauteloso que não usa preservativo. — Ela começou a rir. De novo.
— Muito engraçado. Enquanto você faz piadinha, eu estou surtando.
— Okay. Isso é errado. Eu sou sua anciã suprema no mundo arco-íris, então meu papel aqui é te dizer para parar de pensar demais. Pegue o elevador, e caso necessário, use preservativo. Assim que ele dormir satisfeito, me ligue e conte tudo.
Lola não ajudava muito bêbada. Mas se eu filtrasse direitinho conseguia tirar um conselho daquilo tudo. Pare de pensar demais. Basicamente todos ao meu redor já me disseram isso; a minha mãe, a Sr. Tisdale, professora de álgebra, o meu instrutor de tiro, Steve em mil situações diferentes, e agora Lola sobre a situação Steve.
No momento apropriado, eu escapo da mesa e subo pelo elevador com uma banda de rock pauleira ensaiando no meu estômago. Não sei exatamente pra onde estou indo, não fisicamente, já que vou pro 128, mas pra que parte da minha vida estou caminhando? Talvez esse seja eu batendo na porta de uma crise de meia idade, ou eu louco de ciúmes da ideia de Steve se casar e eu não, ou talvez eu apenas o ame mesmo. De todo jeito, não posso pensar muito e acho que já estou fazendo isso, então apenas corro pra fora do elevador.
A porta do quarto está fechada, mas posso ver uma fresta de luz fraca por baixo dela, talvez apenas luzes de abajur. É só girar a chave e abrir, como fiz com todas as fechaduras durante minha vida. Mas então escuto a voz dele.
Okay, Cath. Sua semana de folga deve estar sendo ótima, mas preciso ir. Meu dia foi longo e acabamos de fazer uma grande apreensão. Sim. No hotel. Amanhã estarei aí. Tchau.
Um anjo no meu ombro direito me fazia sentir pena da voz amarga que ouvi, mas o ser de chifres e tridente no rabo estava meio satisfeito com a voz amarga que ouvi. Não era nem de longe uma voz apenas cansada, como ele queria parecer, era uma voz que não queria estar ali conversando ao telefone, e o tom apressado, as palavras genéricas, meu deus… ele não queria conversar com ela! Até chamou o Hilton de hotel, logo o Hilton que é a casa da mãe Joana das nossas vidas. Talvez não seja nada demais, afinal, conversar com a noiva sobre enfiar a língua na boca do padrinho não deve ser um tópico do manual para O Casamento Perfeito.
Pare de pensar tanto.
Entrei.
Dei de cara com a visão dos Deuses. Mas não. Ele não estava pelado. Ou estava. Mas da cintura pra baixo estava coberto por uma toalha branca. Deitado na cama. É importante destacar que, ele estava deitado na única cama que havia no quarto, cama esta que é de casal, onde Steve não se esparramou, mas sim se deitou do lado direito. Me perguntei se ele sabia que eu só consigo dormir do lado esquerdo da cama.
— Oi. — Ganhei seu tom de voz doce, rouco e sexy. — Pensei que você não viesse mais.
— Por isso resolveu ficar tão à vontade assim?
— Algum problema com a minha toalha? Porque… eu posso tirar.
Não havia como negar. Steve estava me dando mole. Mas talvez fosse a cerveja.
— Não… é o traje perfeito pros planos dessa noite.
— Planos dessa noite? — Steve me olhou de olhos arregalados, mas não havia repúdio, apenas curiosidade e excitação.
Eu não sabia o que estava fazendo, mas deixei o Danny-que-não-pensa-demais continuar assumindo o controle do meu corpo. Me sentei ao lado dele na cama, e empurrei meus tênis com meia e tudo para fora do meu pé.
— Você se machucou feio pra me salvar.
— São só uns cortes superficiais. Vou ficar inteiro logo.
— Bom, já que não é nada, não vai precisar de cuidados especiais. — Deitei de costas para ele. — Boa noite, então. — Puxei a cordinha do abajur ao meu lado.
Agora era só esperar ele morder a isca.
— Bom… eu também não diria que uma surra de dois trogloditas seja… nada.
— Não, é? — Me virei pra ele.
