Capítulo 26

1.3K 161 111
                                    

Diaval

Aurora era simplesmente uma excelente artista.Admito que não sabia deste dom que a garotinha de olhos azuis possuía.Minha roupa ficou fantástica,nunca me senti tão bem.Minha senhora não iria precisar fazer meus trajes desta vez,o que era relativamente bom,já que provavelmente,a paciência dela para fazer tal coisa estaria zero.

Tinha resolvido escrever uma carta para Malévola,na esperança de que ela pudesse me perdoar por ter sido rude,mas agora me pego preocupado apenas com este assunto,não permitindo minha mente aproveitar o novo dia que nascera,nem a grande festa que estava por vir.

Saí de meu quarto para pegar um ar e a primeira visão que tenho é logo dela.Entrei em estado de choque.Meu interior foi tomado por um conflito louco ao passo que minhas mãos,novamente,iniciaram a produção de suor frio.Malévola estava simplesmente linda e atraente.

Não,espera,o que é que estou dizendo?

Acabei soltando a frase "Malévola,você está linda"e não sei se devo arrepender-me amargamente por fazê-lo.Minha senhora arqueia as sobrancelhas confusa e faz uma expressão de espanto mista com indiferença.

Aurora,por usa vez,apenas solta risadinhas nada discretas detrás da mãe,que se não ouviu o barulho da filha,foi porque escolheu a ignorar ou estava completamente surda.Malévola apenas me encarava com seus belos olhos claros.Eu tinha vontade de me aproximar mais dela,vontade de roubar-lhe um beijo de seus lábios vermelhos,vontade de abraçá-la e envolver meus dedos no seu belo cabelo,vontade de dizer que a amo.

-Eu li. -minha senhora diz,me fazendo piscar pela primeira vez desde que fixei meus olhos em seu rosto simétrico que contrastava cor perfeitamente com o vestido preto.

-Como? -indago confuso.Ainda estava um pouco aéreo,tentando retomar os sentidos que foram roubados pelos milhões de pensamentos que invadiram minha cabeça a respeito de minha ama.Pensamentos estes,que deviam permanecer apenas no mundo da imaginação.

-A carta. -ela repete revirando os olhos estressada.Ainda acho que um dia,ela pode perder as íris por causa disso.

-Ah.. -coço a cabeça tímido por minha lerdeza -Você...

-Eu te perdoo. -ela me interrompe. -Mas na próxima,te transformo em um cão permanente.

Respondo com um sorriso e recebo reciprocidade da parte dela,que volta para o quarto em seguida.

Aurora,ainda permanecia estátua e imóvel com uma sarcástica expressão no olhar.

-Não comece,Aurora -digo apontando o indicador direito a princesa.

-Desde quando você chama a madrinha pelo nome? -ela diz finalmente se movendo de seu lugar.

-Desde ontem -respondo envergonhado -Ela deixou.

-Ah,vocês dois são tão lindinhos!-a princesa bate palminhas como de costume.Sinalizava que estava alegre e contente.Era sempre assim.

A menina sai me dando um bizarro tapa no ombro que sinceramente,não entendi o significado.

Resolvo ir até o salão de festas.Deviam estar arrumando os últimos preparativos.Queria poder ver como estava ficando,antes que aquele lugar se enchesse de gente.

Ao chegar lá,vejo que nada mudou.Malévola já tinha feito um trabalho excelente na decoração e tudo estava do jeito que ela deixou.Ao menos,ela havia tido tempo de preparar isso antes do imprevisto.

Os poucos dias que ficamos neste palácio foram uma loucura.

Haviam alguns criados arrumando a mesa gigante onde ia ser posto o banquete coletivo.Já estava farta e tinha muita coisa.Não iria fazer falta se eu pegasse apenas um doce.O café da manhã hoje tinha sido pobre.

