Príncipe em fuga

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Não era muito comum alguém ludibriar a segurança do Palácio Real de Azzurro, mas o príncipe-herdeiro Massimiliano Domenico León, que vivia atrás daqueles muros desde que nasceu, conhecia cada espaço e ponto cego onde poderia se esgueirar e passar pelos muros de pedra que circundavam a elegante residência.

Fugiria de casa para nunca mais voltar. Encontraria uma família que o amasse, o visse como alguém importante, e não o único herdeiro de uma longa linhagem que sobreviveu a duas guerras, terríveis batalhas no Mediterrâneo e vizinhos envolvidos em querelas fronteiriças.

O futuro de uma dinastia residia nas costas de um menino de 12 anos.

Azzurro se encontrava no mar Mediterrâneo, no meio do caminho entre a Líbia e a Itália. Era formada por três ilhas, cujos nomes deram origem às dinastias que dominavam o reino há gerações: Aragón, a maior ilha, onde tinha a capital do país, Santa Cecília (padroeira do reino); Axum, cuja capital Vermiglio era conhecida como um balneário dos ricos e famosos europeus; e a ilha de Siracusa, a parte mais arborizada do país, incluindo sua capital, Port Elizabeth, de forte influência britânica.

Ainda havia uma ilhota mais distante, Virginia, usada apenas para pesquisas biológicas.

Era um arquipélago bastante curioso – Azzurro foi fundada por etíopes, que se estabeleceram em Axum, a ilha mais a leste, e dominaram as populações originárias, que viviam da pesca. Estabeleceram a primeira dinastia ali mesmo, bem como a primeira capital – chamada "semayawī", que seria "azul" em amárico, e que logo depois seria renomeada Vermiglio, quando a dinastia Siracusa, formada por italianos, tomou o poder.

Por um tempo, espanhóis também visitaram a região, e passaram a explorar a maior ilha, rebatizando-a de "Aragón", a dinastia que tomou o poder em Azzurro após a morte do último rei da família Siracusa, que não deixara herdeiros homens.

Entre espanhóis, italianos e etíopes, Azzurro tornou-se um país multicultural, multiétnico e com pessoas conversando em línguas diferentes, muitas vezes trocando a língua na mesma conversa. Falava-se espanhol, italiano e inglês; mas em Axum, a segunda língua era amárico, e todos os reis, independente de qual dinastia fossem, deveriam falar amárico. Os monarcas eram católicos, mas havia uma grande comunidade judaica no país – que aumentou durante a Segunda Guerra, quando Azzurro foi um porto seguro para muitos que fugiram do Holocausto, mesmo que o país estivesse situado no meio do caminho para a Itália.

Mesmo assim, ainda haviam sérios problemas em Azzurro, que mesmo se vendendo para o mundo como o paraíso da tolerância, lidava com questões que pareciam enraizadas na sociedade. Uma delas dizia respeito à questão racial: metade da população era negra, mas pouquíssimos conseguiam se mover socialmente ou tinham acesso às altas esferas de poder – o primeiro-ministro Oscar Benítez foi o primeiro negro a ser escolhido, no governo de León IV, duque de Aragón (eles intitulavam o monarca pelo nome ou sobrenome, e o atual rei optou por ser nomeado pelo sobrenome, "León"), considerado progressista em relação a seus antecessores; e a dinastia Axum estava minguando a olhos vistos. Eram tratados como cidadãos de segunda classe e não raro suas contribuições para o crescimento de Azzurro eram apagadas ou "revisadas" para beneficiar os ancestrais italianos ou espanhóis.

Havia tensão no ar, especialmente em Axum, e naqueles dias, León IV encontrava-se em Vermiglio para tentar resolver a situação na cidade: a morte de um menino negro pelas mãos de um policial branco gerou protestos na cidade, e o setor turístico entrou em contato com o governo, desesperado.

- Perderemos dinheiro caso esses protestos não terminem, ministro.

Intimamente, Benítez concordava com o direito da população em reivindicar mais respeito e menos preconceito – ele, muitas vezes, sentiu na pele a diferença de tratamento dispensada a ele em relação a seus colegas brancos na escola e na faculdade onde estudou. No entanto, precisava engolir os próprios ideais e conversar com o rei a fim de que ele pudesse mediar a situação...

Coração de Rainha [livro 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora