Não Esqueça

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- Jason, o senhor Philipes veio me dizer que você quase quebrou o cortador de grama dele. O que aconteceu?

- Desculpa, pai. Aquela coisa velha já ta querendo pifar, e eu acabei chutando ela.

- Você vai fazer 20 anos, não pode continuar agindo como uma criança.

- Eu não preciso que o senhor me diga isso. Eu só... Eu to exausto. Eu tento ser o melhor irmão pro Joel desde que a gente se entende por gente, e agora, to nessa situação. Desempregado, e arrumando problemas com todo mundo. Ele deve sentir vergonha de mim a essa altura. Eu consigo ver as velhinhas dizendo pra ele  - Jason alterou a voz para fazer jus a velhinhas - "você é um bom menino! Não é igual aquele seu irmão inutil" - então bufou, jogando o prato que lavava no escorredor.

- Tem razão. Elas dizem isso. - Dalton falou, seriamente, olhando para o prato. Jason não acreditou e deu uma risada de desdém. - Mas seu irmão com certeza responde que você só não encontrou o seu lugar ainda.

       Jason acordou com essa conversa ecoando na sua mente, verificou seu pai, e viu que Joel não estava deitado. Subiu até o terraço e o encontrou sozinho, Mike dormia num canto.

- Ele dormiu a noite toda aqui fora, Joel? - Jason questionou, então limpou a garganta.

- É. Ele vai-

- Acordar espirrando. - Disseram juntos.

- Nosso pai sempre falava isso quando a gente dormia na varanda de casa. - Relembrou Joel, sorrindo. - Isso tudo... É uma loucura. É insano. Ainda sinto que to num pesadelo. Que vou acordar atrasado e vai ter 50 chamadas do Holand no meu celular.

- Eu queria que fosse assim. Bem como todo mundo que ta lutando por suas vidas mundo a fora. Mas não é, Joel. Você entendeu isso, não volte a ser quem era.

- Quem eu era?

- Quando você viu o Holand... - Jason escolhia as palavras com cuidado. - Você sabia o que tinha que fazer. Você não hesitou. Antigamente você hesitava até sobre qual sabonete comprar.

- É que, como podemos ter certeza que não estão vivos, Jason? - O semblante de Joel era cansado, apreensivo, angustiado.

- Eu- Jason foi cortado por Priscila abrindo a porta do terraço com força.

- Rapazes. - Ela disse, parecia tímida. Diferente da mulher do dia anterior. - O que vão fazer hoje?

- Vamos partir. Não queremos te trazer mais problemas. - Joel respondeu prontamente, levantando-se.

- Eu vou ir acordar os outros. - Jason disse, e passou por Priscila sem tirar os olhos dela. Sentia que ela sacaria aquela faca e mataria aos dois num piscar.

- Eu quero... Ir com vocês. Eu e pelo menos mais 5 pessoas. Meus amigos. Os outros querem ficar. Acham que estão seguros, que se racionarem a comida vai durar tempo suficiente para o mundo mudar.

- Não vai mudar.

- Eu sei. Sabemos. - Ela disse, mais solta, se aproximando de Joel. Os dois passaram a analisar as estradas. - Quando os vi - começou ela, agora seu rosto estava mais próximo. Joel pensou em como ela era bonita. E sentia o calor de estar vivo crescendo entre eles. - eu soube que eram nossa "grande oportunidade". - ela riu.

- Então é isso que somos para você. - Joel fingiu decepção.

- Não, não. Não foi isso que quis dizer. - Ela disse, nervosa. Temia estar estragando a chance que tinha de sair dali e se salvar. Mas no fundo temia também passar uma imagem errada dela para o homem que acabara de conhecer e já sentia uma ligação. Uma pequena e nada familiar ligação.

Joel deu uma breve risada, Mike começou a acordar, e espirrou. - Eu estou brincando com você. - Disse, olhando para Mike, então se virou e a olhou nos olhos. Por quê sentia uma atração tão forte por alguém que estava no dia anterior esmagando cabeças com uma marreta?

