Clarissa
Sentada na beira da cama, mesmo atrasada, não pude evitar a retrospectiva deprimente que me veio a cabeça, sei lá, pensei que a vida facilitaria depois da faculdade, achei que o mestrado me traria o destaque que eu sempre quis, que minha voz fosse ouvida, mas não, morro diariamente com matérias que só eu pareço não entender, nem cheguei perto do emprego dos meus sonhos e não encontrei a "inspiração milagrosa" que eu achei que teria para escrever o romance do século, romance esse que nem a vida real eu cheguei perto de encontrar.
Sei que parece pretensioso, mas, quem fica quatro anos na faculdade e não começa a pensar grande? O que eu não esperei, era que o escritor que controla minha vida não está muito afim de colaborar com a minha pessoa, hoje terei que ir a uma palestra obrigatória no mestrado ministrada por um doutor prepotente qualquer que acha que é embaixador do curso de letras no Brasil, sinceramente, já li alguns artigos dele e já vi alguns vídeos na internet, devo admitir que gosto da linha de pensamento dele, mas apenas isso, me admira que ele passe por uma porta com o tamanho da prepotência do homem.
Acabei minha sessão de lamentos matinais, levantei da cama, coloquei meu jeans, tênis e camiseta de sempre, tentei mudar meu penteado habitual (não deu certo), tentei corrigir minhas olheiras com maquiagem (não consegui), peguei minha bolsa, ouvi o discurso diário do meu pai sobre como era um absurdo eu pular a "refeição mais importante do dia", respirei fundo, me arrastei em direção ao metrô e fui rezando para que o GRANDIOSO professor Carlos não ocupe muito o meu tempo.
Chegando lá já fiquei desanimada, já comecei a receber empurrões na escada mesmo e cansada da gritaria coloquei logo o meu fone de ouvido e rezei para que a música abafasse o caos que me rondava naquele momento, na hora que baixei a cabeça para apertar o play só senti o último empurrão e o meu corpo caindo em um vazio, isso mesmo, alguma alma iluminada tinha me empurrado nos trilhos do metrô, achei que era aquele o meu final, me senti até arrependida da minha sessão de reclamação matinal, quando achei que já não tinha mais esperança, senti uma mão me agarrar firme e me puxar de volta, minha mente romântica logo incluiu meu salvador como protagonista de um romance arrebatador, pensei que ele iria me olhar nos olhos e me puxar para um beijo ardente, porém, enquanto minha mente vagava entre o medo e o romance, meu salvador tentava me dizer algo, forcei minha mente a concentrar no que ele dizia, e quando finalmente eu entendi fiquei chocada com duas coisas, primeiro, o meu salvador não era nada mais, nada menos que o PROFESSOR CARLOS, e segundo, AQUELE DESCARADO OUSOU ME XINGAR NA FRENTE DE TODO MUNDO.
Carlos
Ser professor de uma universidade federal e morar na Baixada é o que podemos chamar de "má sorte". Isso porque ao invés de acordar às 06:30, feito meus colegas de trabalho que moram na cidade do Rio de Janeiro, eu tenho que acordar às 04:30, para pelo menos comer direito. Agruras da vida. Meu salário ainda não me permite ter uma casa própria e quitada na Zona Norte, que dirá no Centro. Mas ainda assim, eu chego na hora.
Porém o dia de hoje foi um tanto atípico: acordei atrasado, isso depois de dormir (se é que pode se dizer que isso é dormir) por 40 minutos aproximadamente. Não satisfeito, peguei um trem completamente lotado com um pastor falando bobagens preconceituosas de um lado e um monte de meninos batucando no trem ao som de um funk com uma letra que, ainda que de cunho duvidoso, era extremamente contagiante e que ficava na cabeça. Pra piorar a situação, alguma alma "caridosa" resolveu derramar suco em mim. De uva. Dentro do trem ainda. Finalizando, um mané realmente achou que poderia roubar minha bicicleta... depois de muita confusão e quase me ferrando no caminho o trem chega na Central do Brasil e o ladrão cara de pau se manda quando eu levanto.
- Vá se fuder, seu crioulo filho da puta! - gritou o ladrão.
A minha reação foi simples: dedo do meio levantado. Nunca falha.
Porém já havia perdido completamente o horário. Não teria mais como dar aula hoje. Em seguida vou caminhando lentamente, tentando colocar minhas ideias no lugar. Hora de pegar o metrô. "Nada mais me surpreenderá", pensei comigo mesmo. Ao chegar na estação final eu vi que estava completamente enganado. Mas quem diria que uma das minhas alunas mais estabanada estava prestes a cair nos trilhos? Tinha que ser ela. Só podia ser ela. Ninguém mais é tão avoada dessa forma. Antes que uma tragédia maior acontecesse, consegui chegar a tempo e evitar a queda.
- PORRA, GAROTA! LARGA MÃO DE SER LERDA E ACORDA PARA VIDA! EU TENHO MAIS O QUE FAZER DO QUE FICAR CUIDANDO DE ALUNA ESTABANADA!
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De todas as pessoas do mundo
RomanceA história de Clarissa, uma estudante de mestrado de 25 anos, frustrada profissionalmente, romântica (não por opção) e distraída. Que se vê um dia dividida entre a fascinação e revolta por seu professor Carlos, um homem metódico (com orgulho), organ...