Já tinha visto Steve daquele ângulo. Quando dormimos em camas de solteiro, uma do lado da outra e quando ficamos internados em macas de hospital no mesmo quarto. Mas nada se comparava a tê-lo a dez ou quinze centímetros de mim.
— Não… — Ele sussurrou sob a luz baixa apenas do seu abajur.
— Obrigado. — Disse.
Estiquei meus dedos até o rosto dele. Eu sabia que tinha que aproveitar o efeito do álcool como combustível, porque naquele momento eu realmente senti que precisava seguir as palavras de Lola como um guia. Tocar ele quando tivesse vontade. Dizer as palavras que estavam quase caindo da pontinha da minha língua. Não pensar demais.
— Eu faria de novo, você sabe. — Ele respondeu fechando os olhos ao sentir meu toque, eram as costas de minha mão deslizando sobre seu olho ainda quase roxo.
Meu indicador subiu pela maçã rosada de seu rosto e desceu até encontrar o corte vertical desenhado em seu lábio superior. Percebi um hematoma ainda fraco perto da tatuagem em seu ombro. A cena voltou em detalhes na minha mente, além dos socos no rosto, chutaram o corpo dele assim que Steve caiu no chão.
Me arrastei na cama, e continuei seguindo os dedos por toda a área avermelhada. Haviam mais pelo menos duas manchas em suas costas.
— Foi muito corajoso hoje, Steve. Não quero incentivar sua falta de instinto de sobrevivência, que fique claro. Mas foi corajoso. Pode… virar de costas, por favor? — Minha voz saiu trêmula, mas ele obedeceu sem me questionar.
Com o coração ameaçando saltar pela minha boca, me apoiei no meu cotovelo e massageei suas costas do jeito que pude, tocando com leveza a área machucada. Ele virou o pescoço pro meu lado e sorriu de leve, fechando os olhos, depois é claro, de observar o quanto eu estava com medo de receber um olho roxo.
— Isso é bom, Danny. — Ele cochichou com a voz abafada contra o travesseiro.
— Mesmo? — Perguntei meio sem jeito.
— Sim! — Respondeu Steve decidido.
— Okay…
Pronto. Ganhei o empurrãozinho necessário pra passar minha perna coberta pelo jeans, por cima das dele, me equilibrei afundando os joelhos na cama, mas fazendo um esforço milenar para manter um espaço entre nossos corpos. Então estiquei bem os braços e comecei a massagear o topo de suas costas.
Steve se contorceu sob meus dedos e um raio se dissipou dentro do meu corpo.
Desci as mãos com mais pressão seguindo o desenho de suas costas.
— Oh…
Congelei ao ouvir aquilo. Um gemido rouco contra o travesseiro era demais para o meu corpo, que se arrepiou na primeira fisgada que senti dentro da minha calça. Eu devia fugir, mas fiz o contrário disso. Comecei a entender que ele gostava particularmente dos toques leves, de quando minhas unhas roçavam em sua pele, e se empolgava quando eu deixava minhas mãos pesarem sobre ele.
No segundo gemido que Steve emitiu, eu estava viciado. Queria mais. Precisava de mais. Senti uma de suas mãos esbarrarem em minha perna e num ato desesperado pela adrenalina que tomava conta de mim, repousei, deixei meu corpo pesar sobre o dele. E me sentei contra a covinha do final de sua coluna, deixando minhas unhas escorregarem pela dimensão de suas costas. Senti Steve contraindo o corpo, uma, duas, algumas vezes. Ajeitei meu corpo sobre o dele, e apertei meus dedos contra sua pele. Um novo gemido, e outro e mais alguns. O corpo dele era lindo e o zíper de minha calça estava por um fio de se romper. Seus gemidos foram ficando mais claros, assim como as batidas frenéticas do meu coração. Algo tinha que acontecer, como um asteroide pular do céu e estacionar no Hilton. Algo tinha que me parar.
— Danny… — Ele gemeu meu nome e se virou cautelosamente para cima, ainda abaixo de mim. Não consegui conter a fisgada pulsante que senti, encarei seus olhos, um pouco tímido, mas completamente excitado, vi suas maças avermelhadas e senti sua respiração tão aflita quanto a minha.
— Oi… — Recolhi minhas mãos, e esperei pelo fora épico que ele devia me dar.
