De todas as pessoas do mundo

De todos os conselhos ..

Assim que as palavras daquele homem descarado entraram pelos meus ouvidos eu me arrependi amargamente de ter incluído ele na minha fantasia sagrada de romance, e sem que eu pudesse sequer pensar antes de falar, as palavras apenas saíram da minha boca: 

- Olha aqui professor Carlos, salvar minha vida não te dá o direito descontar sua amargura em cima de mim, e como agradecimento, não vou mandar o senhor para o lugar onde merece.

Arranquei meu braço das mãos daquele troglodita, dei meia volta, e sai de perto dele e de todos os curiosos que se aglomeraram a nossa volta, com a minha mais perfeita postura de superioridade e maturidade, mas no fundo, meu coração batia tão forte que eu só pensava em me afastar daquela loucura para poder voltar a raciocinar, então, decidi ir de ônibus para o trabalho, pelo menos em meio a empurrões de pessoas nervosas eu me distrairia da raiva que estou sentindo.

 
Uma hora e meia depois consegui chegar no maravilhoso cursinho de inglês em que eu dava aula, e quando achei que o dia não poderia piorar, tive passar vinte minutos na sala da coordenadora, dez minutos para explicar o motivo do meu atraso e mais 10 minutos para tentar convencer aquela doce criatura de que eu não estava inventando o mequase acidente para me livrar do corte do meu bônus de pontualidade e eu não sei dizer se foi deus tendo piedade de mim ou o meu ótimo currículo fez com que ela não só mantivesse meu bônus, como também passou as minhas turmas para outro professor para que eu "descansasse" minha cabeça no período da manhã.

 
Aliviada e chocada pela prova de compaixão dela, tratei logo de pegar minhas coisas e sair de lá antes que ela pudesse mudar de ideia, mas, não fui direto para a minha sala, fui pra sala do meu anjo da guarda nesse mundo cão, meu lindo Diego, o melhor amigo e conselheiro que eu tinha, quando entrei na sala, sem ao menos bater na porta ele já sabia que algo não estava no lugar, fez sinal com a cabeça para que eu sentasse na cadeira do fundo e esperasse a aula acabar, e através do seu olhar doce, eu sabia que encontraria nele, mais uma vez, uma saída para a minha cabeça bagunçada, então, eu apenas sentei e esperei. 

Quando sentei, comecei a olhar ele dando aula e não consegui conter o flashback que tomou conta da minha mente, fui levada automaticamente para o processo seletivo, dois anos atrás, quando ele chegou perto de mim e perguntou se poderia ser minha dupla da dinâmica, lembrei como aquela simples pergunta acompanhada de um olhar doce fez o meu nervosismo e ansiedade fossem embora, naquele dia eu senti que aquela pessoa mudaria minha vida de alguma forma, e para a minha surpresa, assim que o processo acabou, ele virou pra mim e disse:
-Olha Clarissa, eu sei que pode parecer estranho, mas você aceitaria sair para comer pizza comigo? Estou morrendo de fome e não gosto de comer sozinho, eu pago.

 
E eu respondi com a maior naturalidade do mundo:

 
- Adoro pizza, ainda mais quando é de graça.

 
Sei que posso não parecer a pessoa mais realista do mundo, mas prometo que não fui para aquele restaurante com objetivos românticos, eu apenas fui, como se fossemos amigos a anos, lá conversamos sobre tudo, desabafei sobre todos os podres da minha vida sem pensar duas vezes, e ouvi aquele moreno lindo de 1,80 falar sobre a sua verdadeira paixão, a música, me explicou que era professor de inglês só para pagar seus estudos e a manutenção do seu violoncelo, e isso só fez a minha admiração por aquele desconhecido crescer, terminamos de comer, ele pagou a conta e me ofereceu uma carona pra casa, quase caí da cadeira, como nunca tinha pensado em arrumar um amigo com carro?.

 
No final da noite, na frente da minha casa, ele virou pra mim sem cerimônia e disse:

 
-Vou ser sincero, não estou interessado romanticamente em você, não me leve a mal, você é linda, mas minha única paixão no momento é a minha música, eu gostei muito de você e sinto que já somos amigos desde sempre, adoraria ter você para fingir estar apaixonado e tirar os meus pais do meu pé.

 
E eu só respondi:

 
-Que bom que você puxou esse assunto, também já te vejo como meu melhor amigo, quero você e seu carro pra sempre na minha vida, adoraria te ajudar com os seus pais se você prometer me salvar do metrô para a praia nos finais de semana.

 
E sem nenhum aviso, acordei do meu flashback com o som de cadeiras arrastando no chão, de alunos conversando ao sair da sala de aula e do Diego me chamando para sentar com ele lá na sua mesa, nem esperei para sentar, já comecei a contar o pesadelo de hoje de manhã, contei cada detalhe dando ênfase a minha frustração, e como um amigo maravilhoso que ele é, esperou que eu terminasse de falar para olhar no fundo dos meus olhos e soltar aquela risada escandalosa que só ele sabe dar e quando eu achei que viria o conselho milagroso, eu tive o desprazer de escutar:

 
-Cuidado Clarissa, essa raiva toda tem um ótimo potencial de ser tesão reprimido, paixão entre professor e aluno é mais normal do que você imagina.

 
E sem acreditar naquele absurdo que eu estava escutando, peguei minhas coisas e fui embora, só parei na porta para dizer:

 
-A gente só vai voltar a conversar quando você acordar desse surto e a minha frustração com o gênero masculino passar. 

Fiz a minha saída dramática e só pude ouvir a risada do Diego, que se tornou extremamente irritante depois daquela conversa absurda, resolvi focar nos meus alunos, já que eu teria aula do mestrado mais tarde e eu teria que engolir a carona do meu melhor amigo debochado e a aula do meu professor presunçoso.