Adeus, rotina

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            Jason bateu a porta com força e tirou o suor da testa com o antebraço. Joel e seu pai o observavam calados, afastando-se. Ele fez um aceno com a cabeça, e guardou a pistola na cintura, ao se virar, Dalton se viu com os olhos marejados, vendo a roupa do filho respingada de sangue.

- Ah, meu filho, o que você fez? - Ele disse, se aproximando, com medo.

- Pai, não estamos seguros. Eles... eles não eram nossos amigos, nossos vizinhos. Essa doença... Isso que foi contado pelo rádio, está acontecendo. Chegou aqui. Precisamos sair, precisamos pegar seu carro e... - Ao ver a expressão de Dalton se entristecer, Jason sentiu suas veias pulsarem. - Onde está o carro?

- Eu tive de levar na oficina, estava puxando para a direita. O Maicon não tinha tempo e pediu que eu deixasse lá.

- Droga! 

- Jason, fique calmo. Alguém deve vir nos ajudar.

            Como se os céus ouvissem a voz de Joel, tiros de armas táticas foram escutados a distancia, e não demorou para que o exército chegasse a porta deles. Conferiu apenas Jason, por conta do sangue em sua roupa, e então os jogou no caminhão. No fundo do comboio cheio de desconhecidos, os três observaram sua amada cidade em chamas. Todo o silêncio da manhã deu lugar a gritos, a sangue, a correria. Quando passaram pelo supermercado, Jason pediu que esperassem. Implorou.

- O que você quer fazer? Estamos cheios!

- Por favor, esperem só alguns minutos, se eu não voltar podem seguir.

- Jason! Volte aqui! - Dalton gritou, e Joel o segurou, pedindo que deixasse que ele fosse.

         Com a pistola em mãos, Jason se aproximou da bagunça em frente ao mercado, e tentando olhar por cima da multidão desesperada por mantimentos, conseguiu vê-la através da porta de vidro. Deu a volta e entrou pela porta de serviço forçando-a. Sabia que a maçaneta já estava solta tinha um tempo, mas Marcus nunca o escutava sobre reformas. Chegando na frente, Marcus levou um susto. A pistola estava mirando ele.

- Marcus.

- Jason, o que está fazendo, vai se aproveitar da situação para me matar? Não vai sair impune!

Jason sorriu cinicamente. - Eu vim salvar a sua filha.

- Minha filha? - Indagou o homem, quando escutou o vidro da porta se quebrar e aquela multidão invadir, atropelando-o, pisoteando-o como se ele não passasse de lixo. Jason fugiu do caminho da multidão com Sabrina a tempo, e quando o caminho se tornou mais livre, foi até Marcus para levanta-lo. O olho direito estava sangrando e inchado, a cabeça também sangrava, e estava coberto de escoriações pelos braços e pernas. Jason não sabia o que fazer, olhou para a rua, onde viu outras pessoas tomando seu lugar no camburão. O Militar, o vendo, acenou para que ele corresse.

- Eu preciso ir, Marcus, vou protege-la, eu prometo.

         Ao sair correndo, Jason e Sabrina foram derrubados por alguém. E enquanto uma gritaria incessante se iniciava, ele viu o comboio os deixar para trás. Ergueu-se com dificuldade, o braço esquerdo doía, o corpo inteiro parecia rígido, Sabrina começou a gritar. Ele parecia um monstro, o homem que estava sobre ela. Devia pesar mais de 90kg, e o que mais apavorava era que o couro cabeludo pendia para trás, deixando parte do cérebro a mostra. Ele babava sobre a garota, como um lobo faminto enlouquecido por achar comida. "Enlouquecidos", essa palavra não saia da cabeça de Jason.

