Deixa de ser orgulhosa

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Heloísa

Uma das coisas mais baixas que você pode fazer com alguém da comunidade LGBT+ é tirar a pessoa do armário, ainda mais de uma forma tão nojenta, tão pública. Isso não se faz. Depois que vi a lista, tudo a minha volta estava devagar. Meu pai olhou para mim e para os outros alunos, o olhar dele, de novo, não tinha como esconder o desprezo que ele estava sentindo.

Acredito que ele estava se preparando para falar alguma coisa, quando um dos coordenadores apareceu desesperado dizendo que tinham mais cópias da lista espalhadas pelo colégio inteiro e ele saiu correndo, sem nem dizer nada. Até deixou essa lista para trás.

Os alunos que ficaram de fora da lista me encaravam enquanto eu lia o resto dos nomes: Clara estava lá, Samantha tinha seu nome logo abaixo do meu, alguns meninos que eu já imaginava e até mesmo Gabriel Romano. Meu Deus, o menino começaria as aulas numa escola nova e já passava por uma situação assim. E como descobriram?

A lista era enorme, tanta gente sendo exposta de uma forma cruel e eu sentia que era minha culpa. Fiquei com raiva, por ter certeza de quem havia feito isso e como eu estava diretamente ligada aos motivos. Arranquei o papel da parede como se isso obrigasse esse sentimento ruim sumir também, mas não foi o que aconteceu.

Fui correndo para o banheiro, afastei todo mundo da minha frente e quando finalmente fiquei só, rasguei aquele pedaço de papel em mil pedacinhos, nem percebi que estava chorando até uma lágrima dramática cair em meu braço.

— Que inferno!

— Eu sinto muito, Lica. — Saltei no susto. Porra, eu esqueci que ela existia por alguns segundos.

— Você podia ter me avisado. — A raiva em minha voz estava tão nítida que se eu fosse a minha versão mais velha eu sumiria. Eu a encarava pelo espelho, meu rosto extremamente vermelho e os lábios tremendo de ódio.

— Eu falei que vai ficar tudo bem.

— Não me parece tudo bem, Heloísa! — Gritei de volta. Eu me arrependo de ter ficado com tanta raiva de Lica 26, não foi ela quem pregou aquilo na parede, mas é que porra. Tudo na minha vida estava um caos desde que ela havia brotado, difícil demais separar esse sentimento ruim. — Você deveria ter avisado! Ou ter, sei lá, impedido!

— Eu não tenho como fazer isso. — Desenterrei o rosto das mãos para poder encará-la.

— Me deixa só, por favor.

E assim ela fez, desapareceu assim como havia brotado.

Me encarei no espelho, tentando me enxergar de verdade. Foram aí muitos anos fingindo que eu não era quem eu sou, muitos anos me enganando, muito sentimento reprimido. Para, de repente, vir um filho da puta e expor tudo como se a minha vida fosse da conta de alguém. Não é, nunca foi. E ainda mais usar quem eu sou para me atingir, muito baixo.

A porta sendo escancarada me assustou novamente e eu estava a ponto de mandar Lica 26 tomar no cu quando percebi que era Tina quem vinha, seguida de Ellen, Sam e Clara. O rosto da minha irmã estava mais inchado que o meu, a maquiagem escorrendo no rosto e as mãos tremendo. Ela correu e me abraçou, retribuí com força enquanto observei Samantha.

Ela, no momento, era uma incógnita para mim. Estava com o rosto meio inchado também, os lábios já carnudos extremamente inchados, mas isso contrastava com a sua expressão impassível.

— Calma, Clara. Calma. — Minhas palavras surtiram efeito contrário, fazendo-a chorar ainda mais.

— Ele viu, Lica! Ele viu! Ele vai acabar com a gente. Ele e a minha mãe, eles vão...

Amanhã - LimanthaWhere stories live. Discover now