Capítulo 12

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O astro noturno voltou com seu brilho.Mais um dia estava a findar.Agora só restavam apenas dois para a grande celebração.Admito ter tido uma noite de sono até agradável ontem,mas hoje especificamente,é bem provável que não irá acontecer o mesmo.O assunto do convite à minha espécie ainda está atormentando minha mente e eu não consigo pensar em outra coisa.Se pudesse,usaria de meus poderes para reverter o passado,e Aurora nunca ter convidado eles,mas infelizmente,esse tipo de magia,não possuo em minhas mãos.

Da varanda de meu quarto,é possível ver um pedaço de Moors,a vila de Ulstlead e todas as estrelas que existem no céu.Algumas são brilhantes,outras um pouco mais foscas mas todas são excepcionalmente lindas.Elas me fazem lembrar meus pais que nunca conheci.Muitos momentos,eu me pego observando o céu em busca dos pequenos luzeiros que podem ser eles e geralmente, escolho os mais brilhantes para fazerem esse papel.Isso pode parecer coisa de criança,mas para mim,se tornou até costumeiro.É a forma que encontrei de aliviar a dor em não ter visto suas faces,conhecido seus ideais e não ter recebido uma bronca sequer deles.Aquilo era a maneira que encontrei de saber que eles um dia existiram e me amaram,mesmo que por pouco tempo.Tudo que queria era saber se orgulhariam-se do que me tornei hoje.

As fadas que me criaram após meus pais perderem a vida quando eu ainda era um bebê me diziam que eles eram fortes e valentes,não tinham medo de nada e por isso,arriscaram suas próprias vidas em guerra para salvar ao restante do povo de Moors.Eram seres bons e com imensos corações.Meus cuidadores falavam que tenho os olhos de meu pai e o rosto de minha mãe,mas uma coisa,eles diziam eu ter em comum com os dois:a teimosia.Meus pais só foram para esta guerra por pura teimosia de querer salvar o povo,mas acabaram não salvando eles mesmos.Hoje vejo que já fiz isso uma vez.Por Aurora.E por muito pouco,não tomei o mesmo fim trágico.

Me encontro perdida nos meus pensamentos diversos a respeito de fases aleatórias de minha existência,até que sou atrapalhada por um forte barulho na minha porta.Que ser vivo estaria com disposição de me perturbar a essa hora?Deixo passar na esperança de quem quer que esteja do outro lado desista,mas a mão insiste em continuar espancando o umbral.

-Senhora?-a voz familiar de Diaval ecoa do outro lado - Está acordada?

O ato de ignorá-lo parecia tentador,mas no momento que ouvi sua voz que soava estranhamente aflita,não consegui fazer isso.Pensei que ele podia estar com algum problema,ou algo havia acontecido a Aurora.Muitas coisas me sucederam,então decidi atender a seu chamado e abrir a porta.

-Sim? -respondo,tentando soar o mais sonolenta possível,para não fazê-lo acostumar-se a encher minha paciência em plena madrugada,apesar de o sono ter passado longe de mim hoje.

- Senhora,desculpe incomodar... -ele diz,evitando me olhar.Acredito que as roupas de dormir que Aurora me entregou são muito reveladoras e se eu não tivesse agido por impulso de atender Diaval logo,com certeza não me mostraria assim na frente dele. - Não estou conseguindo dormir senhora,desde ontem.

Fico surpresa.Diaval sem dormir?Impossível acreditar se não fosse seu semblante abatido e cansado e as olheiras que se instalaram em seus olhos.

-E eu com isso? -arqueio ambas as sobrancelhas indiferente.Sério que ele me chamou pra reclamar de insônia? -Tenho cara de chá de camomila por acaso?

Ele comprime os lábios mas acaba sorrindo um pouco ao ouvir isso.Não era para ser uma piada,mas que entenda como preferir.

-Senhora,eu estou com um pouco de medo,não sei explicar mas...não quero ficar sozinho neste lugar medonho. -O corvo humano diz enquanto entrelaça as mãos,olhar amedrontado.

-E você quer o quê?Dormir aqui? -digo arregalando os olhos,apesar de ele continuar a me evitar olhando para o chão.

