12 de Abril
Eu odiava aquela árvore. Suas folhas secas entravam frequentemente em meu quarto pela janela, fazendo com que eu sempre tivesse que tirá-las de lá; as formigas que passeavam por ela resolveram que sempre podiam dar um rolê no meu guarda roupa e atacar as rosquinhas que eu comprava no The Coffe's Louis para comer enquanto estudava; as abelhas que instalaram sua colmeia em um dos galhos mais altos também não eram hóspedes muito agradáveis. Admito que era um salgueiro muito bonito mas aquela árvore era o motivo do ódio eterno que foi alimentado por todas essas situações frustrantes.
Até que você veio fazer um trabalho aqui em casa. Você deve se lembrar, né? Tratava-se de uma pesquisa de biologia e quase me engasguei com a água que está tomando quando a professora Triemade permitiu que escolhessemos com quem faríamos a tarefa e, no final da aula, você me pediu para ser sua dupla. Devo ter demorado uns cinco minutos para fazer meu cérebro funcionar novamente e, pelo meu ver, você considerou minha suposta paralisia como um "sim". Porém, ao ter tido que faríamos a pesquisa em minha casa, voltei à Terra. Fiz de tudo para que você não a minha selva particular mas sua teimosia é tão grande quanto sua beleza.
Minutos depois de termos terminado a atividade, uma ventania invadiu o ambiente. Já estava escurecendo e tons de azul e roxo marcavam presença no vasto céu. Papéis voavam e serpenteavam pelo ar como se estivessem no mar; a caixa em que guardo minhas cartas destinadas a você quase caiu de cima da prateleira, contudo, naquele dia, dei graças à Deus por você não ter visto; folhas e mais folhas entraram e infestaram o chão, minha cama, minha mesa de estudo e, consequentemente, nossos cabelos.
Mais folhas. De novo.
Corri rapidamente até a janela e a fechei, soltando um palavrão logo em seguida. Aquela iria ser a terceira vez que limpava o quarto. No dia.
Expliquei rapidamente a minha repulsa colossal sobre o salgueiro e pedi desculpas pelo o que havia acontecido enquanto você tentava retirar os pequenos galhinhos em suas ondas castanhas.
Já estava me preparando para um pequeno chilique e as últimas palavras que você dirigiria a mim, mas a gargalhada que você soltou me provou do contrário. Lembro-me que você ria tanto que pude ver algumas lágrimas rolando em suas bochechas coradas. Contagiado pela cena em minha frente, comecei a rir também. Meu coração, tomado por cicatrizes de algumas cirurgias feitas ao longo dos anos, se aqueceu ao perceber a preciosidade daquele momento tão simples e que fez uma grande diferença em minha tarde.
Depois de sua pequena crise ter chegado ao fim, você se levantou da cama e caminhou em minha direção. Seus olhos ainda possuíam o mesmo brilho que percebi ao elogiar seu protesto e seu sorriso singelo continuava me hipnotizando como sempre fez. Tentei ignorar a voz em minha cabeça, mas confesso que pensei que... bom... você... é... bom... iria me beijar. Minha teoria ganhou tanto espaço em minha mente que paralisei instintivamente, porém minhas expectativas forma cortadas ao notar que você apenas iria abrir a janela atrás de mim, ato que me possibilitou sentir seu cheiro adocicado e viciante. "Morango" eu havia pensado.
Ao puxar o pequeno ferro e abrir as duas bandas de madeira, dois pássaros passaram em nossa frente. A forte ventania havia cessado, dando lugar a uma leve brisa. Fitando o céu, logo pudemos ver algumas estrelas brilhando timidamente ao longe. O salgueiro, naquele momento, era digno de uma pintura, mas a imagem da luz do pôr do sol caindo sobre seu rosto certamente ficou gravada em minha memória.
"Como pode sentir tanta repulsa tendo um mundo em sua frente? " questionou a mim enquanto olhava admirada para a paisagem. Porém antes que eu pudesse pronunciar algo, você já se encontrava em cima do peitoril da janela, tentando chegar a um dos grossos galhos da árvore. Tentei alcançá-la mas creio que você deve ter ído a um acampamento de verão quando mais nova e já se encontrava em cima do largo pedaço de madeira tentando afastar a cortina de folhas para adentrar o suposto local. "Vem" você me chamou, e preocupado com sua segurança, mesmo com medo de quebrar o pescoço, a segui e a seguiria para qualquer lugar depois pois ao atravessar a larga cortina natural, foi inevitável não soltar um suspiro. O som das folhas encostando-se umas nas outras lembrava o som feito pelas ondas; a leve brisa ainda nos atingia mas, daquela vez, carregava o aroma entorpecente e agradável das pequenas flores nos finos galhos ao nosso redor.
Ao conseguir contornar o grande tronco da árvore, pude te encontrar sentada sentada em um galho largo e grosso com as costas apoiadas no mesmo tronco em que eu me apoiava. Suas orbes cor de café estavam cravadas em algo acima de sua cabeça: luzes. Porém, ao prestar mais atenção, percebi que se tratavam de vagalumes, o que pensei serem, por muito tempo, abelhas.
A dança que realizavam em conjunto lembrava muito a uma valsa um pouco desajeitada, mas não de ser um espetáculo. "É lindo, não é?" você sussurrou ao notar minha presença e sinalizou para que eu sentasse no galho próximo a ela. Com um pouco de dificuldade, consegui encaixar meus um 1,83 m no pequeno lugar e admirar o show de luzes ao seu lado, ato que permitiu que sua cabeça repousasse em meu ombro direito. "A vida está em todo lugar, Júlio. Mesmo com tanta escuridão, a luz sempre pode entrar com a ajuda daqueles que não permitem que a maldade pareça normal. Basta ver com os olhos do coração para perceber".
A partir daquele instante, passei a amar aquela árvore. E talvez, não só ela, sentimento que fez meu coração pulsar forte em meu peito, sussurrando apenas um nome.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Words - Isulio
Fanfiction"Palavras. Às vezes inofensivas. Às vezes nem tanto. Às vezes tão óbvias, outras tão confusas. Contudo, são poderosas de uma forma que não podemos imaginar. Elas podem se tornar escadas, abrigos, faróis, barcos e até seu próprio quarto, desde que es...