     Com um assobio, Jason chamou a sua atenção, para enfiar uma bala bem no meio da sua testa logo em seguida. Sabrina correu em direção a ele, o abraçando com força. Dentro do supermercado, Jason notou mais deles atacando quem havia entrado, e muito mais correndo pelo estacionamento.  Marcus, nos seus últimos suspiros, se ajoelhou e pediu perdão a filha, sendo atacado logo em seguida. Jason fechou os olhos da menina, e correu com ela o mais rápido que pode. Correu tanto, com ela nos braços, na missão de salva-la, que não sentia mais dores, e suas pernas não cansavam. Não conseguindo seguir pela rua principal a pé, começou a pegar as paralelas, afim de chegar a praça e alcançar o comboio novamente.

       Foi quando se viu em frente ao trabalho de Joel, a farmácia do Sr. Holand. A rua dele estava escura e sem movimentos, os ecos de desespero do resto da cidade eram perturbadores, Jason bateu a porta. E para sua surpresa, Holand surgiu, com o semblante aliviado.

- Por Deus, você está bem! - Ele o abraçou. - Sabrina? Então...

- Todos estão morrendo, Holand. Feche a porta novamente, eu só preciso de água, precisamos ir para nos encontrar com o comboio Militar.

- Um comboio?

- Sim, não disseram nada, mas você precisava ver o que eu vi. É assustador, sangrento, apavorante. Todos estão se atacando, se mordendo como animais. Eles não sentem dor, ficam totalmente fora de si. Febril, e aqueles olhares... Brancos, como se - Jason deu de ombros - se tivessem possuídos. 

- Não, não é nada paranormal. Isso é um vírus, com certeza. Mas, de onde isso surgiu?

- Ta se fazendo essa pergunta a toa, devemos ir e perguntar aos Militares. Se eles não contarem...

- A culpa é deles.

- Exatamente.

- Eu vou preparar duas mochilas com remédios e primeiros socorros, deve vir a ser útil. - Antes de Holand sair, virou-se e, com medo no olhar, perguntou sobre Joel.

- Ele e o pai estão no comboio. Estão bem, eu espero. 

      O mesmo alivio de antes voltou ao semblante de Holand, e Jason foi conferir Sabrina.

- Como está indo? - Ele começou a verificar se ela não tinha nenhuma mordida, ou machucado. Se lembrou da vizinha que havia matado, e concordou que essas lembranças seriam seus demônios mesmo que tudo viesse a se resolver.

- Eu... me sinto estranha.

- Se é sobre seu pai...

- Sim, é sobre ele... Jason, todas as coisas horríveis que ele me fez por 14 anos... E mesmo assim, ver ele fazer aquilo... 

- Estamos prontos, vamos. - Holand surgiu, cortando a conversa sem perceber. - Também coloquei uma garrafa de água em cada, era tudo que eu tinha de útil na geladeira. Sinto muito.

- Está tudo bem. - Jason respondeu, pondo a mochila nas costas. -  Sabrina, vou precisar que segure a minha mão, vai ter que dar o melhor de si e correr, não importa o que veja. Se for necessário eu vou te arrastar pelo braço, e não vou querer ninguém reclamando depois. 

    A menina encheu as bochechas e virou o rosto, segurando o riso. Como se não tivessem problemas piores que arranhões. A farmácia não ficava longe da praça, e o caminho ainda parecia tranquilo, ao contar de 3, saíram correndo. Evitaram contato sempre que podiam, e tinham de ser fortes para não ir atrás de um pedido de socorro. Alguém iria, não eles, outro alguém. Todos seriam salvos. Finalmente chegando na saída da praça, viram os Militares atirando em tudo e todos que corria em direção a eles e precisavam de um plano.

- Gritar? - Holand sugeriu, e Jason não teve argumentos, até que, por sorte, avistou Joel atrás de alguns militares, procurando por ele, com certeza, procurando pelo seu irmão.

Acenando, Jason chamou sua atenção, e Joel imediatamente avisou aos Militares, que começaram a abrir caminho. Mas o quão horrível isso podia soar? As pessoas, alucinadas, enlouquecidas em ódio, gritavam e corriam sem medo em direção a eles e aos militares, e um amontoado de corpos foi se criando ao seu redor, até chegarem a segurança. Ao se virar, Jason só tinha um pensamento na cabeça: Era o fim do mundo.

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