Medo

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30 de Setembro

Lembro nitidamente da primeira vez em que fui ao hospital por estar tendo um de meus ataques.

Eu tinha 6 anos e sentia meu peito ser esmagado pela mão de um gigante.

A cada respiração, alfinetadas atingiam meus pulmões e a dor em meu lado esquerdo se irradiava por todo meu corpo. Sentia-me frio, dormente, à beira de um precipício, para ser mais exato, já que, levando em consideração minha idade, os médicos acreditavam que eu não passaria daquela madrugada.

Não sabiam o que fazer. Minha doença é extremamente rara. Não sequer um tratamento, quanto mais uma cura.

Até que, depois de ter recebido certas quantidades de substâncias que me ajudariam a aliviar a dor, meu peito se acalmou, meus lábios começaram a voltar a sua cor normal e, finalmente, tinha conseguido subir à superfície daquele mar.

Já estava me preparando para entrar no breu que me aguardava mas parece que Deus balançou a cabeça e decretou que ainda não havia chegado minha hora.

Desde então, minha vida se resumiu a comprimidos para dor e diversas idas ao hospital.

Por isso, apesar das pessoas sempre estarem me dizendo que deveria agradecer por estar vivo, eu não me sentia vivo.

O que eu estava fazendo não passava de "sobreviver".

Assim, acabei desistindo de tentar tanto, como já havia dito antes para você. Mas tudo mudou drasticamente esse ano. Pude ver tudo com mais clareza e sensatez.

A causa? Bom, você já deve saber, né?

Caso não, acredite: é uma causa muito linda. Tem cabelos castanhos, ora lisos, ora ondulados; um aroma entorpecente, lábios viciantes, olhos hipnotizantes e uma alma verdadeira.

dei dicas demais. Agora, só depende de você adivinhar de quem se trata.

Sou grato a essa "causa" infinitamente por ter me feito abrir os olhos. Por ter me feito acreditar que eu merecia viver.

E, bom, eu não poderia ter mudado de ideia em uma hora mais oportuna.

Fui chamado para participar de um tratamento experimental, Souza.

É um método medicinal novo que utiliza adrenalina, noradrelina e outras substâncias de efeitos reversos para "brincar" um pouquinho com o meu coração.

Primeiro, irão injetar uma pequena dose de uma determinada substância que irá energizar-me ou desacelerar-me. Depois, colocarão uma substância que causará o efeito contrário ao da outra para ver como meu coração reagirá.

De maneira resumida, vão tentar controlar meu ritmo cardíaco igualando a quantidade dos hormônios descontrolados produzidos por minhas suprarrenais, fazendo com que meu coração não bata nem de forma tão rápida e nem de forma tão lenta.

Resolvi relatar a novidade primeiro no papel. Você foi visitar sua vó hoje e eu precisava te "contar" de alguma maneira antes de fazer isso pessoalmente.

Não que eu vá entregar a carta quando você chegar. Pretendo entregar todas de uma vez. Mas isso será assunto para outro texto. Agora, estou apreensivo demais.

O Dr. Reynolds alegou que, mesmo sendo um tratamento desenvolvido recentemente, há chances de funcionar pois a lógica do mesmo faz um certo sentido.

A probabilidade de funcionar é de 60%.

60% de uma vida normal.

Sem medicamentos.

Sem fios.

Sem agulhas.

Sem camas de hospital.

Sem lábios azuis

Sem esforço para respirar.

Apenas a vida em sua face mais crua. Eu só tive isso por apenas 5 anos da minha vida.

Porém,... ainda sou intimidado pelos 40%.

O temível 40%.

Se o tratamento sair do controle, se meu coração tiver carga demais devido as substâncias ou se resolver bater preguiçosamente também por causa das doses,... os 40% prevalecem.

O efeito pode ser irreversível, Souza.

Acho que... você já entendeu o que quero dizer, não é?

Não sei o que fazer...

Amor, eu... eu estou com medo.

Há um tempo atrás, eu tentaria o tratamento sem me importar com as consequências, sendo elas boas ou ruins. Só queria acabar com tudo isso de uma vez. Nem que eu tivesse que morrer para fazer parar.

Mas, agora, minha decisão vale muito mais.

Eu não quero morrer, Isabela.

Não falo isso por mim, exatamente. Falo porque me importo com a minha mãe, com Miguel, com você. Não... Não quero deixá-los.

Parte de mim está firme quanto a decisão de participar do experimento, porém a outra está receosa, assustada com a ideia de ser engolida pela escuridão em razão de um pequeno deslize, como quase aconteceu na primeira vez que tive um ataque.

Eu só... queria que estivesse aqui. Comigo. Queria saber o que acha em relação à tudo isso ou só me fizesse sorrir como você sempre faz apenas com o simples ato de olhar para mim.

P.s.: Acabei de fazer brownies. Não ficaram nem aos pés dos seus, é claro, mas até que estão comestíveis. Até o Sr. Peludinho comeu um pouquinho. Só não sei se o miado que ele deu depois de provar foi um elogio ou um "que merda é essa, Júlio?!"




Words - IsulioOnde histórias criam vida. Descubra agora