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Quando acordei naquela manhã, tudo parecia igual. A claridade entrava pela janela iluminando o quarto e o cheiro da terra molhada causava um conforto. Me lembrava de ter chorado tanto quanto chovia lá fora. Depois de ficar alguns minutos na cama, me vesti e logo desci para a cozinha. 

- Bom dia, Alice - papai me cumprimentou assim que me sentei. 

Ignorei e peguei uma das torradas recém colocadas na mesa por Sarah. 

- Bom dia - Sarah falou assim que se virou para a mesa, colocando café nas xícaras de todos. 

- Você está bem? - Noah disse, tomando um gole do seu café em seguida. 

- Por que eu não estaria? - mordi mais um pedaço da minha torrada. 

- Você chegou... - olhei para ele antes que completasse a frase, deixando claro que eu não queria que ele mencionasse que tinha chegado tarde ontem. Eu não precisava de uma rodada de interrogações com meu pai.

- Todos estarão em casa hoje? Estou pensando em fazer um jantar - Sarah começou dizendo, tomando atenção de nós três. - Podemos jantar como uma família. 

- Eu estarei em casa, querida. 

- Também estarei em casa, mãe. 

Todos os olhares foram dirigidos a mim. 

- Podemos contar com você, Alice? - Sarah me olhou com esperança nos olhos. 

- Vou jantar com Steve hoje - tomei um gole do café que estava na minha frente. 

- Alice... já conversamos sobre isso. Você precisa se esforçar para... - antes que papai concluísse sua frase, me levantei indo em direção a porta. 

- Vejo vocês depois - falei antes de bater a porta atrás de mim.

O caminho de casa até a escola, era bastante calmo. Enquanto andava senti a brisa deixando alguns fios rebeldes. Escutei o cascalho sendo esmagado a cada passo que eu dava. O sol já começava a brilhar cada vez mais, mesmo com a chuva de ontem, as ruas já se encontravam praticamente secas. Chegando na escola, não tive muita paciência para cumprimentar ninguém, me dirigi diretamente para a sala, me sentando no lugar de sempre. 

Poucos minutos depois, Valentina já tinha se acomodado na carteira de trás. 

- Bom dia, Alice! - seu humor logo de manhã ainda era uma surpresa pra mim, mas todos os dias ela demonstrava uma alegria e bom humor, sempre sorridente. As vezes eu me perguntava como alguém poderia esbanjar tanta alegria e claro, como ela conseguia ser tão detestável as vezes.

- Bom dia - me virei pra ela, preparada para escutá-la falar - Aposto que você está louca para me contar sobre o encontro de ontem, não é? 

- É claro, como soube?!

- Apenas um palpite.

- Enfim, ele me buscou ontem, apareceu na porta da minha casa como um príncipe. Ele até abriu a porta para mim. Nós jantamos e logo depois fomos para o cinema. E foi como um um conto dos meus livros de romance, eu deixei a mão aberta para caso ele quisesse entrelaçar os nosso dedos, mas sem deixar muito óbvio, então ele pegou minha mão! E mais... - parei de escutar Valentina quando vi Steve passando na porta. Ele olhou para dentro da sala e quando me viu, sorriu, mas não fui capaz de corresponder o sorriso e então ele se retirou.

Depois que o professor de biologia chegou, Valentina teve que parar de falar, mas não sem antes prometer mais detalhes. O resto das aulas passaram rápido e então depois de dar um "até mais" a Valentina, me vi procurando Steve na saída. Parte de mim ainda estava brava por ontem e porque situações como aquela eram normais no nosso relacionamento. Quando eu o vi com outras garotas ao seu redor fiquei parada analisando as ações dele, queria ver com meus próprios olhos até onde ele iria. Steve estava escorado no capô do seu carro, com um cigarro entre o indicador e dedo médio. Ele ria enquanto conversava com as outras garotas e nem me enxergou.

Essa cena me lembrava de dois anos antes. Já acontecia com frequência Steve estar rodeado de meninas. Mas um dia em especial, nossos olhos se encontraram e por um segundo eu esqueci como se respirava. Como criança, eu desviei o olhar dele, abaixando a cabeça envergonhada, mas a curiosidade me fez olhá-lo de volta. E então eu vi o sorriso aparecer em seu rosto e até olhei para os lados, para me certificar de que ele estava mesmo sorrindo pra mim. E ele estava. Eu me sentia tão feliz quando ele olhou pra mim e sorriu, no entanto, quando Steve olhou pra mim hoje, eu senti uma pontada de raiva e me virei correndo a caminho de casa.

Quando virei a esquina e tive certeza de que ele não viria atrás, seu carro parou do meu lado.

- Oi, docinho - ele sorriu sacana.

Eu ignorei e apressei o passo, mas é claro que ele me alcançou novamente com o carro. Respirei fundo.

- Ainda está brava por ontem? - ele perguntou - Qual é, Alice? Eu só queria me divertir e você tinha me dito que estava cansada. 

- Deveria ter me avisado. Eu odeio isso - falei olhando para as folhas que estavam no chão.

- Odeia o que? - ele perguntou com um quê de inocência na voz e então eu me virei antes para ele antes de falar.

- Você nunca me fala onde está indo. Sempre está rodeado de garotas. E toda vez que estamos juntos, você parece querer ir embora. Por que isso? - eu sempre tinha a constante sensação de que a qualquer momento eu seria trocada por outra garota e talvez era esse motivo de eu estar tão preocupada. 

- Minha popularidade te incomoda? Está com inveja do seu namorado chamar tanta atenção? - ele sempre usava a mesma desculpa, mas eu só queria que o meu namorado me desse mais atenção, era pedir demais?

- Não é isso. Mas você não deveria ir aos lugares sem mim, não deveria deixar outras garotas tocarem em você. Eu não gosto disso, por que você não entende? - falei aumentando o meu tom de voz. 

Steve suspirou e apertou apertou a ponta do nariz, fechando os olhos. Como sempre, ele evitava tudo que eu expunha como problema.

- Entra no carro, te levarei para casa.

- Não quero carona - cruzei os braços.

- Entra no carro, Alice! - ele levantou sua cabeça na minha direção. 

Eu já podia sentir as gotas de lágrimas se formarem em meus olhos. Não gostava de quando as pessoas gritavam comigo, mas quando Steve gritava eu me sentia ainda pior. 

- Por que a gente ainda namora? Você não sabe apreciar o namorado que você tem. Qual é o seu maldito problema, Alice? Estou tentando resolver a nossa briga, por que está começando outra?  

- Eu só não gosto das coisas que você faz, mas eu ainda quero ficar com você. Namoramos há três anos, talvez só precisamos de mais tempos juntos - eu sorri pra ele - Como nos velhos tempos - falei esperançosa. 

- É, talvez - ele suspirou - Vou ir pra casa agora.

- Tudo bem. - assenti. - Que tal um cinema hoje? 

- Não sei se quero sair hoje - ele olhou para frente. 

- Tá - assenti. Suspirei com o pensamento de que eu não deveria agir assim com ele. Deveria ser frustrante para ele. 

Dito isso, ele ligou e acelerou o carro, dando partida. 

Quando cheguei em casa encontrei Noah sentado no sofá e antes que eu pudesse subir um degrau, escutei sua voz. 

- Você está bem? 

- Estou. 

E antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, corri para meu quarto, trancando-me lá dentro. 


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