***

A manhã passou.Já estava iniciando a tarde e pude ver que os convidados começaram a chegar.Todos iam em direção a capela.Os guardas orientaram-nos a fazer o mesmo,afirmando que o batizado se iniciaria daqui a meia hora.A pequena igreja que fora destruída na batalha de Ingrith havia sido reerguida e estava bem bonita.O lugar que antes era de temor e morte,agora simbolizava felicidade e vida.

Entrando lá,pude ver perfeitamente a união entre as espécies mais estruturada do que nunca.Humanos estavam perto de fadas e vice-versa.Aquilo era obra de Aurora e me enchia de orgulho.Antes,parecia impossível uma cena destas acontecer.

Vejo também,para meu desprazer,Borra.

Ele estava junto as fadas das trevas do lado esquerdo da capela.Tinham sido postos bancos pequenos especificamente para eles.Malévola também já estava lá e seu semblante parecia triste,apesar das circunstâncias serem boas.

Por que ela simplesmente não falava o que estava havendo para mim ou para a própia filha?Essa sua mania de ser complexa e misteriosa me dava nos nervos.

O que estava me causando mais raiva era a forma como Borra olhava para minha senhora.Ele a secava tanto,que eu podia ver a pele dela corar.

E ela nunca corava.Bom,pelo menos não que eu veja.

Se estava assim,era porque sentia-se mal com a situação,ou no mínimo constrangida.Eu tinha que fazer algo.E iria fazer.

Me aproximo do grupo e percebo que tem um banco desocupado do lado de Malévola.Não era confortável como as cadeiras dispostas as outras fadas e pessoas,mas eu tinha que ficar com minha ama.Precisava dar apoio.

Me sento com ela,que não esboça nenhuma reação ao me ver.Sua mente parecia distante.Mas eu iria ficar ali,independente se conversássemos ou não.

-Oi,corvinho falante.-Borra diz com desdém.Será que é ruim eu estar com vontade de bater nele?Sei que sou pequeno e perto dele,não passo de um verme,mas enfim.Malévola me protegeria.Ou não?

-É Diaval! -respondo educadamente,tentando não demonstrar minha fúria.Malévola,que por sua vez,me conhece bem,encara-me com fisionomia de repreensão.Poderia traduzir sua face como um pedido de silêncio.Ela estava estranhamente calada.Não que falasse demais,porém algo realmente estava errado ali.

O imbecil me olha com uma cara que eu consideraria ameaçadora.Como eu queria que minha ama me transformasse em um animal forte agora.

De repente,um fada-macho branco da espécie de minha senhora se aproxima de nós,sentando-se detrás de Malévola,tocando no ombro da mesma.Se fosse Borra fazendo tal coisa,não sei se responderia por mim.

-Malévola,você vai ter que me dar a respo...

-Agora não,por favor. -ela o interrompe,gesticulando uma das mãos,sem olhar para trás.Parecia apreensiva e eu podia sentir isso.Até os batimentos dela aparentavam estar mais acelerados.Por quê?

O moço com cara de sábio nada responde,apenas assente e se cala em seu lugar.A autoridade de Malévola sobre as outras criaturas e seu povo era incrível.

-Senhora,você está se sentindo bem? -arrisco perguntar.Minha ama parecia estar até tremendo.

-Fique quieto,Diaval,por favor. -ela diz grossa.Já estou até acostumado com isso,nem me ofendo.Malévola tinha seus momentos temperamentais.

Instrumentos musicais começam a tocar.O som do violino era predominante e a melodia era belíssima.A música me causava uma bizarra ansiedade.Aquilo só podia sinalizar uma coisa.O batizado começaria daqui a alguns instantes.Sinto um frio na barriga.

O palanque já estava pronto,tinha uma bacia pequena adornada de ouro e cheia de água,onde a criança iria ser mergulhada e duas cadeiras bem bonitas,onde se podiam sentar o pai e a mãe,coisa que acredito que eles não farão.Devem estar tão almejantes quanto todos nós.

Mal podia esperar para tudo começar.



FEELINGS-MALÉVOLA E DIAVALOnde histórias criam vida. Descubra agora