Eu me lembrava claramente de quando Robert foi embora de casa. Era um dia quente, em pleno verão. Ainda podia escutar os gritos absurdamente altos da mamãe, gritando coisas como "você não pode ir" ou "você é um idiota, Robert Barns". Mesmo eu sendo muito nova, não tem como esquecer o dia em que o seu pai vai embora de casa. Eu me lembro de ter agarrado a perna dele, enquanto ele jogava uma mala dentro do carro.
- Papai, não vá embora.- a Alice de dez anos implorou com lágrimas transbordando dos olhos.
- Eu ainda vou ver você, pequena. Só não vamos morar mais juntos. - ele se abaixou para enxugar a lágrima do meu rosto e me olhou cuidadosamente. - Papai vai te ver depois. Agora eu preciso ir.
Com essa promessa, eu o soltei e o deixei entrar no carro e partir.
Mamãe entrou na casa aos prantos, jogando todos as fotografias em que ele estava no chão, quebrando as molduras de vidro em mil pedaços. Depois foi em direção ao quarto, com passos pesados e abriu o armário com certa indelicadeza e pegou as poucas roupas que não tinha levado e as jogou no braço, se dirigindo para a área de limpeza, onde pegou um saco de lixo e as jogou dentro.
Ela chorava alto, como se estivessem arrancando um pedaço dela. Como se ela tivesse um machucado aberto. Em carne viva. As mãos dela subiram ao encontro do cabelo, puxando-os com força. Mamãe escorregou para o chão, desabando totalmente.
E lá estava a mulher em que eu mais amava, deitada no chão sujo, com um choro lamentável e o estado mais deplorável que ela tinha.
Naquele instante, eu guardei rancor de Robert, por fazê-la sofrer daquela maneira cruel.
Tempos depois, quando achei que ela melhoraria, mas como uma esperança controversa, ela se deprimiu. Chegou a um pouco de sequer sair da cama. As cortinas sempre estavam fechadas e ela mal comia. Vovó Marie teve que se mudar temporariamente para a nossa casa, para cuidar de mim e da filha. Nós achamos que ela morreria. E eu odiei meu pai. O odiei por ter feito aquilo com ela.
Graças à um milagre, mamãe melhorou consideravelmente. Nossa vida finalmente tomou um rumo. Vovó voltou para o interior, mamãe começou a trabalhar novamente. E então, veio o diagnóstico.
Como se mamãe precisasse de mais desgraça na sua vida, ela ainda teve um câncer.
Depois disso, ela trabalhou o que pode e cuidou de mim o máximo de tempo que teve.
O meu ressentimento por Robert veio assim que vi a situação em que ele deixou a minha mãe e cresceu quando pensei que ele também tinha me abandonado.
Eu não só odiava o meu pai, como também me odiava. A culpa de ter dito "odeio você", no último dia da vida dela, me corroía. Ela tinha cuidado de mim e a última coisa que ela ouviu de mim foi uma frase cheio de fúria e braveza.
No dia em que o funeral ocorreu, a culpa me atingiu em cheio. Quando aquelas pessoas a carregam para a sepultura, eu me descontrolei. Corri para a caixa de madeira que prendia o seu corpo e me debrucei sobre ele, murmurando vários pedidos de desculpas inaudíveis. Eu fiquei ali chorando da forma mais escandalosa o possível. E gritei mais ainda quando Steve passou seus braços pelo meu corpo me tirando de perto.
Ele levou para longe e nos sentamos num banco perto de algumas árvores. Steve me abraçava forte, como se eu pudesse desfazer em braços. Foi ali, pela primeira vez em que eu senti medo que Steve me deixasse como Robert deixou mamãe. Medo de que ele também fosse embora como a minha mãe e me deixasse sozinha.
- Você não vai me abandonar, não é? - tentei falar em meio as lágrimas.
- Nunca. - pelo que eu me lembrava, a voz dele tinha sido reconfortante e segura, talvez por isso eu me segurei em Steve.
Eu passei a me agarrar tão forte em Steve, que confiei cegamente nele. Porque eu precisava dele de uma forma tão desesperadora que doía. Eu sabia que sem pai e agora sem mãe, eu iria precisar de alguém, de um apoio. E lá estava Steve, como uma rocha firme sobre a qual eu podia me prender.
Naquele dia eu chorei tanto que a chuva que caía parecia um garoa em comparação as minhas lágrimas. Naquele dia a realidade me alcançou da forma mais cruel e atroz. Naquele dia eu odiei Robert mais do que nunca e também me odiei.
Depois de ler a carta, mal pude encarar Sarah. Me sentia culpada por a ter julgada antes mesmo de conhecê-la bem.
Eu sabia muito bem o que era sofrer um julgamento precoce. Fiquei tentada a me desculpar com ela, mas eu não queria admitir que a minha opinião acerca da índole de Sarah estava errada. E também, havia é claro a questão do quanto Robert sentiria uma satisfação em saber que finalmente estávamos nos dando bem, caminhando para um novo estágio que ele chamaria de "família".
Mesmo que Sarah não tivesse tido um envolvimento direto com o casamento dos meus pais - ou final dele -, eu não estava pronta para entrar para a família.
Caso entrasse, eu me sentiria como uma traidora. A única família mais próxima que mamãe tinha, era eu. Então mesmo que ela tenha partido, ela continuaria fazendo parte da minha família.
Mamãe nunca cansava de me dizer isso. Eu deitava em seu colo todas as noites e ela acariciava os meus cabelos com uma delicadeza imensurável. Quando eu me preocupava com o seu semblante abatido, a perguntava se ela sentia falta de uma família de verdade. Afinal, os dias em que éramos três, pareciam ser os mais felizes, não me lembrava dela tão desanimada com tanta frequência. Mas para o meu conforto ela sempre dizia com a voz doce e carregada de ternura que eu era a única família que ela precisava. As palavras dela me causavam uma onda de alívio.
Era por isso a resistência de aceitar que Robert se importava o suficiente comigo a ponto de não me abandonar e de que Sarah não tivesse arruinado com a única coisa que eu chamava de "família".
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Imersa
RomanceAlice teve um clássico romance com um bad boy da escola, do jeito que as histórias clichês contam. Todavia, depois de alguns anos a relação dela vai se desbotando, a colocando em um dilema: continuar com o seu romance ou dar um fim na história do ca...