Em dezembro de 81

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E vamos de antepenúltimo capítulo
Jogo após jogo, o tempo se mostra como ele é: imparável.
Enquanto eu demorei muito tempo para ter a memória de uma Copa do Mundo, o Leon teve ainda criança e de uma forma mágica: com o pai sendo artilheiro.
No voo de volta para casa, meu marido deita na minha coxa e eu faço carinho nele. Nossos filhos dormiam pesadamente, mas Gabi se mostrava muito mais cansado que eles
- O que foi, amor? - dou um beijo em sua bochecha
- To velho - ele ri
- Só por que passou dos 30 não quer dizer que seja velho - rio também
- Mas to velho pro futebol... - ele fala triste
- Amor, você joga muito. Você é o melhor do mundo.
- Mas a idade chega.... pra todo mundo. Daqui a pouco eu posso me lesionar, parar de render. Não é isso que quero. Eu vou parar. Quero parar ainda bem
- Certeza?
- Pensei muito sobre... dói, mas é isso
- Então eu te apoio
Reunião com o pessoal do Flamengo. O contrato dele termina ano que vem. Decidimos que será a última temporada. Tenho mais um ano e meio para curtir o melhor futebol que já vi.
Numa final de mundial, nada de novo sob o sol. Gabriel fazendo gol e nós conquistando mais um caneco. Difícil vai ser explicar para o Leon que o Flamengo pode não mais ganhar tudo daqui para frente.
Enquanto estamos tirando a foto com nossas crianças e com a taça, Gabriel diz:
- Eu cheguei à final do mundial. Ano que vem quero estar aqui de novo, conquistando o mundo.
Se aposentar numa final de mundial? Gabriel é maluco...
- Que nem em Dezembro de 81? - brinco
- Exatamente
A FIFA, como sempre, se aproveita do fato de um dos maiores nomes do esporte se aposentar naquela temporada. Final do mundial no Maraca. Ainda mais pressão...
Que o Gabriel é ídolo no Flamengo eu tenho certeza, eu acho ele gigante...
Desde os dois gols contra o River em 2019, eu sei o quão sortuda sou por tê-lo perto de mim. Não vivi o Flamengo campeão mundial de 81, mas vivi todos os outros incontáveis títulos fodas. Não só vivi como fiz parte, sendo esposa do jogador mais foda.
Gabriel foi para mim e para a minha geração como Zico foi para meu pai e para meu avô. Uma lenda. Um gigante na carreira.
Eu até diria "que se foda a Europa", mas ele passou longe de ser um fracassado na Europa. Tudo que ele precisava era de oportunidade.
Eu fiz questão de estar em cada jogo do último ano dele. Não me importava cidade, país ou continente, eu e nossos filhos estaríamos lá. Só queria que eles entendessem o privilégio que é ver Gabigol jogar.
Meu primeiro jogo internacional foi pela Libertadores, na época em que o Flamengo não ganhava nada. Se eu não fosse muito influenciada por meu pai, talvez deixasse de ser flamenguista ali. Meu sonho é que ele voltasse a ser esse pai que me apoiava e ajudava nas minhas escolhas.
Meu celular toca e, ao ler o nome no visor, penso que dessa vez pudesse dar certo. Assim como o Gabriel precisou de mais uma chance na Europa, meu pai precisava de mais uma para ser... pai.
Atendo.
- Você ficou maluca? - ele praticamente grita
É, me enganei
- Estou ocupada. Trabalhando. O que você quer? - respondo
- Quero saber se você ficou doida em destruir todo o império que eu construí. Eu trabalhei muito para uma mimada irresponsável deixar tudo largado para acompanhar o marido
De novo não...
- Eu trabalho. Muito, na verdade, tanto que a empresa não parou de crescer. Eu não deixo as coisas largadas, mas eu vou sim acompanhar meu marido e meus filhos, sabe por quê? Porque eu sei como é crescer com pais que preferem passar o dia trancados num escritório a sair para dar uma volta com a filha, e não vou deixar meus filhos saberem o que é isso. Você pode ter criado a empresa, mas ela é minha. Não sou mimada nem irresponsável, sou uma mulher que sabe muito bem com que está lidando. Não volte a me ligar, tá? Sua opinião não me acrescenta em nada e tampouco me importa.
Desligo. Bem, na verdade, me importava muito...
- Narração dele -
Saio do treino, busco a Jolie na creche, o Leon na escola e vamos para casa. Quando chego, passo rápido no quarto, pois precisava malhar. Vou fazer o máximo para manter a forma.
Quando abro a porta, minha mulher está chorando e jogada na cama
- Vida, o que foi? - deito do lado dela e faço carinho
- Meu pai... - ela chora mais
- Aconteceu alguma coisa?
Eu sei por cima de alguns grandes vacilos que eles tiveram com ela, mas ela sempre perdoou. Não sei até que ponto é saudável, mas tudo bem, afinal, é pai dela.
Ela me conta de uma ligação com críticas, totalmente em lágrimas. Não sei muito o que fazer, então, só fico abraçado nela até que o choro pare
- Vai malhar. O mundial tá chegando e eu vou ficar realmente triste se você não ganhar - ela brinca
- Vai comigo, vai te fazer desestressar - dou um beijo nela
- Tá bom - ela lava o rosto - vou só ver nossos filhos, tá?
- Ok, eu espero
Ela vai rápido com cada um e depois malha comigo. Bom, ela tá melhor.
Após um bom banho, ajudamos o Leon a estudar e brincamos com a Jolie. Eu amo minha família.
Chega o dia pelo qual eu estava mais ansioso, só que, ao mesmo tempo, mais querendo que não chegasse: minha despedida.
A torcida fez uma festa linda... eu já chorei quando fui para Europa, mas, agora, me emociono ainda mais sabendo que é minha última vez como profissional.
Ainda que eu quisesse parar tudo para eternizar esse momento, não posso. Sendo racional, vou jogar.
O jogo é duro. Liverpool é brabo. Jogando, já não sou mais o mesmo. Canso bem mais rápido.
Fico com medo de não dar...
Nosso goleiro salva demais.
Ainda assim, após uma bola roubada de Thuler e uma armação de Gerson, faço o meu gol. Hoje tem gol do Gabigol - pena que daqui para frente não vá ter mais.
Meu último título como profissional é um mundial. Não foi por 3 a 0, mas os ingleses foram botados na roda, que nem em Dezembro de 81...
Beijo o gramado. Choro. Vou sentir falta da minha paixão.

We have each other - Gabriel Barbosa (Gabigol)Onde histórias criam vida. Descubra agora