Mas Steve segurou minhas mãos, as duas ao mesmo tempo, ele acariciou meus braços e trouxe minhas mãos para o seu peitoral quente como brasa.
— Você… disse que terminou com Melissa. Foi por… outra pessoa?
Era uma pergunta importante. Daquelas com olho no olho e dedos entrelaçados.
— Por mim. Por ela, e por… alguém que meu coração bate há muito tempo…
Steve recolheu as mãos.
— Você voltou com a Rachel?!
Não sei se pulei pra cama ou se caí jogado pela força das palavras dele.
— O quê?
— Você não respondeu.
— Eu tô tentando entender como fomos daquilo  — apontei pra cama — pra isso?!
— Eu só fiz uma pergunta. E você ainda não respondeu.
— Eu obviamente não voltei com a Rachel.
— Mas… vão voltar? É só questão de tempo agora que terminou com a Melissa, certo?
— Steve?! Antes estava insatisfeito por quem eu escolho namorar, agora tá insatisfeito sobre com quem eu termino também?
— Não! Não é isso… é que…
— O quê?
— Nada. Você já disse tudo. Alguém que você ama há muito tempo…
Steve, seu idiota. Eu tô falando de você, imbecil. Queria ter tido coragem de dizer.
— É, eu já disse tudo. Já falei demais. Já fiz demais.
— Você fez o que tinha que fazer. E eu também. Fizemos o nosso trabalho. É isso.
Tive que somar alguns pauzinhos pra entender.
— Tá falando de quando… me beijou? Você… fez o que tinha que fazer?
— Danny. — Os olhos dele mudaram, e não era a primeira vez que eu via aqueles olhos nele. — Os capangas estavam perto demais da gente, e o reforço… você sabe como as vezes eles demoram pra chegar. Todos estavam se beijando, então…
— Fez o que tinha que fazer… — Cambaleei pra fora da cama.
Bateram na porta. Corri pra atender, qualquer coisa era melhor que ficar ali.
— Oi… desculpa. Eu sei que tá tarde pra caramba.
— Oi… Alexa, certo?
— É isso aí. Espero não estar atrapalhando, de novo. Mas… vocês ficaram me devendo aquela foto e…
— Alexa, agora isso, com certeza, não vai ser possível e…
— Não! — Ela me interrompeu. — Eu… meio que já consegui. Só queria te trazer a cópia porquê… ficaram muito boas mesmo. Eu… não sou uma stalker, só estava fotografando o evento.
— O quê?
...
Alexa se foi deixando um envelope em minhas mãos. Era de mais cedo, Steve e eu. Steve com a mão no meu pescoço, e a boca entrelaçada na minha. As fotos ficaram realmente muito boas. A única coisa mais interessante que o nosso beijo, era o que tinha atrás de mim. Me lembro exatamente daquele momento, Steve segurou meu pescoço e olhou além da minha cabeça, achei que ele via os capangas se aproximando, mas, na verdade, era a nossa equipe. Era o reforço, logo antes do beijo.
Quando eu era apenas um policial em Jersey, recebi uma denúncia anônima de um assalto em andamento. Eu era a unidade mais próxima. Bati na porta e uma senhora atendeu. Ela sorriu e disse por aqui tudo bem, tenha uma boa noite, policial. Eu me despedi, entrei na viatura, fingi que fui embora e liguei, chamei o reforço, pois sabia que aquela mulher estava mentindo, era uma refém e havia uma arma em sua cabeça.
Nunca esqueci os olhos dela. Sua boca me dizia boa noite, mas os olhos gritavam por socorro, e só então percebi que o olhar diferente que notei em Steve me pedia a mesma coisa. Havia uma arma apontada pra cabeça dele quando ele me dizia que fez o que tinha que fazer. E agora eu precisava saber quem o fazia de refém.
Me deitei na cama ao lado dele. Ele fingia que dormia, mas o corpo estava virado para o meu lado. Ignorei tudo que ele esperava de mim, sabia que ele me queria perto. O abracei, rocei meu rosto no seu, nossos lábios tão próximos e apenas disse.
— Boa noite, Steve.

***

mas o gosto da sua boca ...Where stories live. Discover now