Priscila suspirou em alívio, e Jason surgiu, dizendo que já podiam ir. Joel contou que ela e os amigos iriam juntos. Discutiram brevemente sobre o espaço no caminhão e a pouca gasolina, então resolveram se separar em grupos. Não foi difícil arrumar carros funcionando, grandes e com tanques cheios. Todos sairam correndo, todos largaram tudo que tinham. Incluindo as chaves em suas iguinições. Os motoristas principais seriam Joel, Jason e Mike. A viagem era longa, Dalton foi com Jason, pois era o mais propício a dormir no volante. Priscila foi com Joel, e Sabrina com Mike. Ela gostava dele. Mas estava triste por não saber dirigir. O restante do grupo os seguia. Tinham mantimentos para apenas alguns dias de viagem, logo teriam que parar.

E assim foi. Era estranho, parecia uma excursão, só que sem a parte "alegre". Precisavam parar constantemente para retirar obstáculos da estrada, ou limpar o caminho de infectados raivosos. Era difícil ver sobreviventes pedindo por ajuda e não poder ajudar. Enquanto passavam por bairros de todas as classes, ou pelas rodovias principais de grandes cidades, encontravam placas, lençóis estendidos para fora das janelas de prédios, com pedidos de socorro escritos, pessoas acenando de seus telhados. Eles aguardavam o exército. Aguardavam alguém para os salvar.

- Vai ser difícil. - Comentou Priscila, Joel a olhou e quis segurar sua mão, que repousava sobre sua perna calmamente. Ele se conteve e virou o rosto. O que estava pensando uma hora daquelas?

- O que vai ser difícil? - Ele perguntou, quando voltou a si.

- Para eles. Ainda não perceberam que... Foi tudo perdido.

- Ainda estão vivos. Quando tiverem que lutar, eu sei que irão. A humanidade não vai ser extinta ainda.

- Seu otimismo era tudo o que eu precisava. - Priscila foi sarcástica sem ser má e os dois riram.

- Olha - de repente, Mauro, o melhor amigo de Priscila que estava sentado no banco de trás se inclinou para frente. Sua namorada, Rose, dava risada ao lado dele. - É o fim do mundo, vocês não precisam ficar de charminho. Partem logo para o que querem fazer.

- O quê? - Disse Priscila, vermelha. Instintivamente pegou o cabo da sua marreta em mãos. Joel começou a rir, até que parou o carro bruscamente. Jason, na frente, havia parado e descido. Vinha na direção deles. Parou por um segundo na janela de Joel e pediu que ficassem no carro. Pelo retrovisor, Joel percebeu que o último carro do comboio estava parado a distancia e uma movimentação tinha se instalado entre os sobreviventes. Jason já estava com sua pistola nas mãos.

- Meu Deus... - Joel abriu a porta e percebeu que queria ter virado o olhar. Jason atirou, sem hesitar, numa das crianças que havia salvado na base Militar. Outras duas jaziam no chão, ensaguentadas. A mãe de uma delas gritava, ajoelhada ao chão, chorando. Pedia para ser morta também.

- Jason! - Joel gritou, estavam numa rua estreita, um barranco do lado esquerdo continha infectados agarrados a uma cerca. Ali era uma praça. Do outro lado, os prédios faziam sombra e tornava o ambiente tenebroso. Joel não queria ter percebido. Priscila saiu do carro e foi em direção a eles. Gritou, questionando se Jason queria matar a todos de uma só vez.

Sem responder, Jason disse a mulher que ela poderia continuar com eles, ou ficar para trás. Sentia medo por ela. Jason tremia. A mulher, parando de soluçar, olhou para o corpo das crianças, já havia perdido o marido, não tinha por que continuar. Jason e Priscila voltaram para os carros. O comboio seguiu, e Joel, pelo retrovisor, viu os infectados se aproximarem da mulher e começarem a devora-la. Uma lágrima desceu pelo seu rosto. Não havia tempo para esquecer. Eles não podiam esquecer. Aquele era o mundo que estavam. As pessoas surgiam infectadas do nada, os sintomas só eram percebidos tardes demais. Não podiam se distrair. Não podiam esquecer, em hipótese alguma, que para ficarem vivos, teriam que ter consciência da morte andando sobe a terra.

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