FEELINGS-MALÉVOLA E DIAVAL

Capítulo 15

- Senhora,posso fazer uma pergunta? - Diaval diz antes de abocanhar um pedaço do bolo de chocolate que tinha na bandeja.Comida de palácio é tão farta que até considero um exagero.Quem comeria pão,bolo,frutas e ainda uma jarra de suco pela parte da manhã sozinho?

Estão achando que eu sou uma esganada?

Basta olhar para mim e ver que não como demais.Até porque meu estômago não consegue aguentar muita coisa.E pelos céus,a comida hoje ainda estava com um sabor putrefato.Se não fosse minha fome, com certeza negaria aquilo.Já Diaval parece não notar o quão esquisito está o gosto de alguns alimentos.Ou talvez,eu que esteja vendo coisas que não existem.

-Depende -respondo após terminar de engolir uma uva tirada de um cacho que me fora servido.Pelo menos as frutas pareciam bem melhores do que as massas.

Ele hesita um momento e usa o tempo de sua mastigação a seu favor para pensar se devia ou não prosseguir com sua pergunta.

- Por que a senhora me deixou entrar aqui ontem a noite? -dessa vez,ele para de comer e apenas pausa seu olhar fixo em mim.A propósito,ainda estou com a roupa de ontem e ao me deparar com isso,coloco as duas mãos em cima de minha caixa torácica.Era tão inapropriado,mas Diaval sabia me respeitar.Aquele respeito que ele estava mostrando por mim fez de alguma forma,meu remorso por tratá-lo mal ter aumentado,juntamente com meu carinho que tenho desde o dia que o conheci praticamente,já que simpatizei com o mesmo.Pelo fato de que ele seria minhas asas eu salvei sua vida,mas às vezes me pergunto como seria a minha se não tivesse feito isso.Agora ele não existiria.Agora eu não possuiria um amigo.Um amigo que de certa forma também me ajudou a ver o mundo de um ângulo diferente,junto com Aurora.

Apesar dele tido a má sorte de acompanhar-me e conhecer-me pela primeira vez na fase mais sombria de minha existência,nunca me abandonou e cumpriu com sua promessa de estar ao meu lado para sempre.Na época como servo,agora como companheiro fiel.

Sua pergunta foi um pouco intrigante.Digo isso porque nem eu mesma tenho a resposta para ela.Não consigo entender por que deixei ele entrar e ainda o chamei para observar estrelas.Não consigo entender por que dormi no seu ombro,sendo que prometi a mim mesma não fazer mais isso com ninguém.Não consigo entender muitas coisas.

- Não sei -respondo sinceramente -Sabe,bem que eu devia não ter deixado se soubesse que você ia acabar dormindo aqui.

- Ah,a senhora dormiu primeiro - ele deu de ombros -E a propósito,é sonâmbula.

- Não perguntei. -arqueio as sobrancelhas irritada.Ele estava sendo patético.

Uma dúvida começa a surgir na minha mente.Diaval possuía todo conforto,tudo de bom em um quarto só seu.Ele pediu apenas para passar um tempo comigo e não para dormir.Por que abriu mão de voltar e deitar na própia cama para ficar ao meu lado,mesmo que seja no chão?

- Eu também tenho uma pergunta pra você. -digo diretamente,agindo como ele,paro de comer e olho no fundo de seus olhos.

- Sim,senhora.Pode perguntar.-Diaval também deixa a comida de lado,provavelmente nervoso com o que poderia vir.

- Por que trocou sua cama confortável por esse chão? -aponto em direção ao tapete branco que fica ao lado de meu leito.

Ele vacila.Suas íris negras são direcionadas para cima e então,coça a cabeça.Estava pensando em uma resposta.

Talvez nenhum de nós dois tínhamos respostas concretas para as perguntas um do outro.

- Senhora...- ele diz engolindo a própia saliva pausando sua fala. -Às vezes o desconforto ao lado de quem queremos bem vale mais que qualquer travesseiro de plumas ou colchão macio.Este lugar é novo pra mim e sim,eu tenho medo de dormir sozinho em lugares novos...-suspira- Em Moors não sou assim,porque lá já é meu lar.Sempre foi.Mas aqui,não.Sua presença é minha segurança,entende?A senhora é tudo que eu tenho.

Nossa,certamente eu não esperava ouvir isso.Não mesmo.Diaval podia ser meu amigo,gostar de mim e eu dele,mas nunca imaginei que eu fosse tão importante a ponto de passar segurança com minha presença.Não tenho muito o que falar.Nada na realidade.O silêncio novamente volta sobre nós dois.Pego mais algumas uvas e ponho na boca e ele faz o mesmo.

Suas palavras seriam até bonitas se não tivessem sido um pouco constrangedoras.

Termino de comer,para sair daquela tensão excêntrica.

-Tenho que ir -me levanto da cama,segurando as barras do meu vestido para ter a certeza que não iria ser exposto nada ali - Vou ver como está o tal do banho que você fez pra mim.

- Não sou especialista,se a senhora ver que não está bom,não me transforme em um verme por isso - ele diz inquieto, porém rindo.

Solto um pequeno sorriso também.Diaval conseguia me fazer sorrir por mínimas besteiras.Aquilo me embaralhava.

- Acho que agora eu realmente tenho que sair- ele levanta de seu lugar,pondo-se de pé como eu -Já invadi sua privacidade demais e te observar tomando banho deve ser a pior das visões.

Como resposta,transformo ele em corvo para calar sua boca e abro a porta de meu quarto,o pondo para fora.Sim,era melhor que ele ficasse um pouco quieto.Já estava em forma humana por tempo demais e consequentemente,falava demais.Precisava dar algum tipo de castigo por ele ter dormido aqui e ainda praticamente me chamar de ridícula.Agora,ele não podia falar com mais ninguém até segunda ordem.

-Corvo tolo -digo e tranco a porta em sua cara,ou melhor,"bico". Quando me encontro sozinha outra vez,me vejo rindo.Sim,ele realmente conseguia me fazer rir.Aquele corvo não tem limites,mas mesmo assim,ele é tudo para mim.

E pelo que parece,eu sou tudo para ele.Diaval é meu melhor amigo.

Até que o banho que ele havia feito não tinha ficado tão mal.Depois que saio,me visto,prendo meu cabelo novamente e vou passear sozinha pelo palácio,para conhecer melhor.Por que essa ideia veio na minha cabeça,não sei,mas eu precisava ocupar minha mente enquanto Aurora não ia nos encontrar no quarto,e deixar Diaval sofrer um pouco,sem poder falar nenhuma palavra.Certo,talvez a maldade que descobri no meu interior ainda exista,mesmo que de pequena frequência.

Agora talvez,eu precisasse de um momento para pensar na minha vida,nos meus problemas e em possíveis resoluções.Já não tinha muito tempo.Zeyn vai me cobrar em breve e eu necessito de alguma desculpa esfarrapada para me livrar desse peso.Não,eu não quero ter filhos.Não quero me casar com ninguém forçada.As coisas não precisam ser assim.

Ou precisam?