- Não senhora,eu... - Diaval faz uma pausa até que finalmente decide me encarar.Seus olhos insistem em descer um pouco abaixo de minha face e pescoço, mas ele luta para mantê-los olhando para mim -Só queria companhia.É...pra passar o tempo e ver se consigo ter um pouco de sono.Alguém pra...conversar.Não vou dormir aqui,só...passar um tempo.Posso? -ele me olha tristonho tentando desencadear minha compaixão.

Aquele pedido realmente me surpreendeu.Por que Diaval queria passar um tempo comigo?Que tipos de pensamentos estavam tirando o sono de urso que ele tem?

De imediato,pensei em negar,mas eu também não estava conseguindo dormir,então as únicas palavras que saíram de minha boca foram:

-Tudo bem,vamos olhar as estrelas.

Sério,eu devo ter soado ridícula falando isso,mas agora já era.Ele aceitou dando um sorriso no rosto e seus olhos brilharam.

O levei até minha varanda de onde eu estava antes.Nos apoiamos na pequena base de pedra branca que nos protegia de cair daquela altura.O silêncio era a única coisa que estava sendo emitida entre nós,até que ele resolve quebrá-lo já que sua língua não fica presa na boca por mais de cinco minutos.

-Sabe,eu acho o céu noturno uma coisa linda. -ele disse,olhar fixo e admirado na lua.

- Sim.-É a única coisa que consigo responder.Às vezes,até eu me surpreendo com minha capacidade de ser tão fria.

- Senhora,quando a senhora vê as estrelas,se lembra de alguém especial?

Ele havia tocado em um ponto bem doloroso,porque sim,eu me lembrava de alguém.Não somente um,mas dois.Meus pais.Mas eles não chegaram a se tornar especiais já que nunca nem os conheci direito,então não era uma resposta convicta para dar.Eu não tinha uma resposta convicta na verdade.

- Não. -disse seca  -São apenas astros noturnos,Diaval.

Talvez eu deva ter soado áspera,mas ninguém é obrigado a saber meus sofrimentos e passado.As estrelas nunca vão ser apenas astros para mim,mas é coisa minha.

-Sabe,quando eu olho pra elas...- ele respirou fundo e me deixou claro que estava um pouco nervoso - Eu lembro da senhora.

Por aquilo,não esperei de forma alguma.A tradição geralmente nos ensina que aqueles que se foram viram estrelas no céu,então isso não faz sentido para mim.

- Eu não estou morta.-respondo espantada.

-Claro que não senhora - ele se aproxima mais de mim -Digo isso porque elas têm brilho único,cada uma tem sua importância, seu papel.A senhora é como elas.Tem um brilho só seu e um papel que só a senhora pode cumprir.

Me questionarei pelo resto de meus dias onde meu amigo havia aprendido a ser tão poético já que o hábito de ler era algo que ele detestava.

-E que papel seria esse,Diaval? -pergunto confusa,porém admito ter me sentido envolta com sua citação.

-O de mãe e de amiga. -ele sorri olhando no fundo de meus olhos - A senhora cumpre eles muito bem.

Não consigo responder.Elogios não são muito meu forte.Diaval estava sendo carinhoso e gentil.Aquilo me causava um diferente frio na espinha.Resolvo voltar ao sigilo e me afasto dele que agora tinha seu braço encostado no meu.

Acabamos cansando de ficar em pé e nos sentamos no chão do lugar.Apesar de ser apenas uma sacada,era grande o suficiente para caber umas cinco pessoas sentadas.Ficamos observando o céu e seu esplendor,por um pouco mais de tempo.A presença de Diaval me fazia sentir-me bem de alguma forma,então logo meus olhos começaram a pesar e não demoraram muito a se fecharem completamente enquanto eu coloquei minha cabeça no ombro dele.Nunca fui chegada a toques físicos,mas a forma como ele me envolveu em um abraço me causou uma sensação boa,então,eu o permiti.A última vez que dormi nos ombros de alguém,acordei com minhas asas cortadas e uma imensa dor na alma.Mas meu amigo e fiel servo me transmitia uma excêntrica segurança que me fez adormecer.

FEELINGS-MALÉVOLA E DIAVALOnde histórias criam vida. Descubra agora